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Brasil. “Os que saíram derrotados vão ter de esperar pela próxima eleição”

27 mai, 2015 • Paulo Ribeiro Pinto

Não faz sentido um processo de impugnação do mandato da Presidente Dilma Rousseff, assegura o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, defendendo que a haver mudança deve ser sempre através de eleições. Eduardo Cunha considera ainda que as relações entre o Brasil e Portugal devem ser aprofundadas.

Brasil. “Os que saíram derrotados vão ter de esperar pela próxima eleição”

Eduardo Cunha , presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, defende uma mudança no sistema para combater a crise política. Em declarações à Renascença diz que a solução pode passar por substituir o presidencialismo pelo parlamentarismo.

À margem da 4ª edição das Conferências do Estoril – “Desafios Globais – Resposta Locais”, afirmou que não faz sentido um processo de impugnação do mandato da Presidente Dilma Rousseff.

Na sua apresentação nas Conferências do Estoril falou da questão da representatividade. O Brasil assistiu, nos últimos meses, a grandes manifestações contra o Governo de Dilma Rousseff. Eram sobretudo de pessoas que tinham votado Dilma ou contra os políticos em geral?
Acho que havia de tudo. Pessoas que não tinham votado na Presidente Dilma e que votaram nela arrependendo-se. Existiam as duas coisas, associadas ainda à combustão da situação económica. Temos um histórico de três mandatos ocupados pelo PT (Partido dos Trabalhadores) e ela vai para o quarto mandato. Todas as eleições anteriores tiveram uma hegemonia eleitoral, com um resultado muito redundante. Nas últimas houve uma reeleição muito apertada em que os instrumentos do debate político foram instrumentos em que se proclamaram muitas coisas que não iam ser feitas. E isso, de uma certa maneira, aprofundou o desgaste. Então, foram para as ruas. Agora, estão no processo de debate político, de contestação política.

O Brasil tem uma diferença dos países europeus, não é um regime parlamentarista, é um regime presidencialista, em que o prazo do mandato do chefe do poder executivo é maior. Ainda faltam três anos e oito meses para terminar o mandato. Não adianta a sociedade tentar entender que o recurso eleitoral pode transformar-se num processo de impugnação de um Presidente. O debate começou a existir, mas acho que é inapropriado. Acho absolutamente descabido porque na realidade é um recurso eleitoral. Os que saíram derrotados vão ter de esperar pela próxima eleição e o Brasil tem de discutir se esse é o melhor modelo para o país: se o presidencialista - como temos - diante de crises como esta é a melhor forma de exercer a representatividade.

Está de que lado, do parlamentarismo representativo ou do presidencialismo?
Sou favorável ao parlamentarismo. Nós temos que pensar que, no futuro, e uma forma de sanear crises como esta: uma dissolução do parlamento, seguida de eleição, preservando o chefe de Estado. Você pode exercer a plenitude do governo com a representatividade que o momento requer.

A ideia é criar dois pesos de equilíbrio da balança…
No Brasil, o Presidente exerce o seu mandato, com o gabinete ministerial, a chefia do Estado e vai sendo contestado porque exerce um modelo diferente daquele que prometeu durante todo o tempo. Não existem outros mecanismos democráticos que não sejam esperar pelas próximas eleições. Qualquer outra forma não é democrática.

As manifestações foram contra os políticos, mas também por causa dos casos de corrupção. Disse que o caso de corrupção na Petrobrás é, provavelmente, o maior escândalo do mundo. Isso mina a confiança dos eleitores no poder político?
O escândalo da Petrobrás já era conhecido aquando da campanha eleitoral, talvez não com a dimensão de hoje. Já tinham ocorrido prisões. Talvez não fosse do conhecimento do povo o tamanho. A confiança nos políticos é dada à medida que eles compactuam com a corrupção, o que não é o caso. Quando reagimos procuramos, não só punir, mas também evitar que coisas como essa voltem a acontecer. Certamente há condições para recuperar a credibilidade dos políticos. Agora, não há dúvida que existe sempre uma mistura no imaginário popular de que todo o mundo não presta, tudo é igual. Nós, os políticos de bem, fazemos a nossa parte para que se possa recuperar essa credibilidade. Por isso, quando analisamos sondagens deste ano, o Parlamento obteve o nível de aceitação maior do que o próprio poder executivo. O Parlamento está a fazer mais coisas do que o poder executivo. E continuamos nesse tom para recuperar a credibilidade junto da população.

Esse nível de popularidade pode dar-lhe a alavanca para se candidatar às próximas presidenciais?
Não se pode viver essas situações com tanto tempo de antecedência, nem fazer das ambições pessoais a forma de actuar na política. Acho que isso é consequência, nunca pode ser a causa. Todos os que actuam pensando na próxima eleição correm o risco de desempenhar mal o seu papel: Nunca procurei o meu segundo papel; os meus papéis foram acontecendo; as minhas disputas políticas foram dessa forma, mas nunca as procurei. No momento em que as oportunidades surgiram eu disputei-as. Não tenho nenhuma ambição.

O meu partido – o PMDB - tem o vice-presidente e deve ser ele a disputar as eleições com um candidato próprio para que possamos ter as nossas próprias ideias representadas no debate político. Não temos de ficar atrelados a mais ninguém. Eventuais alianças têm de acontecer na segunda volta. Acho até que o prefeito Eduardo Reis da minha cidade (Rio de Janeiro), que tem as Olimpíadas no ano que vem, talvez seja o melhor nome que temos para disputar as eleições. É o melhor hoje, não quer dizer que daqui a dois ou três anos o seja. Esse é um processo natural.

Ainda no tema da corrupção. O ex-Presidente Lula da Silva que foi arrastado para o escândalo pode ter uma avaliação histórica diferente daquela que poderíamos projectar até há bem pouco tempo?
Não dá para fazer esse tipo de avaliações porque é muito perigoso criminalizar a actuação contra quem não temos quaisquer provas. Nem eu acredito que Lula seja líder de nada no que toca à corrupção. Mas não há dúvida nenhuma que o modelo que foi implementado pelo partido dele vai acabar por trazer desgaste à sua imagem. Há quatro anos, Lula era um mito no Brasil. Hoje é uma grande liderança. O que vai acontecer daqui a três anos, não sabemos. Se ele recuperar a condição de mito, talvez seja imbatível, mas se se mantiver na circunstância em que está hoje, recusando, certamente não disputará ou fará parte da eleição. Mas, mais do que isso, a população cansou-se do modelo, não dos nomes. Há uma revolta muito grande da população contra o PT.

É um dos 240 parlamentares que estão sob investigação no caso “Lava Jato”. Como reage ao facto de, alegadamente, o seu nome ter sido incluído nas delações?
A minha preocupação foi responder ponto por ponto ao que tinha sido colocado e contestei com muita tecnicidade. Já denunciei o caso como uma situação política, como uma forma de tentar constranger um poder – que é o poder legislativo. A minha reacção foi a que foi e os meus advogados estão a tratar da parte jurídica. A parte política que tinha de fazer – a contestação técnica, a contestação política, já está feita. A questão é que eu fui escolhido a dedo para ser colocado num bolo de situações com as quais não tenho absolutamente nada a ver com isso.

Essa “guerra” política que encetou com o Procurador não pode pôr em causa o regime de separação de poderes?

Não. Eu tinha de reagir à afronta ao poder que chefio. Se não o fizesse não seria digno de ocupar o poder. A minha reacção foi na altura em que a agressão foi feita, inclusive porque houve uma invasão do poder, ao fazerem buscas de coisas que seriam desnecessárias. Houve uma reacção dura da minha parte, agora já passou. É tempo de deixar que as coisas se resolvam no computo jurídico. A Procuradoria não é um poder, é efectivamente o acusador. Na ordem jurídica brasileira exerce o papel da acusação. Vou aguardar as medidas judiciais, vou aguardar que o poder judicial julgue.

Em relação a outras questões que aqui em Portugal apelidamos de fracturantes, como o aborto. Rejeita a sua legalização e disse que “só por cima do seu cadáver”. Isso quer dizer que não haverá discussão do tema?
Eu sou contra o aborto e tudo farei, como legislador, para que não seja regulamentado. Sou contra a legislação que Portugal adoptou. Acho que essa história de até às dez semanas pode abortar, e a seguir, não pode, uma hipocrisia. Como presidente da Câmara dos Deputados eu tenho um regimento e a Constituição brasileira. Nenhum tipo de projecto pode ser levado a plenário em regime de urgência se não houver uma maioria que aceite essa urgência. E neste momento não tenho nenhum projecto nessas circunstâncias. Como presidente da Câmara tenho de lidar com a realidade. A minha vontade pessoal não tem a ver com a vontade do Parlamento.

Correndo o risco de desconhecer o enquadramento jurídico brasileiro, não seria possível fazer um referendo à semelhança do que aconteceu em Portugal?
Teria de haver uma emenda constitucional e para aprovar uma emenda constitucional no Brasil é necessária mais do que uma maioria, são necessários 3/5, na duas Câmaras. Portanto, seria muito mais difícil.

O Brasil era visto, até muito recentemente, como a grande potência económica da América do Sul com um crescimento elevado. O que aconteceu agora que tem um crescimento “anémico” se tivermos em conta 2010?
O problema tem sido a forma como foi desenvolvido o modelo. O Brasil teve um crescimento baseado no crescimento externo pelo elevado preço das mercadorias. O cabaz de exportações concentrou-se em cinco produtos e tinha os mercados asiáticos como os principais compradores pagando preços que subiram assustadoramente dando, consequentemente, algum conforto à nossa balança comercial e ao saldo das nossas reservas cambiais. Paralelamente a isso, o país aumentou o crédito interno e, além disso, fez uma correcção dos salários acima da produtividade da economia. Isso, num primeiro momento, provoca crescimento porque leva a mais consumo e tem uma retroalimentação da cadeia produtiva. A cadeia produtiva, tendo novos compradores, tem mais procura. Mas, entretanto, os preços das mercadorias caiu no mundo inteiro, o Brasil deixou de ter excedentes na balança comercial e, consequentemente, deixou de gerar reservas cambiais.

Em segundo lugar, para a manutenção do seu nível de endividamento interno, depende muito de capitais estrangeiros que vêm para cá criando muitas remessas do Brasil. Perdendo o saldo da balança comercial, passou a deficitário também na sua balança de pagamentos. Ao mesmo tempo, o aumento do salário acima da produtividade fez com que os custos das empresas aumentassem muito e perdêssemos competitividade.
Em paralelo os que tinham um endividamento elevado não aguentaram o pagamento dos juros e o seu nível de endividamento. Gerou-se uma crise que estamos a tentar consertar. Primeiro, com a contenção das contas públicas; depois, pela adaptação do seu modelo – e essa adaptação provoca contestação e uma recessão no momento.

Portugal e o Brasil têm relações históricas, culturais e também económicas privilegiadas. Ambos os países continuam a ser bons destinos para o investimento mútuo?
Sem dúvida! Temos laços históricos e a facilidade da língua, tudo isso contribui para que possamos desenvolver e aumentar esses laços. Talvez tenham existido erros de política externa do Brasil que se concentrou demasiado na América do Sul e não se estender muito – como deveria – não só para o bloco europeu, mas também a América do Norte. O Brasil precisa de mudar um pouco a sua política externa.