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Kasparov: Países europeus "são estúpidos. A Ucrânia não é a última paragem de Putin"

25 mai, 2015 • Paulo Ribeiro Pinto

"Tal como qualquer ditador, ele precisa de caos, precisa do conflito", alerta o ex-campeão mundial de xadrez que escolheu o exílio em 2013, mas acredita que vai poder regressar e servir a Rússia.

Kasparov: Países europeus "são estúpidos. A Ucrânia não é a última paragem de Putin"
O ex-campeão mundial de xadrez e dissidente russo, Garry Kasparov, considera que o Presidente Vladimir Putin é “um vírus pior que Hitler” e lamenta a resposta do Ocidente. Em entrevista à Renascença, o activista político diz que as sanções contra a Rússia são “bastante fracas”, acusando ainda as empresas ocidentais de as contornarem.

Garry Kasparov, que esteve em Portugal para a 4ª edição das Conferências do Estoril – “Desafios Globais – Resposta Locais”, afirma que Putin tem negado um futuro à Rússia e alerta para a subida do militarismo de Moscovo, que gerou uma maior instabilidade na Europa.

Acredita que a Rússia poderá tornar-se uma democracia liberal no futuro próximo?
Sim. Se a Rússia quer sobreviver tem de se tornar numa democracia liberal. Os impérios já não conseguem sobreviver.
Espero que, eventualmente, o pendulo que Putin tenta por todos os meios empurrar para um lado acabe por seguir para o lado oposto criando oportunidades para que a Rússia possa construir o seu futuro baseado na sua riqueza cultural, científica e nas tradições e não na tradição de tiranos.

Não, sou optimista sobre o futuro da Rússia. A Rússia está sob grande pressão: da China, com a pressão demográfica, e do islão radical, a sul. A política de Putin, de confrontação aberta com o mundo livre enquanto ao mesmo tempo procura amizades com a China ou o Islão radical, é uma política suicida, é um crime contra o futuro da Rússia.

A política de Putin pode ditar o seu próprio fim? É isso?
O problema não é só para Putin. O problema é que Putin tem negado o futuro à Rússia, destruindo a economia, apesar do dinheiro disponível para o investimento.
A Rússia poderia ser hoje um país próspero, como novas infra-estruturas. A verdade é que se visitar locais fora de Moscovo não vê riqueza. O dinheiro foi roubado e retirado do país. A ditadura de Putin não é apenas uma experiência política é uma questão de corrupção.

A corrupção tornou-se um sistema. Eliminar a ditadura de Putin significa recuperar todas as instituições democráticas, com uma economia normal. Pode ser um grande desafio. Não tenho a certeza que a Rússia, como uma entidade una – desde Kaliningrado a Vladivostok –, possa sobreviver a esta pressão histórica.

Escolheu o exílio em 2013. Julga que defende melhor os interesses e o povo russo no exterior do que estando em Moscovo?
Estar vivo e livre é sempre melhor do que estar morto ou detido. Infelizmente, o meu grande amigo Boris Nemtzov – um homem de grande coragem que decidiu ficar e atacar o regime de Putin – sacrificou a sua vida pelo futuro do país e muitos amigos estão detidos. A Rússia de Putin significa um sistema de ditador único, que tem tolerância zero face a qualquer tipo de oposição.

Então acredita que minar o sistema por dentro não é possível?
Não, absolutamente! A menos que considere que sacrificar a sua vida pode minar o sistema. Julgo que a publicidade negativa que é gerada no exterior pode ter um grande efeito. Precisamos de compreender que o regime de Putin é um perigo para todos. Não é apenas para a Rússia, é para todos porque a segurança global instituída em 1945 está em causa. O que Vladimir Putin fez na Crimeia, e o que está a fazer agora no leste da Ucrânia, destrói-nos a todos e põe em causa qualquer acordo que possamos assinar.

Chamou Putin – e estou a citar – “um vírus pior que Hitler”, um “excêntrico”. Como explica os níveis de popularidade do presidente russo?
Qualquer ditador é popular. Hitler era popular e Estaline também. Se fizer uma sondagem na Síria, Bashar al-Assad será muito popular. Kim Jong-Un, na Coreia do Norte, é muito popular. Os níveis de popularidade serão acima de 100%, algumas pessoas até levantarão as duas mãos em sinal de apoio.
A Rússia não é Portugal, não é o Reino Unido, não é a Alemanha ou os Estados Unidos, não é um país onde as pessoas consigam exprimir as suas opiniões. Surpreende-me que os russos estejam constantemente a apontar coisas negativas nestas sondagens. Mesmo sob esta terrível pressão ainda há pessoas que reconhecem que Putin é mau para o país.

Mencionou o papel que a comunidade internacional pode ter. Julga que as sanções económicas não resultam?
As sanções são bastante fracas. As sanções contra a Rússia não estão a ter os resultados esperados porque Putin e os seus apoiantes acreditam que as sanções não vão durar muito tempo.
Veja-se o caso da Grécia, Hungria, República Checa, Áustria, Itália, Espanha. Muitos países, ou forças políticas desses países, estão ao lado de Putin. O facto de esperarem que as sanções sejam levantadas não resulta no efeito desejado. Nos últimos dias soube-se que a Cisco criou uma empresa de fachada na Rússia para vender computador para o KGB! Hoje, o Deutsche Bank revelou uma investigação à sucursal russa sobre lavagem de dinheiro. Estes são apenas dois exemplos, é a ponta do icebergue. É preciso compreender que é isto em que Putin acredita: ok, Obama, Merkel, Cameron…vocês podem dizer o que quiserem, no final de contas os negócios encontrarão uma forma de…

…business as usual?
Mas tem de parar. E se tal não acontecer as sanções não vão desempenhar o seu papel.

Alguns países da Europa estão a ser cínicos?
São estúpidos! Tão estúpidos como a França e a Inglaterra, na guerra em 1938, consideravam que poderiam continuar a fazer negócios. Se mantiveram essa posição acabará por prejudica-los, porque a Ucrânia é a última paragem, antes de Putin avançar para outros países da NATO. E se acontecer alguma coisa na Estónia ou na Letónia e a NATO não reagir por considerar que são irrelevantes, então a NATO estará morta, será um “tigre de papel”. Todo o sistema de segurança internacional, necessário para o comércio para o funcionamento do sistema financeiro, todo o sistema ficará paralisado.

Putin sobrevive do caos?
Exactamente. Tal como qualquer ditador, ele precisa de caos, precisa do conflito. É neste ponto que os ditadores têm uma vantagem competitiva, quando as coisas estão caóticas. Ele não joga pelas regras, como no xadrez. Ele quer jogar “poker”, porque pode fazer “bluff”. E, infelizmente, o ocidente não é assim tão bom a fazer “bluff”.

Recentemente, nas comemorações do fim da II Guerra Mundial, Vladimir Putin fez questão de demonstrar o poderio militar em Moscovo, com uma parada militar. Há essa necessidade de mostrar o poder?
Na realidade, em termos de demonstração do poder militar, foi a maior parada militar da história. Foram levados todos os equipamentos. Porquê? Porque é a forma de enviar uma mensagem para o exterior e ao mesmo tempo energizar a população. Durante muito tempo, a popularidade de Putin baseou-se no sucesso económico. As pessoas tinham vidas melhores, os preços desciam, houve as importantes reformas dos anos noventa. Putin fez um bom trabalho. Actualmente, a economia não está em boa forma. Por isso, Putin envolve-se nesta “histeria” militar, nacionalismo. É como se o país estivesse sitiado por inimigos. Mas essa não é a forma de construir o futuro.

Pensa em candidatar-se à presidência da Rússia?
Acredito que a Rússia vai transformar-se numa democracia normal. Acredito que vou poder regressar e servir o meu país. Fazer alguma coisa, o que for necessário para garantir que a Rússia se junte ao mundo civilizado. É muito difícil imaginar que conseguimos construir um mundo seguro e próspero, com uma visão de futuro, sem um grande país como a Rússia.