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Fora da Caixa

"Convergência entre Rússia e Estados Unidos sobre Estado Islâmico é inconveniente para Crimeia"

23 mai, 2015 • José Pedro Frazão

Pedro Santana Lopes e António Vitorino comentam entrevista à Renascença do ex-secretário-geral da NATO. No Fora da Caixa, analisam-se tensões entre Rússia e Ocidente e a possibilidade de intervenção militar terrestre contra o EI.

"Convergência entre Rússia e Estados Unidos sobre Estado Islâmico é inconveniente para Crimeia"
Pedro Santana Lopes e António Vitorino comentam a entrevista concedida à Renascença pelo antigo Secretário-Geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen. No programa Fora da Caixa, os antigos governantes analisam as tensões entre a Rússia e o Ocidente e debatem a possibilidade de uma intervenção militar terrestre contra o Estado Islâmico.

Atacar militarmente o Estado Islâmico por via terrestre é um dos cenários mais comentados no plano internacional. Mas pode não ser assim tão simples, reconhece António Vitorino, comentando a defesa de "botas no terreno" , num regime não-NATO, feita à Renascença por Anders Rasmussen, antigo Secretário-Geral da Aliança Atlântica.

"Do ponto de vista da eficácia operacional, é sempre fácil dizer que deve haver "botas no terreno" porque a campanha aérea tem limites. A questão da disputa do terreno só se faz com tropas. Agora, também é fácil dizer que devem ser sempre os outros. A NATO diz que devem ser outros. A União Europeia diz que devem ser outros. Mas não se ouvem os outros", assinala o antigo comissário europeu.

A intervenção de países da região será cada vez mais difícil, devido a divisões internas no mundo islâmico, reconhece Pedro Santana Lopes. O antigo primeiro-ministro diz que já tarda uma intervenção terrestre para combater os rebeldes do autodenominado Estado Islâmico.
 
"Com franqueza, começo a sentir que há algum atraso. A ideia da resposta aérea foi negociada com boa intenção e compreensivamente pelo presidente Obama. Teve um tempo que já passou. Estamos num tempo em que sentimos que a resposta no terreno já lá devia estar. Senão, não sei onde isto vai parar", confessa Santana Lopes.

Os Estados Unidos não têm grande margem de manobra para intervir no Iraque, adverte António Vitorino. " O Iraque está dividido em três bocados, se assim quiser: o Curdistão, a zona controlada pelo Estado Islâmico e a zona controlada pelo governo de Bagdad. Os americanos apostaram simultaneamente no Governo de Bagdad e no Curdistão, dois aliados difíceis que não se entendem facilmente.”

“Quem tem uma influência decisiva é o Irão. Embora as relações entre o Irão e os Estados Unidos tenham melhorado, continuam a existir muitos obstáculos para poder falar numa aliança sem espinhas, sem escolhos. Por dificuldades de política interna americana ou em gerir as alianças no terreno, a capacidade de intervenção dos americanos é muito limitada", afirma o antigo ministro da defesa.

Crise da Ucrânia pode durar 50 anos
Pedro Santana Lopes encontra na guerra ao Estado Islâmico um factor que pode temperar a pressão ocidental sobre Moscovo. "Este congelamento das relações e de alguma convergência entre os Estados Unidos e a Rússia é de todo em todo inconveniente. Pode dizer-se que a Rússia também aproveitou essa dispersão e preocupação com o que se passa no Médio Oriente com o Estado Islâmico para dar a questão da Crimeia por adquirida. Podemos especular isso. Mas o Ocidente deve desenvolver todos os esforços para que isso não se passe".

Na entrevista à Renascença, o antigo secretário-geral da NATO, Anders Rasmussen, aponta para a emergência de uma nova espécie de guerra fria. " Pode ter um pouco de razão, mas há coisas que é melhor nem falar nelas para elas não acontecerem e não passarem mais pela cabeça dos outros", comenta Santana Lopes. E acrescenta: " não acredito que a Rússia tenha condições económicas e até políticas para esse ciclo contínuo de projecto de hegemonização".

O cenário de uma normalização muito demorada das relações com a Rússia, levantado por Rasmussen, é subscrito por António Vitorino. " Não devemos no entanto pensar que esta relação de tensão com a Rússia é o estado normal. Não deve ser o estado normal. O problema é saber quais são as linhas que se definem para que desfaçamos esta tensão".

O antigo comissário europeu fala num " nacionalismo agressivo" por parte da Rússia, que " mina a estabilidade de países vizinhos e retoma uma doutrina de esferas de influência". Um quadro que " deve ser criticado e deve ser oponível por parte da União Europeia", diz Vitorino.

É uma crise que pode passar por várias fases. " A questão da Ucrânia pode levar 50 anos até ser tratada como deve ser tratada, como uma parte de um país independente, com a Crimeia integrada. Do ponto de vista de curto prazo, temos que esperar que as sanções produzam efeitos e que a sustentabilidade da posição de Putin comece a abrir fissuras", remata António Vitorino.