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Há menos voluntários para missões humanitárias devido à "barbaridade" dos terroristas

09 abr, 2015

"O que está a coarctar a nossa intervenção são exactamente os conflitos ditos atípicos com entidades completamente fora do controlo", diz Fernando Nobre, defendendo "novas estratégias" para ultrapassar o problema.

O presidente da Assistência Médica Internacional (AMI) admite que "os actos de barbaridade" praticados por grupos armados como o autodenominado Estado Islâmico estão a condicionar os voluntários que desejam trabalhar em missões humanitárias. 

Fernando Nobre falava à agência Lusa a propósito do anúncio, quarta-feira, da Organização Mundial da Saúde (OMS) da criação de um novo organismo que irá integrar equipas médicas devidamente qualificadas em todo o mundo prontas para intervir em caso de emergências graves, tais como epidemias, terramotos e tsunamis. 

O responsável da AMI considera que "só há uma maneira de intervir para que as agências humanitárias possam fazer o seu trabalho de forma eficaz, coerente e com equidade junto das populações: é que seja imposto um ciclo de segurança", o que pressupõe a "adopção de novas estratégias" para permitir que as mesmas operem em zonas de conflito.

"Hoje, para uma agência humanitária como a AMI entrar pela Síria adentro para tentar actuar em território sob controlo do (grupo) Estado Islâmico é ser puramente suicidário, já não é ser temerário", afirmou o médico, assinalando que actualmente "a questão da segurança dos agentes humanitários está no primeiro nível das prioridades para todas as instituições".

Há entidades fora de controlo
"O que tolhe completamente a nossa intervenção não são as epidemias e a questão dos desastres ligados às alterações climáticas que vai acontecendo cada vez mais frequentemente e com maior violência. O que está a coarctar a nossa intervenção são exactamente os conflitos ditos atípicos com entidades completamente fora do controlo", situações que, de resto, "só podem ser ultrapassadas com o controlo destes grupos", acrescentou.

De acordo com o presidente da AMI, "os movimentos humanitários estão totalmente impedidos de intervir porque, ao interceder em países como o Quénia, Somália, no Mali, onde os próprios grupos humanitários são alvos preferenciais, já não é ser temerário, é ser puramente louco".

"Essas instituições são vistas como parte integrante de um mundo que esses movimentos de pura barbaridade e sem o mínimo respeito pela vida humana, não aceitam", por isso, "é suicidário tentar actuar lá, porque vão ser imediatamente mortos a tiro ou degolados", diz.

"É preciso que nestas situações a comunidade internacional, sob mandato das Nações Unidas, tenha coragem, vontade, determinação e ousadia para pôr termo a estas situações, para que não aconteça o mesmo que se passou há 20 anos no Ruanda", onde houve um genocídio, em 1994, alerta.

Somos parte de uma sociedade que odeiam
Questionado se a actuação de grupos armados de cariz religioso, e não só, como o Estado Islâmico, no Médio Oriente, bem como o Boko Haram e al-Shabab em África, está a retrair os voluntários para as agências humanitárias, Fernando Nobre responde: "absolutamente, sim".

"Está a retrair. Ninguém avança para uma intervenção se sabe que tem 100% de hipóteses de ser degolado, só sendo mesmo louco."

De acordo com o assistente humanitário, actualmente há zonas em que as intervenções directas das agências são "complementadas vedadas", por isso, a sua intervenção deve ser feita clandestinamente, por intermédio de instituições locais, como, de resto, já aconteceu no passado.

"Eu sou daqueles que na minha vida humanitária já entrou clandestinamente para desenvolver missões humanitárias - no Chade, em 1981, em Beirute (1982), no fim da guerra do Irão-Iraque (1981), mas nós não éramos procurados para sermos assassinados. Hoje, somos alvo preferenciais para sermos capturados e executados, e ai há que ter a máxima prudência, evidentemente", conclui Fernando Nobre.