Emissão Renascença | Ouvir Online

Eduardo Catroga

"Duvido que portugueses queiram perder os 1.100 milhões que emprestaram à Grécia"

05 fev, 2015 • João Carlos Malta

Como serão as relações Grécia-Europa nos próximos tempos? Os economistas João Duque e Eduardo Catroga respondem à Renascença.

O "tour" do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, e do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, pode bem ser como diz o economista do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) João Duque - para medir a "temperatura da água" e perceber as reacções dos diversos governos -, mas já está a pôr a Europa política e económica em polvorosa. Há encontros, desencontros e até quem se recuse a encontrar-se.

Ao mesmo tempo que as posições das "claques" que apoiam as políticas de antiausteridade e a política da União Europeia se vão extremando, o governo grego e as instituições europeias começam a dar passos no sentido de chegar ao um consenso.

Para Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças, a estratégia grega é exigir o impossível para obter as cedências possíveis. Mas Catroga critica a atitude de Tsipras e do seu governo: é vender promessas com o dinheiro dos outros, atira.

Já João Duque diz que, mais do que fazer da Grécia um exemplo a não repetir, a Europa (e a Alemanha como timoneira) deve privilegiar o combate a deflação, que levará os países do centro da Europa para uma crise.

Duque até elogia a ideia de Varoufakis de indexar o pagamento de juros ao crescimento do país. Porquê? Põe devedores e credores do mesmo lado.

Siga o pingue-pongue entre os dois economistas dividido em sete temas. As declarações foram feitas antes de o Banco Central Europeu ter deixado de aceitar a dívida grega como garantia para empréstimos.

O que vai a Grécia propor ao Conselho Europeu da próxima semana? E quais as hipóteses de sucesso?
Eduardo Catroga (EC) -
O governo grego está a desenvolver uma estratégia em que pede o impossível para conseguir o possível e a máxima cedência pelas autoridades europeias. O que será esse possível? Olhando para a dívida oficial às instituições europeias e ao FMI verifica-se que 20% é referente a dívidas bilaterais de países europeus à Grécia. Recordemos que no caso da Grécia já houve reestruturações, já houve perdão e não há dúvida que a Grécia tem uma dívida de 174% de PIB. É um número bastante elevado e vai haver, com certeza, uma suavização. Mas sem perdão. Esperemos que as partes se venham a entender. É do interesse da Grécia e da Europa. É utópico pensar que vai haver um perdão da dívida grega que seja suportado pelos contribuintes alemães, franceses, portugueses, pelos contribuintes europeus em grande magnitude. 

Não nos podemos esquecer que na Europa há movimentos que são contrários a qualquer perdão parcial da dívida. Portanto, por um lado, há que respeitar os eleitores gregos, mas, por outro, há que respeitar o que pensam os eleitores franceses, os eleitores alemães, os eleitores dos vários países que deram financiamentos à Grécia.

João Duque (JD) - O ministro das Finanças grego quer indexar o pagamento da dívida ao crescimento da Grécia, tornando o peso da dívida em função da taxa de crescimento. Se houver crescimento há juros, se não houver taxa de crescimento não há juro. Isso é uma proposta que transforma uma dívida num instrumento de capital próprio. É quase como transformar uma obrigação de uma empresa numa acção. Se há resultados paga-se aos accionistas, se não há não se paga. Ou então, um modelo de dívida perpétua em que a remuneração é anexada ao crescimento. É uma proposta para colocar todos do mesmo lado, fazer dos credores participantes do sucesso da recuperação na Grécia. É essa a proposta que estará em cima da mesa e é um recuo face às posições de iniciais de exigência de reestruturação unilateral.

Parece haver uma queda da exigência do perdão da dívida?
JD -
Acho que sim. Imagine-se a proposta desta forma: se houver uma redução do produto, esse decréscimo percentual incide sobre o montante da dívida. Não sei as condições da proposta e estou a efabular em cima de um conceito genérico: se a Grécia perder 1% ou 2%, a dívida também baixa e se crescer haverá pagamento à taxa de crescimento do produto. Nesse caso, estávamos a falar da alteração do valor em dívida potencial.

Parece que estas rondas prometem trazer já alguma alteração de condições, mas pode ser só para apalpar a temperatura da água e perceber as reacções dos diversos governos e sentir em que medida as discussões técnicas podem levar a mais ou menos compreensão e apoio a alterações significativas. Não são só os gregos que estão em causa, os portugueses também queriam ver contempladas as dívidas para com o Banco Central Europeu. Não vejo em que medida é que um país que cumpriu aquilo que acordou possa ser prejudicado em função da alteração dessas condições. 

EC - O pagamento da dívida indexado ao crescimento é uma ideia a explorar. Não vai haver cedências da Europa sem contrapartidas. E essas condicionantes passam pela Grécia aceitar um programa de reformas, incluindo a reforma da despesa pública, a reforma do sistema fiscal, todo um conjunto de reformas que tem se vindo a adiar. Não se pode exigir aos credores sem contrapartidas.


O ex-ministro das Finanças Eduardo Catroga diz que o BCE não se pode transformar num "banco mau". Foto: Lusa

Como funciona esse pagamento da dívida indexado ao crescimento? E é aceitável para os credores?
JD -
Tudo é aceitável desde que negociado. Os credores poderão perceber que é difícil recuperar a dívida nas condições em que estão a exigir. O credor prefere receber menos e de forma mais segura do que ter um valor em dívida muito elevado, mas um dia o devedor dizer: "Não tenho condições para pagar. É impossível". O credor tem de perceber que não tem interesse na morte antecipada do devedor. O que quer é que o devedor continue a fazer os pagamentos o mais possível dentro das condições do mercado.
 
Os portugueses tinham condições mais desvantajosas do que agora e havia espaço para o BCE reduzir os juros e a taxa. Isso significa que havia espaço para uma redução. O BCE consegue ter lucro no financiamento a Portugal e o mesmo acontece com a Grécia. Há espaço para baixar as taxas de juro e no limite fazer taxas variáveis, em que ao invés de ser indexada à Euribor.

Se uma família tem um pagamento fixo mensal em função de uma taxa de juro e fica desempregada, qual é a probabilidade de o credor vir a receber? O caso é de devedores que não têm nenhum prazer em não pagar, mas que não têm como pagar e que dizem: "Se estiver a trabalhar, pago mais. Se não estiver a trabalhar redefinem-me os pagamentos e as definições e eu não incumpro".

Também partilha da ideia de que o programa do governo grego é um "conto de crianças", como disse Passos Coelho?
EC -
Vejo-o como uma estratégia negocial, tentar fazer alguma chantagem sobre a Europa e sobre as instituições europeias jogando forte politicamente. Agora o programa do Governo grego levado à letra não é negociável. O Syriza vai ter que conseguir algumas cedências por parte dos credores. Estes vão fazer as cedências possíveis, mas com contrapartidas. No final do processo, o Syriza poderá reforçar ou não o seu poder junto da opinião pública. Mas a coligação com o partido radical de direita, mais cedo ou mais tarde, vai levar a uma instabilidade política que levará a novas eleições gregas dentro de alguns meses.

JD - Bom, mas houve três passos atrás. Quando essas palavras foram ditas pelo primeiro-ministro a conversa era outra. Pôs-se na prateleira o aumento do salário mínimo, deixaram de falar de uma reestruturação unilateral e já estão a falar do pagamento da dívida dependente das condições de sucesso da economia grega. Isto são passos muito significativos. Com certeza que não há quem diga que isto é um conto de crianças. Agora não querer pagar, querer continuar a fazer o que se faz, é desejar tudo. Toda a gente quereria que fosse realizável a aspiração inicial do governo grego.
 
Outra proposta que pode estar em cima da mesa é a conversão parcial da dívida soberana até 60% do PIB (o limite admitido pelo Tratado de Maastricht) através da emissão de obrigações por parte do BCE que, na prática, funcionará como um "intermediário". Como é que isto seria operacionalizado e que efeitos poderia ter?

Varoufakis está a ser inteligente ao pôr os grandes da Europa do seu lado, diz Duque. Foto: Lusa
JD -
Se o BCE emitisse dívida no montante de 60% do valor do PIB de cada país ficava com eles em carteira. É o que se vai fazer com o plano Draghi, mas ao invés de ser emissão de obrigações é através da criação de moeda. Qual é a diferença? O BCE ao ir ao mercado internacional consegue financiamento mais barato. E ao consegui-lo repassa-o para cada país com condições muito mais favoráveis.

Qualquer lojista de uma mercearia entende isto. Se tiver uma central de compras, ao invés de comprar uma pequena quantidade de massa, de arroz e farinha para depois vender na sua loja, se tiver uma central de compras compra por atacado. O BCE baixaria as condições de custo do financiamento para os [países]que estão pior em termos de "rating". O que isto implica é que os melhores paguem mais - e que a Alemanha esteja de acordo com isto.

O que ficava para cada país é a dívida acima de 60%, e os menos endividados iam pagar mais nessa tranche.

O problema da Grécia não é a dívida em stock. O problema é a economia crescer para alimentar estes ou outros défices mais pequenos. Porque resolver apenas uma parte, não resolve o problema de a economia grega ser suficientemente forte para o que é o volume da dívida. A fragilidade da economia grega é enorme. Aliás, no caso de Portugal também não é economicamente viável que consigamos resolver a nossa dívida. Nós mesmo temos de continuar um caminho muito duro, de equilíbrio orçamental e dinamizar a economia. Mas vai ser um caminho muito penoso. O problema de Portugal e da Grécia é um problema económico e sem resolver esse problema não se resolve o problema de fundo.

O ministro grego ao propor a indexação do pagamento à dívida leva que mais cedo ou mais tarde os países de centro da Europa se empenhem no desenvolvimento económico da periferia. É uma proposta inteligente, pôr do seu lado os grandes.

EC - O BCE não se pode transformar num "banco mau". Tem accionistas e não se pode pedir que beneficie um accionista em detrimento de outros. O BCE é responsável pela solvabilidade do euro e não pode entrar em aventuras desse tipo, em práticas que a política normal não contempla. A Grécia, se quiser ter acesso ao programa de compras de dívida soberana, terá que ter um "rating" mínimo. Não haverá almoços grátis. São posições extremadas que interpreto como base de partida de um jogo negocial.

O ministro das Finanças grego disse que há que cortar com a dependência da Grécia de novos empréstimos fazendo a analogia com um toxicodependente. Como é que isso é compatível com o financiamento do ambicioso programa de combate à crise humanitária no país?
EC -
Isso não é compatível com as necessidades de financiamento da Grécia. É muito fácil fazer promessas quando são os outros a pagar. Agora o problema é se os outros países estão dispostos a pagar essas medidas unilaterais do governo grego. Estou convencido que não estão. Duvido muito que os portugueses estejam dispostos a perder os 1.100 milhões de euros que emprestaram à Grécia. Portanto, a Grécia tem de abandonar as posições extremadas e pedir uma suavização com algum período de carência.

JD - Também não faço ideia. Portugal sofreu o que sofreu em virtude de um corte rápido e drástico de uma parte do financiamento à economia. Não foi tudo. Se tivéssemos cortado radicalmente com uma parte da economia e dos empréstimos, isto tinha sido uma catástrofe. Os orçamentos públicos são deficitários e ele não quer que deixem de ser, ele quer aumentar o défice. Há uma medida muito importante que abrange o lado da receita, cobrar mais e melhor impostos. Se conseguirem subir a receita fiscal porque cobram melhor e de forma mais eficiente, acho que é excelente. Não sei como é possível criar orçamentos anticíclicos na Europa e orçamentos de não austeridade sem os desequilibrar. Não sei como é que o ministro das Finanças grego quer resolver a situação sem capacidade de emissão de moeda.

O programa do Governo grego é o oposto da linha político-económico da União Europeia liderada por Berlim. Não há aqui também uma guerra ideológica que será travada? Terá a União interesse que a Grécia corra bem ou vai fazer do Governo de Tsipras um exemplo para estancar o aparecimento de novos Syrizas?
JD -
Acho que os alemães já perceberam que a determinação na defesa de um problema que não existe, o de potencial inflação, nos está a conduzir a um problema de deflação. O plano Draghi vem alterar a linha condutora da política da União Europeia. Não sei se os alemães podem ter um discurso e praticar outro. Mas é fundamental para eles. Não podem entrar numa espiral deflacionária porque isso liquida-nos.

O que está em causa é utilizar as políticas monetárias em favor do desenvolvimento económico. Há aqui uma obstinação alemã por duas coisas: orçamentos ferreamente equilibrados e, por outro lado, as políticas monetárias restritivas. O cruzamento das duas opiniões é que leva a um problema gravíssimo para as franjas da Europa.

Se na Grécia tiverem sucesso isso já será bom pelo menos num aspecto: ligar a remuneração da dívida às condições económicas do país e alargar essa melhoria à periferia, nomeadamente aos portugueses. Não tem problema se o governo é mais à esquerda ou mais à direita, porque as pessoas querem viver melhor.

EC - Desejo que haja pontos de convergência porque é do supremo interesse do povo grego. Não se pode seguir politicas expansionistas sem financiamento. Ou a Grécia quer estar dentro do euro com a regras de jogo do euro ou pode sair. Se não houver uma visão mais moderada dos gregos para com os credores europeus, a saída do euro, rejeitada pelo povo grego, é a única opção que permitirá ao Syriza cumprir as suas promessas eleitorais.