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Charlie Hebdo. Há jovens franceses que dizem: foi encenação

30 jan, 2015

É o outro lado da questão: talvez um "Eu Não Acredito em Charlie". "Claro que foi encenado", diz um jovem dos subúrbios de Paris à BBC. E há muitos que pensam como ele.

Charlie Hebdo. Há jovens franceses que dizem: foi encenação

Doze pessoas morreram na redacção do jornal satírico "Charlie Hebdo", em Paris, às mãos dos irmãos Kouachi. Nos dois dias seguintes, cinco outras pessoas foram mortas por um cúmplice. O que os levou a cometer estes crimes? Extremismo islâmico.

Todos lemos nestes factos o relato do que aconteceu em Paris, no início do ano. Todos? Nem todos.

Muitos jovens das periferias da capital francesa acreditam que o ataque foi fruto de uma conspiração. Outros dizem que tudo foi encenado. E há ainda quem afirme que as vítimas "estavam a pedi-las".

Nos dias seguintes aos ataques, a população francesa uniu-se contra o terrorismo e a favor da liberdade de expressão, sob o lema "Je Suis Charlie". Uma reportagem, publicada esta sexta-feira na BBC, revelou um outro lado da questão: talvez um "Eu Não Sou Charlie" ou "Eu Não Acredito em Charlie".

Este sentimento apresenta desafios para os professores. Para a França, o maior país europeu "exportador" de jihadistas, este tipo de pensamentos e atitudes é um desafio, que deve ser resolvido dentro do sistema educativo, lembra a BBC.

"Claro que foi encenado"
Karim, de Saint-Denis (a norte de Paris), não acredita na versão oficial dos acontecimentos que fizeram 12 mortos no dia 7 de Janeiro: "Não sei quem fez isto, mas não foram muçulmanos".

Um dos seus colegas diz ser suspeito que Said Kouachi tenha deixado o seu bilhete de identidade no carro que depois abandonou.

"Claro que foi encenado. Todos os meus amigos o dizem", afirma Lydia, de 17 anos, que frequenta uma escola em Argenteuil, no leste da capital francesa. Lydia acredita que a "encenação" foi feita por membros da ala direita do Governo para atingir muçulmanos.

Em 2004, um relatório mostrou que alguns estudantes associavam a palavra "jihadista" a uma conotação heróica.

Em 2012, quando sete pessoas foram assassinadas em Toulouse e Montauban por um extremista islâmico, muitos alunos franceses não respeitaram o minuto de silêncio declarado nas escolas do país.

Depois dos atentados de Janeiro, dois alunos, em escolas diferentes, foram apanhados pelos professores a imitar os irmãos Kouachi, a gritar "Allahu Akbar" (Deus é grande) e a fingir que disparavam uma kalashnikov.

A estratégia de Marie
Estratégias como as de Marie, uma professora do ensino secundário em Saint-Denis (um dos subúrbios mais pobres de Paris), podem ajudar a transformar situações de desafio em debates saudáveis e educativos.

No caso do "Charlie Hebdo", sempre que um aluno referia as teorias de conspiração, a docente aproveitava para ensinar os seus alunos a confirmarem os seus factos e a ter fontes credíveis.

"Da próxima vez que uma teoria da conspiração fosse mencionada, eles diziam todos: 'quais são as tuas fontes?'", contou Marie à BBC.

Apesar de tentativas como as de Marie, a religião é um assunto cada vez mais sensível nas escolas francesas.

Muitos alunos franceses, segundo a BBC constatou, desafiam os princípios da revolução francesa, alicerces da vida democrática no país.

"Eu tive que insistir nos princípios da república", conta Esther, professora de Literatura. "Percebi que as noções básicas de tolerância e liberdade de expressão não são assim tão óbvias para os nossos estudantes".