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Seca, tempestades, apagões. São Paulo celebra aniversário em cenário apocalíptico

25 jan, 2015 • João Almeida Moreira, em São Paulo

Cidade brasileira completa este domingo 461 anos, mas os presentes são seca feroz, tempestades descontroladas e apagões inesperados. Até o Carnaval está em risco: não há clima para festejos.

Seca, tempestades, apagões. São Paulo celebra aniversário em cenário apocalíptico

Gilberto Natalini, vereador em São Paulo do Partido dos Verdes, pediu na última quinta-feira ao governador Geraldo Alckmin e ao presidente da câmara Fernando Haddad para que cancelassem o Carnaval 2015 na cidade por causa da falta de água.

Os brasileiros sabem – o mundo inteiro sabe – que no Brasil, quando se põe em causa o Carnaval, é porque a situação chegou a um limite insuportável. Este domingo, a maior cidade da América Latina festeja 461 anos, com falta de água, cortes na luz e o Carnaval em risco. Há quem lhe chame a versão perfeita do apocalipse.

Vamos aos números: este mês de Janeiro é o mais seco em São Paulo desde 1961 – choveram 75 milímetros contra, por exemplo, os 494 em igual período de 2011. A temperatura média das primeiras três semanas na megalópole supera o ano mais quente anterior, precisamente o ano passado, com valor acima de 33 graus. E a companhia de Saneamento Básico de São Paulo, a Sabesp, divulgou que o sistema Cantareira, principal abastecedor da cidade com seis barragens, está em meros 5,5% da sua capacidade.

"A Sabesp não tem condições de prestar o serviço que prestaria se a situação fosse de normalidade, não podemos brigar com os factos", disse Jerson Kelman, recém-empossado por Alckmin presidente da companhia, demonstrando preocupação, mas evitando alarmismos, como é suposto num responsável.

O mesmo Kelman, porém, meses antes de ser nomeado, não tinha papas na língua ao chamar de "cenário péssimo", de "tragédia" e de "caos" se a situação chegasse ao ponto a que acabou por chegar sob a sua gestão, quando foi entrevistado, apenas na qualidade de especialista, pelo jornal "Brasil Económico".

"São Paulo passará pelos momentos mais difíceis da sua história se o cenário não se alterar rapidamente", escreveu na sua coluna no jornal "Folha de São Paulo" Rogério Gentile na quinta-feira.

Todos os colunistas, além de Gentile, trazem à tona a questão da falta de água. A percepção do caos é manchete dos jornais, abertura de telejornais e motivo de acompanhamento em directo nas rádios: sim, a maior cidade da América Latina está a secar. Como num episódio bíblico, os paulistanos clamam por chuvas aos céus.

Não só os paulistanos, aliás. A falta de água tem outros desdobramentos. Na passada segunda-feira, o distrito federal e 11 estados, incluindo São Paulo, sofreram "apagões" por causa da crise hídrica que afecta a principal cidade brasileira e outros pontos do país – dezenas de milhares de paulistanos decidiram abandonar o metropolitano às escuras pelos trilhos a meio da tarde.

A reacção de Eduardo Braga, o ministro das Minas e Energia, foi, com um sorriso amarelo, lembrar que, "sendo Deus brasileiro, como se sabe, Ele vai trazer um pouco de chuva e humidade para que possamos ter mais tranquilidade".

Um alerta (em 2003)
E por que razão o Brasil chegou a este ponto? Tornou-se viral nos últimos dias nas redes sociais uma manchete do jornal "Folha de São Paulo" de 2003 a alertar que as reservas de água de São Paulo só sustentariam a cidade até 2010.

O texto da "Folha" citava "problemas como os limites naturais de disponibilidade hídrica, a poluição de rios e de represas, a ocupação desordenada de mananciais, o descaso no uso e a falta de políticas para educar o consumo e a redução de perdas".

De 2003 para cá nada foi feito. O Brasil do ponto de vista económico cresceu, erguendo 50 milhões de brasileiros à sociedade do consumo, mas não se precaveu.

Mais números: de 2000 a 2013, o consumo de energia cresceu 51%; a média de litros de água consumidos diariamente em 2013 por habitante foi de 166,3, sendo que no Rio de Janeiro, por exemplo, chegou a 253, mais do dobro dos 110 recomendados pela Organização Mundial de Saúde; estima-se que o país perde 37% da água que trata.

De vez em quando, contudo, São Pedro ouve as preces dos paulistanos e faz chover. Qual é o resultado? Alegria a rodos? Não: nos raros momentos de tempestade, foram registados 123 pontos de infiltração na cidade, fazendo do seco Janeiro de 2015 paulistano, paradoxalmente, o mais alagado de todos (e, no processo, ainda caíram mil árvores em 15 dias, metade do número habitual para o ano inteiro, por culpa do vento).

Em resumo, na aniversariante São Paulo os elementos reuniram-se todos contra si. Seca, tempestades descontroladas e apagões generalizados. Não há mesmo clima para Carnaval este ano.