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Teatro, "uma arma" ao serviço da esperança na Ucrânia

16 dez, 2014 • Inês Alberti, com Reuters

Cessar-fogo de Setembro não impediu novos combates e que as bombas continuassem a cair e a fazer vítimas. Mas, num país destroçado pela violência, o teatro e a música surgem como um refúgio.

Teatro, "uma arma" ao serviço da esperança na Ucrânia
Em Donetsk, uma cidade da Ucrânia com mais de um milhão de habitantes antes do início dos combates, o Teatro Nacional de Música e Teatro permaneceu aberto apesar da guerra. É um acto de desafio, uma tentativa ultrapassar a violência e levar uma vida normal, enquanto se espera que as armas se calem.

"Acredito que o teatro é tão importante, como uma arma é essencial para um combatente. Isto faz-nos acreditar que a vida vai melhorar, que vamos ter um futuro enquanto país, enquanto Estado", disse à agência Reuters Valentin Vlasnikov.

O separatista levou a mulher e a filha ao Teatro Nacional de Donetsk de Música e Teatro para assistir à peça "Trap for a Solitary Man" (Armadilha para um homem solitário), mas não teve tempo de mudar de roupa e pediu desculpa pelas vestes militares. "Não é normal vir ao teatro assim. Devia ter mudado. Simplesmente esqueci-me".

Mas não é o único. Apesar de na entrada do teatro, construído durante a era soviética, um sinal proibir a presença de armas na sala, muitos carregam ao colo as suas AK-47. Ninguém, na sala lotada, parece estranhar.

Quando finalmente a cortina fecha, neste teatro no leste da Ucrânia, alguns dos espectadores têm dificuldades em aplaudir, devido às armas que têm nas mãos.

Viver no teatro
Antes do início da violência, há nove meses atrás, os espectáculos eram interpretados em uraniano ou russo (a língua nativa de cerca de três quartos da população). Hoje em dia, nesta região controlada pelos separatistas, o ucraniano foi abandonado e o russo adoptado com orgulho.

"Estamos fartos das autoridades ucranianas que nos querem exterminar. Queremos que a cidade não seja bombardeada", diz o actor Vladimir Shvets.

Shvets conta que muitos actores fazem parte do grupo de pessoas que abandonou Donetsk. Outros mudaram-se para o próprio teatro. "Vivemos aqui desde Outubro, quando uma bomba atingiu a nossa casa. A RPD [República Popular de Donetsk] deu-nos algum dinheiro e temos vivido disso", explica Nikolai Guseinov, que tem ao colo a sua filha de quatro anos, Angelina.

Também a soprano russa Anna Netrebko, um dos maiores nomes da ópera internacional, juntou-se à causa e doou 14.118 euros (um milhão de rublos) a outro teatro da cidade.

Naquelas noites de espectáculo, as armas até podem entrar, mas a guerra fica à porta. E por algumas horas a vida é como antes.

Desde o início dos conflitos no Leste da Ucrânia, em Abril, os tiros e as bombas trocadas entre as forças de Kiev e os separatistas pró-russos já fizeram 4.707 mortes, segundo um relatório das Nações Unidas. Do número total de vítimas, 1.357 foram registadas após o cessar-fogo assinado em Setembro entre Kiev e Moscovo. 

O conflito causou mais de um milhão de deslocados. Contudo, para os cerca de 5,2 milhões de pessoas que ainda vivem em áreas atingidas por conflitos, a vida tem de continuar. E o espectáculo também.