23 nov, 2014 • Pedro Rios (texto) e Maria João Cunha (vídeo)
Sara Magalhães ficará "desiludida" se Sócrates tiver cometido crimes. Ele, o ex-primeiro-ministro que a justiça deteve para interrogatório, inspirou-a. Adriano Martins, fundador do PS de Mafamude, está solidário "com o engenheiro José Sócrates até prova em contrário". E Miguel Rodrigues não gostou de ver uma "detenção em directo nos canais de televisão", uma coisa "muito Big Brother".
O acto eleitoral que terminou neste sábado – lista única: António Costa – não tinha, à primeira vista, história. Mas o país não fala de outra coisa: Sócrates paira nas notícias, nos cafés, nas redes sociais. Paira também na secção do PS de Mafamude/Vilar do Paraíso, em Vila Nova de Gaia: num retrato do ex-primeiro-ministro afixado na biblioteca e nas conversas.
"É natural", diz Miguel, um dos cerca de 50 eleitores que foram votar este sábado a esta secção. "Foi um grande líder do PS, foi o último primeiro-ministro eleito pelo PS e tem no seio da família socialista uma grande estima. É uma figura polémica da democracia portuguesa. Os comentários giram muito em torno de 'à justiça o que é da justiça'".
É para ela, para a justiça, que Sara olha. Espera não ficar "desiludida" com Sócrates, que a inspirou na acção política. Espera não ficar desiludida com a justiça, diz em conversa com a Renascença na biblioteca da secção socialista. Livros como "A Arrogância do Poder", de William Fullbright, e "O Socialismo Reformista", de Georges Lefranc, ocupam a pequena sala, ao lado de taças de vitórias desportivas, telefones vermelhos, um boné de uma campanha autárquica e o retrato de Sócrates a pairar.
Sara tem 36 anos, está no PS desde 2000 (é vogal de Educação na Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso). É uma "fiel seguidora de José Sócrates", "um líder, um homem carismático", coisa que "se foi degradando no PS".
"José Sócrates, como ex-primeiro-ministro, merece, como qualquer outro cidadão, toda a dignidade", defende a professora. Não foi isso que Sara viu na noite de sexta-feira: câmaras de televisão à espera que o ex-político pusesse o pé em território português para ser detido.
"O que me pareceu é que estava tudo já muito bem preparado para chegar àquele momento, àquela altura e da forma como foi."
A digerir
"Parecia que iam prender um marginal, um assassino", compara Adriano Martins.
Socialista desde 1976, foi deputado na Assembleia Municipal de Gaia. Hoje é dirigente da UGT, tem 65 anos e define-se como "militante de base". Fala por ele e por outros: "Ainda estamos a digerir esta situação."
"Toda a gente ficou estupefacta", diz. Isso foi a reacção. Depois surgiram as teorias: "Achamos estranha a coincidência: ser neste ano, neste dia em que há eleições directas para secretário-geral e futuro candidato [do PS] a primeiro-ministro – e, segundo todas as sondagens, o próximo primeiro-ministro."
Miguel Rodrigues, 33 anos, também recebeu a notícia "com grande surpresa". Não gostou do conteúdo, não gostou da forma: "Num estado de direito não é bonito haver uma detenção em directo nos canais de televisão, num formato muito 'Big Brother'". Sócrates "já está a ser julgado pelos órgãos de comunicação social e pela população que vê em directo a notícia".
Mas uma coisa é a "questão judicial" e outra a "política". E nesta última não faltam elogios à "tónica muito reformista" dos dois governos Sócrates, uma figura "determinada, com alguma teimosia, como alguns dizem, mas que queria ver o país a progredir".
A SMS que recebeu de António Costa, que escreveu a todos os militantes, sossega-o. "De uma forma muito responsável, não se demarca da posição de amizade que tem por José Sócrates, mas diz: o que é do PS ao PS e o que é da justiça à justiça". E engata o discurso político: importa "mobilizar Portugal" e "ganhar as futuras eleições legislativas".
Pelo menos por enquanto, o retrato de Sócrates não sai da biblioteca, garante Adriano Martins. "A não ser que ele tenha lesado o país."
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