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Israel reconhece etnia aramaica. Justiça ou tentativa de dividir os árabes?

12 nov, 2014 • Filipe d’Avillez

Alguns cristãos no Médio Oriente rejeitam a etnia árabe, mas os líderes religiosos tendem a desvalorizar factores que possam separar os fiéis dos seus vizinhos.

Israel reconhece etnia aramaica. Justiça ou tentativa de dividir os árabes?
Israel acaba de reconhecer uma nova etnia entre a sua população, os arameus. A alteração foi o resultado de uma campanha que representa algumas centenas de cristãos na aldeia de Jish, perto da fronteira com o Líbano, que reclamam esta identidade.

Recentemente o jovem Yaakov, de dois anos, e filho de um dos líderes da campanha pelo reconhecimento, tornou-se o primeiro cidadão de Israel a ser reconhecido como arameu nos seus documentos oficiais.

Para os defensores da medida, todos concentrados em Jish e membros da Igreja Maronita, que tem a sua sede no Líbano, esta é uma questão de justiça. Eram definidos como árabes, um adjectivo com o qual não se sentem identificados: “Temos preservado a nossa própria língua que ainda usamos na Igreja. Temos território, tradições, casamentos, tudo é diferente daquilo que se faz nas comunidades árabes e muçulmanas”, explica Shadi Halul, pai de Yaakov, que fez carreira nas Forças Armadas de Israel, em declarações à revista “Forward”.

Mas a medida, que para uns é uma mera questão de justiça, faz parte de uma disputa intensa que divide os cristãos da região e surge precisamente na altura em que muitos, sobretudo na região do Iraque e da Síria, procuram reforçar as suas raízes étnicas que são historicamente diferentes das dos árabes.

Mesmo em Jish nem todos os cristãos maronitas concordam com a opção da família Khallul. “Eles têm vergonha da sua etnia. Eu sou árabe, um cristão maronita árabe, e tenho orgulho nisso. As minhas raízes são palestinianas”, diz à agência Reuters Marvat Marun.

Dividir para conquistar?
Para pessoas como Marvat a medida de Israel não passa de uma tentativa cínica de criar divisões entre a população árabe de Israel, que já representa cerca de 20% da população do Estado que é oficialmente judaico.

As alterações não contam com o apoio de qualquer líder político ou religioso cristão da Terra Santa. Os bispos e patriarcas, em particular, tendem a enfatizar a sua identidade árabe e já pediram aos que se consideram arameus para “ganharem juízo”.

Até há muito pouco tempo a esmagadora maioria dos cristãos na Terra Santa identificava-se como árabe e com a causa palestiniana. Isto era particularmente verdade no início da revolta contra Israel. Dois dos primeiros grupos armados que combateram Israel eram mesmo liderados por cristãos palestinianos.

Mas à medida que o Islamismo ganhou peso entre a população árabe, os cristãos começaram a sentir-se perseguidos e marginalizados. A actual disputa em Jish pode ser entendida como uma manifestação deste sentimento.

Por outro lado, historicamente, quase todos os cristãos do Médio Oriente descendem, de facto, de povos diferentes dos árabes. No Iraque e na Síria, sobretudo na sua terra ancestral do Vale do Nínive, muitos identificam-se como assírios e alguns até reclamam uma terra própria, algo que a maioria dos líderes religiosos rejeita firmemente.

Numa entrevista recente à Renascença, o Patriarca da Igreja Melquita, uma das maiores da região, desvalorizou esta tendência de reclamar identidades distintas: “Quem é árabe? Onde está o puro sangue árabe? O ser árabe é difícil de definir, há muitos grupos linguísticos e geográficos diferentes, é uma mistura, não podemos diferenciar. O que é um assírio? Assírio, sírio, caldeu, hebraico, cananeu, filisteu, estas pessoas estão mais próximas umas das outras que os europeus, porque as nossas línguas estão mais ligadas que as da Europa”.

No Líbano, por exemplo, onde os maronitas constituem um dos maiores grupos demográficos, não existe qualquer tradição de se identificarem como arameus.

Mas a um canal de televisão israelita, Shadi Khallul insiste que a decisão de Israel não tem nada a ver com a vontade de dividir a comunidade árabe: “Não há qualquer tentativa de dividir para conquistar. Israel fez justiça para com aqueles que procuram a sua identidade pessoal, quem se opõe a isto são racistas que negam a existência de minorias étnicas na região”.

Numa área do mundo em que questões como a etnia e a religião são motivo frequente para desentendimento e até guerra, a discussão promete continuar a acicatar paixões.