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"Aécio Neves é péssimo. Mas votava em qualquer candidato que interrompesse os anos do PT"

24 out, 2014 • José Pedro Frazão

O português mais lido na imprensa brasileira não poupa os candidatos à presidência do Brasil. João Pereira Coutinho, cientista político português que assina uma coluna influente no jornal “Folha de São Paulo”, arrasa Dilma e Aécio. Mas dava o seu voto imaginário para derrubar a sucessora de Lula da Silva.

"Aécio Neves é péssimo. Mas votava em qualquer candidato que interrompesse os anos do PT"

À beira da segunda volta das presidenciais brasileiras, João Pereira Coutinho confessa-se desagradado com o rumo que o Brasil leva. Tudo parece ser melhor que Dilma e o PT, a quem cobra corrupção, “burocracia neolítica” e “leis laborais fascistas”. Ao telefone a partir de Oxford, o politólogo debita indignação e desolação porque as coisas não estão bem nem caminham para melhor no país que, prevê, será de Dilma no poder por mais quatro anos.
 
Costuma dizer-se que as eleições são perdidas pelo poder e não ganhas pelo desafiador. Depois do escândalo Petrobrás, dos protestos na Taça das Confederações em 2013, da contestação aos gastos no Mundial de Futebol, de uma subida da inflação e do fraco crescimento económico que não deve chegar a 0,3% em 2014, como é que Dilma se aguenta e está á frente das sondagens?
Postas as coisas nesse pé, a minha resposta seria ‘não, não consigo compreender a sobrevivência de Dilma no poder’. Infelizmente, compreendo que Dilma seja a provável vencedora das eleições no próximo Domingo, por variadíssimas razões. Ao contrário da ideia difundida por muito jornalismo português, o Aécio Neves, do Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB) é um péssimo candidato. É um candidato com muito pouco carisma, muito pouca experiência de poder. Enfim, o trabalho que fez em Minas Gerais foi estimável mas não é um político com uma grande carreira. O PSDB tem este problema, que não começou agora, não começou na última eleição, já vem desde Fernando Henrique Cardoso: a absoluta incapacidade de apresentar um candidato disposto a vencer o Partido dos Trabalhadores e a sua herança. Tendo apenas em conta este facto, a vitória da Dilma, para mim, é uma vitória esperada e uma vitória normal. Se me pergunta se era a vitória que gostaria de ver no Brasil, país com quem tenho uma grande afinidade, claro que não.
 
Se fosse votante, votava em Aécio ?
Votava em qualquer candidato que pudesse interromper estes longos anos do PT, estes de corrupção do PT, de incapacidade do PT de reformar o Brasil e de fazer com que seja um exemplo entre os países emergentes, que não é. Se exceptuarmos a Rússia, por razões que conhecemos, o Brasil é o caso mais lamentável de todos os países emergentes, do ponto de vista económico e social.
 
O crescimento económico é praticamente anémico, as metas da inflação foram sucessivamente furadas, a despesa pública sem controlo. Tudo isso e os outros problemas que o PT não é capaz de resolver. Problemas como uma burocracia absolutamente neolítica ou o chamado “custo-Brasil”, pelo facto do nível da execução fiscal no Brasil ser absolutamente inconcebível. Isto já para não falar de outros aspectos menores, como uma legislação laboral que é praticamente fascista na sua concepção. Aliás, o código laboral brasileiro é uma espécie de emanação do código laboral italiano das décadas de 30 e 40.
 
Perante esta incapacidade do PT para reformar o Brasil, qualquer candidato - não quero apenas referir Aécio Neves, mas Marina Silva seria também uma candidata possível - qualquer candidato seria útil para interromper estes anos de reinado do PT. Mas, enfim, o povo brasileiro não sente as coisas da mesma forma, provavelmente porque, se calhar, ainda não se apercebeu inteiramente da dimensão económica do problema que tem à sua frente e que vai aparecer nos próximos anos.  Nesse sentido concordo absolutamente com a revista Economist, que dedicou um editorial ao Brasil, falando de todos esses problemas económicos que, como acrescenta com inteira razão, não são ainda inteiramente sentidos na sua extensão máxima pelos brasileiros. Mas vão ser sentidos nos próximos 2,3 anos se o Brasil não encetar as reformas necessárias.
 
Curiosamente, a “Economist” dá apoio a Aécio. Marina Silva também deu o seu apoio ao candidato do PSDB, mas não está a existir uma “transferência aritmética” de votos de Marina para Aécio. Porquê?
Não existe por vários motivos. Em primeiro lugar, devo confessar que o fenómeno Marina nunca me convenceu. Por mero acaso estava no Brasil quando faleceu Eduardo Campos e já estava à espera da reacção emocional e a imediata transferência de votos para Marina Silva. Nunca acreditei muito em Marina Silva, achava que era uma questão de tempo até que os brasileiros concentrassem esta corrida eleitoral nos dois nomes que verdadeiramente interessam, Dilma Rousseff e Aécio Neves. A transferência de votos não existe porque os votos de Marina tinham em conta a sua história, a sua biografia. E esse tipo de votos, votos de natureza mais emocional, são votos que normalmente revertem a favor do Partido dos Trabalhadores. Porquê? Porque é o partido que, enfim, retirou milhões de brasileiros de uma situação de miséria. Isso é um facto, apesar de essas políticas serem políticas herdadas do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Mas o certo é que, pelo menos com o Presidente Lula, essas políticas foram alargadas, milhões de brasileiros saíram de uma situação de pobreza. Seria de esperar que esses votos regressassem, por assim dizer, à casa-mãe, para o PT e não para Aécio Neves. 
 
Dilma beneficia assim de um voto emocional com Lula como catalisador. Cada vez que Lula aparece, Dilma dispara nas sondagens.
Ela depende umbilicalmente de Lula. O fenómeno Lula é fortíssimo, os brasileiros ainda têm uma ideia quase arcádica dos anos Lula, quando o Brasil crescia a 7% e era o ‘país de futuro’. Há uma reacção emocional de cada vez que Lula aparece, como se ele fosse a promessa de um Brasil que ainda não se cumpriu.
 
Ao contrário de Fernando Henrique Cardoso, Lula conseguiu promover a sua própria sucessão. O PSDB está órfão de sucessor que nunca conseguiu calçar os sapatos de FHC?
Sem dúvida. Esse é o grande problema do PSDB neste momento. Cada candidato que apresenta é pior que o anterior, porque, depois de FHC, todos os candidatos do partido são vistos como membros de uma elite económica concentrada sobretudo nas grandes metrópoles (Rio, São Paulo, Porto Alegre) e no Brasil há a ideia de que essas elites pouco ou nada fizeram para aliviar a pobreza de milhões e milhões de brasileiros. É uma ideia historicamente errada. A ‘Bolsa Familia’ - sem ter este nome, claro - foi um programa assistencialista começado pelo governo de FHC. Mas o PSDB nunca encontrou um discurso e um sucessor à altura. Infelizmente Aécio Neves não é esse nome, apesar de toda a linhagem histórica que apresenta como neto de Tancredo Neves e como governador competente de Minas Gerais. O que funcionou em Minas não funciona no Brasil como um todo, sobretudo nas bolsas de pobreza, no norte e nordeste, onde a preponderância de Dilma e do PT é absolutamente esmagadora.
 
Há hoje um Brasil dividido em Norte e Sul? Um Norte pobre, votante em Dilma, alavancado por Lula e um Sul mais rico, de apoiantes de Aécio ou anti-Dilma?
Sem dúvida alguma. O Norte e o Nordeste têm um peso enorme numa decisão eleitoral como esta. Enquanto estas regiões não beneficiarem de maior crescimento económico e maior igualdade, como acontece a sul, prevejo um caminho muito difícil para o PSDB nos próximos anos. A menos que a situação económica se deteriore de tal forma que a continuidade de um governo do PT seja uma impossibilidade. Mas não estou a ver isso num prazo muito curto. Não creio que um novo mandato para Dilma seja interrompido daqui a um ano ou dois. É difícil fazer previsões, ninguém sabe como vai ser a evolução da economia mundial, que atingiu brutalmente o Brasil. Ninguém sabe qual será a evolução da economia chinesa, da qual o Brasil é muito dependente, ou da europeia. O Brasil tem agora outros desafios pela frente: as Olimpíadas, desafios de natureza económica com que vai ter que lidar até para ombrear não só com países emergentes como a China ou a India mas também com os próprios vizinhos da América Latina. Aquilo que era admirável no Brasil era o facto de o Brasil ser o motor económico da América Latina. E até isso se está a perder neste momento. E portanto acho que Dilma Rousseff vai provavelmente olhar para esta situação e entender que o futuro do PT dependerá, mesmo numa próxima eleição, da capacidade de lidar com estes problemas.
 
Quando lemos análises sobre a economia brasileira, quase não vemos a Europa nomeada como bloco regional prioritário para o Brasil. A União Europeia existe para os brasileiros?
A Europa existe para o Brasil, mas Portugal existe sobretudo para o Brasil. Ou seja, o Brasil é um dos principais investidores económicos em Portugal e portanto, Dilma Rousseff está obviamente atenta à situação da Europa. Ou seja, se a economia europeia não der sinais de recuperação, e os sinais que tem dado não são propriamente os sinais mais positivos, ou seja a eventualidade de a Alemanha entrar numa situação de recessão é uma situação que deve alarmar o Brasil. É evidente que o Brasil olha para a Europa com preocupação.