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Os "dois Brasis" vão a votos. Qual deles vai ganhar?

23 out, 2014 • João Almeida Moreira, em São Paulo

No Brasil, rico vota assim, pobre vota assado. Se vai ganhar o Brasil do Sul, de Aécio, ou o Brasil do Norte, de Dilma, ninguém sabe.

Os "dois Brasis" vão a votos. Qual deles vai ganhar?

Na ressaca da primeira volta das eleições gerais brasileiras, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, uma espécie de líderes espirituais de cada um dos partidos em competição, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT), respectivamente, travaram uma discussão na imprensa que revela o que muitos analistas já previam e temiam: na segunda volta das eleições, no domingo, dia 26, vão estar frente a frente "dois Brasis".

"O PT está fincado nos menos informados que por coincidência são os mais pobres", disse Fernando Henrique Cardoso, depois de analisada, área a área, a distribuição de votos na primeira volta. Lula respondeu: "É um preconceito lastimável que os nordestinos sejam caracterizados como ignorantes".

Sim, o PSDB do candidato Aécio Neves, o homem lançado por Fernando Henrique Cardoso, ganhou com folga no mais populoso dos estados, São Paulo, e em quase toda a região sul e sudeste, onde vivem os mais ricos e letrados dos brasileiros. E sim, Dilma Rousseff, a mulher que Lula indicou para a sua sucessão, imperou nas regiões norte e nordeste, as mais carenciadas do país.

Fernando Henrique Cardoso, o intelectual nascido no Rio de Janeiro e com residência em São Paulo desde jovem, não terá dito nenhuma mentira. E Lula, o metalúrgico natural de Garanhuns, nos confins do nordestino estado de Pernambuco que migrou em criança para a periferia da megalópole paulista, pode ter razão em tomar as dores do seu eleitorado preferencial.

Por mais que nos últimos 15 anos o Brasil tenha registado avanços económicos e sociais sem precedentes na sua história em tão curto lapso de tempo (tanto Henrique Cardoso como Lula passam a vida a reclamar a maior fatia desse progresso), no país ainda reina uma distinção mais clara entre ricos e pobres do que estamos habituados na Europa e na generalidade do mundo ocidental. Rico vota assim, pobre vota assado.

Os "burros" e os ladrões
Na mais recente sondagem para a segunda volta, do Instituto Datafolha, essa separação é clara: no Nordeste, Dilma vence Aécio com o "score" 64 contra 27; na região Sul, o candidato do PSDB chega aos 51, contra 33 da actual Presidente.

A indicada do PT é maioritária, com folga, nas faixas de eleitorado com rendimento até cerca de 1.500 euros, Aécio vence disparado entre os que auferem de 1.500 para cima. E na soma de tudo, seguem virtualmente empatados.

E se é verdade que por vezes os discursos oficiais quer do PSDB, quer do PT, tentem disfarçar a separação dos "dois brasis" e conquistar o suposto centro – "não, não vamos cortar os auxílios sociais do Bolsa Família ou do Minha Casa Minha Vida, apenas aprimorá-los", repete Aécio, ou "não, nós não somos inimigos dos bancos nem do capital, apenas pensamos também na maioria do povo brasileiro", garante Dilma – na maioria do tempo as "claques" de apoio acentuam as diferenças com orgulho.

As redes sociais e as campanhas eleitorais oficiosas estão repletas do discurso do medo e do ódio: uns são "burros", outros vão "roubar o dinheiro do povo" e os argumentos não saem daí (ou quando saem levam o preconceito atrelado).

Se vai ganhar o Brasil do Sul, de Aécio, ou o Brasil do Norte, de Dilma, ninguém sabe, nem as empresas de sondagens. A única coisa que se sabe é que quem perder vai representar quase metade da população. Vai haver um Brasil na oposição ao outro Brasil.