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Júlio Pereira

Portugal não é prioridade para o Estado Islâmico, mas riscos podem agravar-se

08 out, 2014 • Celso Paiva Sol

Numa rara entrevista, concedida à Renascença, o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa diz que Portugal não está na linha da frente dos potenciais alvos dos jihadistas. Mas as acções do movimento configuram uma "situação nova muito perigosa".

Portugal não é prioridade para o Estado Islâmico, mas riscos podem agravar-se
Tanto quanto os serviços de informações sabem, Portugal não está entre as prioridades imediatas dos terroristas do Estado Islâmico, mas, ainda assim, os riscos podem agravar-se e não devem ser ignorados. Quem o diz é o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, que concedeu à Renascença uma das raras entrevistas do seu mandato, iniciado em 2005.

Júlio Pereira acredita que Portugal não está para já na linha da frente dos potenciais alvos, nem se justifica sequer que o país eleve o seu estado de alerta – como fez, por exemplo, o Reino Unido.

"É evidente que nós não estamos nos objectivos imediatos desses grupos, a actuação imediata tem a ver com conquista de terreno, nomeadamente no Iraque, na zona do Curdistão, na zona da Síria. Mas é evidente que há também uma captação de apoios em todos os países ocidentais, praticamente em todo o mundo, e isso também faz parte da luta que o chamado Estado Islâmico pretende levar a cabo", refere.

"Todos os países têm vulnerabilidades", diz, mas "onde elas se têm revelado mais não é em Portugal. As acções de recrutamento, mesmo de cidadãos com nacionalidade portuguesa, têm sido mais no exterior."

"Em Portugal vivemos um clima e um ambiente de tranquilidade, com uma comunidade [islâmica] que é bastante pacífica e [está] preocupada com algumas situações que têm sido reportadas pela comunicação social. Mas é evidente que estamos a falar do presente, mas temos que pensar no futuro: no futuro, podem acontecer situações que agravem o risco, que, neste momento, não é elevado no nosso país", afirma.

"Situação nova muito perigosa"
O secretário-geral do SIRP reconhece que o Estado Islâmico trouxe novos desafios aos serviços secretos de todo o mundo, recuperando questões geopolíticas que se julgavam ultrapassadas.

"Temos um grupo que tem um território que domina, relativamente vasto, que tem mostrado capacidades assinaláveis em termos de progredir nos seus objectivos e temos uma chamada coligação mundial que não tem sido capaz de conter os seus avanços", diz Júlio Pereira, que alude ao que está a acontecer na Síria, junto à fronteira com a Turquia.

Para o secretário-geral do SIRP, passou-se "de uma ameaça de grupos mais ou menos ‘franchisados’ ligados à Al-Qaeda para uma situação nova que assenta já num território numa zona crítica, numa zona estratégica muito importante, que está a congregar o apoio e a adesão de grupos em zonas estratégicas muito importantes."

Júlio Pereira liga as acções dos jihadistas do Estado Islâmico às acções dos grupos terroristas Boko Haram, particularmente activo na Nigéria, e Al-Shabaab, que actua sobretudo na Somália, e aos grupos talibã que já manifestaram apoio ao movimento.

São os ingredientes de "uma situação nova muito perigosa e que exige uma atenção muito grande dos Estados e dos serviços de informações".

Pela frente, os sistemas de segurança e defesa têm, para além disso, um adversário que luta por objectivos com mais de dez séculos. "O grande objectivo deles, já o disseram, é a reconstrução do califado. É uma luta pelo século VIII, século IX, século X. Nós lutamos pelo século XXI e XXII e estes grupos lutam pelo século VIII, século IX, século X."

Para já, a prioridade dos terroristas está na conquista do seu próprio Estado, mas depois, quando isso acontecer, podem trazer problemas ao Ocidente, diz Júlio Pereira, até porque há muitos ocidentais – portugueses incluídos – que se juntaram à "jihad" e que um dia poderão regressar aos seus países.

"Esse é um risco a que os países europeus e os EUA estão muito atentos e estão preocupados. Há programas para combater a radicalização, trabalha-se em rede nesse sentido. E é sabido que logo que esses grupos tenham capacidade para actuar fazem-no", alerta.

São novos motivos de preocupação que foram discutidos no seminário internacional que esta quarta-feira se realizou em Lisboa. Responsáveis dos serviços de informações de vários pontos do mundo voltaram a dizer que, face à dimensão da ameaça, é fundamental continuar a investir nesta área.