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Mortes no mediterrâneo. "Nós europeus também temos culpa"

21 set, 2014 • José Pedro Frazão

O número de imigrantes que morreram no Mediterrâneo na tentativa de chegar à Europa já é quatro vezes mais elevado que no ano passado. Os comentadores do programa Fora da Caixa da Renascença alertam para a necessidade de mais diálogo entre as duas margens daquele mar.

Mortes no mediterrâneo. "Nós europeus também temos culpa"
O número de imigrantes que morreram no Mediterrâneo na tentativa de chegar à Europa já é quatro vezes mais elevado que no ano passado. Os comentadores do programa Fora da Caixa da Renascença, António Vitorino e Pedro Santana Lopes, alertam para a necessidade de mais diálogo entre as duas margens daquele mar.

António Vitorino arrisca uma afirmação que pode ser mal interpretada. "Tenho que ter muito cuidado na maneira como o digo , mas é o que penso. Não há um combate eficaz ao tráfico de seres humanos e à imigração clandestina se esse combate não for feito em cooperação estreita entre as margens norte do Mediterrâneo (Europa) e sul ( os países do norte de África, Líbia, Tunísia, Marrocos e Egipto). O que eu vou dizer é que é perigoso. Hoje, as condições de perturbação política nestes países da orla sul, fruto da Primavera Árabe, tornam mais difícil a cooperação do que quando eles era dominados por regimes autoritários".

No programa Fora da Caixa da Renascença desta semana, o antigo ministro e comissário europeu  reconhece que esta frase "verdadeiramente perigosa" pode ser interpretada de forma errada, como uma apologia do autoritarismo. " Não é nada disso. Para impedir a proliferação destas redes falta-nos uma componente muito importante: o interlocutor do outro lado".

Já Pedro Santana Lopes considera que " sem poder político forte dos dois lados é impossível controlar eficazmente o que se passa. Porque se há só de um lado… tem que haver sobretudo na origem. Sabemos que a tragédia e a miséria continuam do lado de lá. As pessoas não emigram nestas condições porque lhes apetece passear. Há tragédias na origem".

Vitorino argumenta que os ditadores deram jeito à Europa. "Nós europeus também temos culpas, claro que temos. Durante muitos anos também vivemos confortáveis com esses regimes autoritários porque eles nos prestavam esse pequeno serviço. Que não era tão pequeno quanto isso. E hoje os novos regimes democráticos, uns mais democráticos que outros, a emergir nessa orla da África do Norte olham para os europeus e dizem ‘ vocês foram coniventes com os regimes autoritários que nos oprimiram durante estes anos todos porque tinham nisso um interesse, o controlo da imigração", exemplifica o antigo comissário europeu que defende a reconstrução de uma base de confiança com esses países. " Mas só pode ser reconstruída se esses países se estabilizarem. Ora hoje o que assistimos é a tudo menos a estabilização", adverte Vitorino.

A Itália ocupa a presidência rotativa da União Europeia e quer mais compromisso da União sobre um tema caro aos italianos, a braços com vagas de imigração clandestina e precária.

Pedro Santana Lopes acredita que o tema será importante na agenda dos novos dirigentes europeus. "Pela dimensão que vai alcançar cada vez mais, tem que ser mais uma prioridade para o novo mandato dos órgãos da União Europeia. E quanto mais o tempo passa me convenço cada vez mais que a questão institucional, de uma maneira ou de outra, tem que estar em cima da mesa, embora não talvez ao nível cimeiro. Mas o tempo que se demora, a eficácia na execução das decisões, a coerência interna corta do ponto de vista financeiro mas depois exige politicamente o controlo das fronteiras", acentua o antigo primeiro-ministro.

O referendo à independência na Escócia, que terminou com uma vitória do "não", foi outro dos temas em destaque no Fora da Caixa desta semana.

O Fora da Caixa, que pode ouvir à sexta-feira a partir das 23h00, na Edição da Noite, é uma colaboração da Renascença com a EURANET PLUS, rede europeia de rádios.