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Referendo na Escócia

"Não espero um efeito dominó de independências noutros sítios"

18 set, 2014 • Inês Alberti

"As pessoas falam de política de uma maneira como nunca o fizeram", diz o escocês Paul Carney, professor universitário especialista no sistema político da Escócia, em entrevista à Renascença.

"Não espero um efeito dominó de independências noutros sítios"
Se o “sim” vencer o referendo à independência da Escócia, Paul Carney não acredita num “efeito dominó”. O professor de Política e Políticas Públicas na Universidade de Stirling, Escócia, conversou com a Renascença sobre o futuro do seu país. Muitas pessoas que estavam indecisas estão a favor do “sim”, diz.

O que leva muitos escoceses a querer votar "sim"?
Há muitas razões, algumas são actuais e outras são históricas. A maior explicação para o porquê de termos uma votação agora é que o Partido Nacionalista Escocês (PNE) ganhou a maioria no Parlamento em 2011 e isso deu-lhes a habilidade de passar o projecto de lei do referendo.

Quando o PNE ganhou nas eleições, o apoio à independência era relativamente baixo. Mas desde aí vimos uma mudança relativamente ao apoio à independência baseada nos argumentos que se foram desenvolvendo.

Há uma verdadeira gama de argumentos: desde pessoas que simplesmente argumentam que se a maior parte da população se identifica como escocesa deve haver um Estado ou Governo que opere a esse nível até pessoas que não concordam particularmente com essa dimensão escocesa mas vêem a devolução [transferência de poderes do Reino Unido para a Escócia] como uma oportunidade de participar num tipo diferente de sistema politico ou em políticas específicas.

Desde o fim de Agosto, as sondagens mudaram significativamente. Por que é que a opinião estava inicialmente inclinada para o “não” e agora mudou?
Parte da explicação é que, se perguntássemos às pessoas no ano passado, havia muita gente sem saber como iam votar. Agora, muitas pessoas que estavam indecisas estão a favor do “sim”.

Outra potencial razão é a eficácia das campanhas. Havia muitos indícios numa fase mais inicial de uma forte campanha do “não”, baseada na incerteza e nas consequências económicas. E isso foi substituído ao longo do tempo por uma campanha pelo “sim”, que é relativamente positiva e sublinha as vantagens.

Se as pessoas votarem “sim”, a Escócia tem capacidade para sobreviver sem o apoio do Reino Unido e da UE?
Acho que é quase certo que seríamos membros da União Europeia. Depois do voto, ainda faríamos parte do Reino Unido por mais 18 meses e a certo ponto iriam negociar a entrada na UE.

Em segundo lugar acho que há duas questões diferentes.

Primeiro, a questão económica sobre como é que a Escócia se sairia. Pode dizer-se que há muitos riscos a curto prazo significativos, mas também o potencial para a estabilidade e o sucesso a longo prazo. Acho que ninguém está a dizer que a longo prazo a Escócia estaria pior economicamente por que é, no momento, uma parte do Reino Unido bastante próspera e produtiva.

O segundo aspecto é o sistema político. E acho que parte da esperança da campanha do “sim” é que a independência pode produzir um sistema político mais eficaz, mais pequeno em tamanho. Assim, as pessoas podem participar na política a essa escala e ter mais contacto com as autoridades locais e organismos públicos, algo que não se pode fazer num Reino Unido maior e mais populoso.

Como é o sentimento na Escócia entre os apoiantes do “sim” e do “não”. Está a ser um debate pacífico?
Acho que tem sido um debate quase inteiramente pacifico. Tem havido um número muito pequeno de casos isolados de violência. Os níveis de violência não são mais altos do que poderíamos esperar no dia-a-dia do país.

Posso até dizer o contrário: tem sido bastante produtivo, tem sido um sítio vibrante para se viver, onde as pessoas falam de política de uma maneira como nunca o fizeram, nem em tempo de eleições.

E se o voto for “não”, os apoiantes do “sim” podem revoltar-se?
Não espero quaisquer tumultos. A única incerteza é sobre o que acontece politicamente. Neste momento esperamos pela devolução mesmo não sendo claro quanta devolução haveria e quão rapidamente aconteceria. Se pensarmos no futuro daqui a dez ou 20 anos, se esse nível de devolução for inadequado ou menos do que o que foi prometido às pessoas, então a questão da independência pode aparecer novamente.

E quanto às repercussões no resto do Reino Unido? Se a Escócia for independente, o País de Gales ou a Irlanda também podem seguir essa intenção?
Na Irlanda do Norte, diria que a maioria das pessoas são a favor da união, e não da independência – não acho que seria comparável nesse sentido.

Já o País de Gales é diferente. O País de Gales tem usado a experiência escocesa e por isso pode dizer que isto é um precedente e “deveríamos fazer o mesmo”. Vemos isso com a devolução, por exemplo, que acontece ao mesmo nível nos dois territórios.

Mas não penso que haja o mesmo nível de apoio para independência completa. Acho que há mais apoio da maioria para a devolução ou para uma maior devolução. Por isso, não espero um efeito dominó de independências noutro sítio.

E no resto da União Europeia? Que tipo de consequências o referendo pode trazer, nomeadamente na Catalunha?
Certamente muitos dos Estados-membros estão a prestar muita atenção à Escócia e podem tentar usá-la como um argumento para a independência e a devolução dentro dessas unidades. A diferença com a Escócia é que o Governo do Reino Unido concordou fazer um acordo sobre o referendo e acordou aceitar o resultado. A minha impressão é que o Governo espanhol não deu essa indicação. Por isso, o processo seria diferente.

E a Rainha, vai continuar o seu domínio sobre a Escócia?
A posição do Governo escocês neste momento é que se houver independência, a Rainha continua a ser o chefe de Estado da Escócia. Só há uma coisa que pode desafiar isso. O Governo escocês comprometeu-se a produzir uma constituição impulsionada por várias sociedades e várias pessoas. E é possível que esse processo possa produzir alguma exigência de uma República na Escócia.

Mas como as coisas estão, espera-se que a Rainha continue a ser chefe de Estado num futuro próximo.

Quais são os maiores obstáculos às futuras conversações entre os dois países?
Estas são, sem dúvida, as três maiores questões com mais atenção até agora: as negociações sobre se haveria ou não uma união monetária entre a Escócia e o Reino Unido, por quanto da dívida pública do Reino Unido a Escócia seria responsável e qual seria futuro dos [submarinos nucleares] “Trident’.

A posição do Governo escocês é que o Governo do Reino Unido situe os “Trident” na Inglaterra e não na Escócia, mas isso ainda não é muito claro. Ainda ninguém falou de como seriam as logísticas se tal acontecesse. Por exemplo, se uma pequena parte da Escócia, como a zona onde estão as armas nucleares, continuaria a ser parte do Reino Unido.

De certo modo, as questões estão todas unidas, porque se o Governo escocês conseguir assegurar uma união monetária terá uma atitude diferente relativamente à dívida pública.

Se a Escócia for independente o que vai mudar na sociedade escocesa, na sociedade do Reino Unido, na sociedade da União Europeia?
Acho que ninguém sabe. Eu espero muita continuidade. Acho que a atitude das pessoas em relação à política continuaria a ser bastante semelhante.

Poderia haver algum realinhamento na Escócia em relação a partidos centro-direita. Porque o que existe neste momento é que a maior parte dos partidos compete no centro-esquerda ou tentam limitar a presença dos conservadores e isso pode mudar um pouco.

Em Inglaterra pode haver um maior sentido de uma identidade nacional inglesa, que pode expressar-se em apoio ao Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) ou em novos poderes de devolução.

Seria mais uma mudança política do que uma mudança social?
Acho que sim. Certamente a curto prazo. Se houver alguma mudança cultural isso só acontecerá daqui a gerações.