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Gaza. O rescaldo de uma guerra sem vencedores

27 ago, 2014 • Inês Alberti

A normalidade começa a instalar-se nas ruas destruídas de Gaza. A reconstrução pode demorar 15 anos e custar 10 mil milhões de dólares.

Gaza. O rescaldo de uma guerra sem vencedores
Após 50 dias de violência, foi assinado um cessar-fogo, que se espera definitivo, entre Israel e o Hamas. A guerra parece ter acabado, por agora, sem vencedores, mas a que preço?

Nas ruas de Gaza as sirenes silenciaram-se, as bombas deixaram de cair e os gritos não se ouvem mais. A poeira do conflito assentou e um novo som começa a ouvir-se nas avenidas e nos bairros: são os moradores que voltam às suas casas, os lojistas que recebem clientes, as crianças que já podem brincar na rua.

Começam a chegar à cidade os habitantes que fugiram da ameaça da artilharia israelita. As Nações Unidas estimam que cerca de 540 mil pessoas (mais de um quarto da população de 1.8 milhões de Gaza) tenham sido deslocadas.

A grande maioria dos retornados encontra as suas habitações destruídas ou fortemente danificadas. A solução passa por montar tendas para receber os familiares e chorar os mortos.

“Estou feliz e não estou feliz. Estou feliz porque a guerra acabou e estou infeliz porque não tenho abrigo, não tenho casa”, disse à agência Reuters, Salama Al-Attar, pai de três filhos que passou as últimas três semanas refugiado num abrigo temporário da ONU.

Os desafios da reconstrução
Nas avenidas, funcionários camarários limpam os destroços e engenheiros tratam de reconstruir as infra-estruturas decrépitas. Tentam-se reactivar as linhas eléctricas e de abastecimento de água. Mas são precisas intervenções de grande escala já que as próprias centrais eléctricas e de tratamento de água foram muito danificados pelos ataques aéreos.

Segundo os dados das Nações Unidas, cerca de 17 mil edifícios foram destruídos e os custos da reconstrução podem atingir os 10 mil milhões de dólares, cerca de 7,6 mil milhões de euros. Uma estimativa feita pela mesma organização prevê um prazo de 15 anos para o fim das requalificações, apurou um correspondente do canal "Aljazeera".

O mesmo jornalista, Andrew Simmons, explica que o prazo pode aumentar muito mais tendo em conta os precedentes na Faixa de Gaza, o clima de instabilidade que ainda existe e a extensão dos danos, três vezes piores que os da guerra de 2008/2009.

Por isso, e se o cessar-fogo continuar de pé, Gaza precisa de ajuda humanitária e material de construção vindos do exterior. No acordo assinado esta terça-feira, Israel avançou que vai diminuir as restrições de entrada de ajuda na Palestina, mas não vai permitir a passagem de matérias de construção que possam ter um “duplo-uso”, mostrando as suas hesitações em relação ao movimento Hamas. 

O Egipto, por sua vez, autorizou o Programa Alimentar Mundial (PAM) a enviar um carregamento de 25 mil parcelas de comida para a Faixa, o que não acontece desde 2007.

Mazelas físicas e psicológicas
Pierre Krähenbühl, chefe da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados, partilha da mesma opinião: “as cicatrizes desta guerra vão demorar a sarar”, disse numa rede social.

Durante os 50 dias de violência, 70 pessoas, dos quais seis civis, morreram do lado israelita. Na parte palestiniana o conflito tirou a vida a 2.139 pessoas, entre as quais se contam 490 crianças, segundo fonte oficial da Saúde em Gaza.

“As feridas físicas e emocionais são profundas. As crianças em particular vão precisar de atenção e apoio”, diz Krähenbühl. A BBC dá o exemplo de "uma criança de sete anos em Gaza que já viveu três guerras".

Em época de tréguas sem vencedores, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tem sido alvo de críticas internas vindas até do seio do próprio Governo de coligação. Comentadores e analistas têm manifestado profunda desilusão com a liderança de Netanyahu durante o confronto mais prolongado da última década entre israelitas e palestinianos.

Os parceiros internacionais alertam a Palestina para todo o caminho e para todos os esforços que é preciso desenvolver para devolver a Gaza água, electricidade, oportunidade de as crianças de irem à escola e um futuro melhor, em suma.

Quem pega nas rédeas?
Al-Omari, director executivo da organização não-governamental American Task Force on Palestine, escreve no jornal “The Hill” que a “questão não é se o esforço vai acontecer, mas sim quem o vai liderar e que impacto político vai ter”.

Omari deixa ainda uma referência à Autoridade Palestina (AP), que mesmo com o Hamas no poder ajudou a “fornecer eletricidade e outros serviços ao povo de Gaza. A capacidade da AP pode ser melhorada com parcerias com o Banco Mundial e a ONU para identificar parceiros locais em Gaza com vista à implementação de projectos humanitários necessários o mais rápido e efectivamente possível.”

Enquanto as respostas não chegam a paz instala-se, tímida, e os moradores tentam reconstruir as suas vidas, apoiados na esperança possível. Nas praias da costa as crianças brincam na areia e mergulham no mar.

Os barcos de madeira coloridos partem vazios e voltam com as redes cheias, prontas para abastecer as várias peixarias e mercados de Gaza e impulsionar esta indústria importante na cidade. É o resultado do aumento da zona permitida para a pesca, de três para seis milhas, também previsto no acordo.

“Esperemos que eles ainda 'abram' mais o mar”, disse à agência Reuters Raed Baker, membro de uma das maiores famílias de pescadores em Gaza.

“Esperamos que esta seja a última guerra em Gaza”, acrescentou o homem do mar.