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Sobreviver na Ucrânia. Longe da luz, longe da morte

25 ago, 2014 • Inês Alberti

Donetsk está na linha da frente dos confrontos. Para sobreviverem, cerca de 200 moradores de uma pequena cidade da região deixaram as suas casas em busca de segurança nos abrigos subterrâneos, que remontam à era soviética.

Sobreviver na Ucrânia. Longe da luz, longe da morte
“Bombardeiam-nos todos os dias. É impossível viver em casa. Esta é a nossa vida agora. Não temos tempo para nada a não ser sentarmo-nos e chorar”, conta Raissa, de 40 anos, que vive no território separatista de Petrovka, situada na orla de Donetsk.

Enquanto a Rússia e a Ucrânia medem forças e apontam dedos, as bombas continuam a cair destruindo edifícios, casas e hospitais. Os sobreviventes procuram abrigo, fugindo das constantes explosões.

Raissa é uma das vítimas deste conflito. A ucraniana vive num abrigo subterrâneo há três semanas, desde que a sua casa foi destruída.

Hoje o seu modo de sobrevivência é só um: conseguir chegar ao bunker (abrigo subterrâneo) antes que as portas fechem.

Como Raissa, cerca de mais 200 pessoas de Petrovka deixaram as suas casas, ou o que restava delas, para viverem debaixo da terra, nos antigos abrigos subterrâneos construídos durante a era soviética, como descreve uma reportagem da agência Reuters.

A maior parte dos desalojados apenas levou a roupa que vestia, alguns cobertores e pouco mais. No mesmo abrigo várias famílias encaixam-se e agrupam-se à volta de uma mesa ou de uma caixa, normalmente às escuras devido às falhas de electricidade.

No canto do bunker um grupo de crianças come um estufado de vegetais, iluminados pela lanterna de alguém.

“O aniversário da minha mãe foi ontem, mas não temos dinheiro, por isso comprámos uma barra de chocolate e cada um comeu um bocado”, conta Tatyana Tamash, que vive há duas semanas debaixo da superfície.


Os moradores levam para os abrigos apenas o que conseguem carregar nas mãos. Foto: Sergei Ilnitsky/ EPA

Sair por seu próprio risco
É cada vez mais difícil arranjar mantimentos já que das lojas que ainda não foram destruídas, muitas estão fechadas e as que abrem só vendem água, pão, massas e arroz. Os distribuidores deixaram de fornecer produtos a estas zonas, com medo dos bombardeamentos.

Da última vez que Valery Zelenchuk, de 57 anos, foi comprar comida para si e para a sua mãe, uma bomba caiu na loja assim que saiu: "Estive a segundos da morte certa."

No entanto há quem não resista a visitar as suas casas, até para verificar se ainda estão lá. Lídia, outra ocupante de um abrigo de 35 metros quadrados, explica como faz para ir a casa: "No caminho temos que passar pelas linhas de combate - de um lado a milícia separatista, do outro os ucranianos. Eles verificam os nossos passaportes enquanto passamos a correr até casa e voltamos, antes que os disparos comecem outra vez”.

Da última vez encontrou as paredes da habitação marcadas pelos detritos e estilhaços de uma bomba, que tinha aterrado no seu jardim.

Uma paz breve
As idas ao exterior são feitas, na maior parte das vezes, uma vez por dia para cozinhar sobre fogueiras, tomar duche com a ajuda de uma garrafa de água furada ou uma desculpa para as crianças brincarem com os cães e gatos vadios, que procuram afectos e comida.

Mas o som de novos bombardeamentos recambia os desalojados de volta ao escuro e os corredores húmidos.

“Estamos sentados dia e noite, não fazemos ideia de que horas são, a menos que vamos lá fora. Saímos um bocado mas uns minutos de sol depois, as bombas começaram a cair", conta Raissa.

Aos refugiados, como Raissa, Taysha, Valery e Lídia, resta esperar até que o silêncio os devolva à luz do sol e à paz, privilégios antigos já esquecidos.

As condições em que vivem esta gente mostram o impacto humanitário deste conflito. A Rússia acusa Kiev e o Ocidente de travarem confrontos em áreas civis. Por seu lado, o governo ucraniano assegura que as suas tropas não lançam ataques contra zonas residenciais, culpando Moscovo de alimentar o conflito ao fornecer armas aos rebeldes.