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“Por favor, parem!” O que diz o Vaticano sobre o conflito israelo-árabe

30 jul, 2014 • Filipe d’Avillez

O Papa não deixou de falar da mais recente crise em Gaza, mas por regra a Igreja prefere actuar de forma mais discreta para promover uma solução justa e equilibrada para o conflito israelo-árabe.  

“Por favor, parem!” O que diz o Vaticano sobre o conflito israelo-árabe
Foi no passado domingo, no final da oração do Angelus, que o Papa Francisco se desviou do texto escrito e fez um apelo emocionado pelo fim do conflito em Gaza. "Por favor, parem! Peço-vos com todo o meu coração, é tempo de parar. Parem, por favor!", exortou.

O interesse com que o Papa segue a situação na Terra Santa tornou-se muito evidente quando tomou a iniciativa, inédita, de convidar os líderes da Autoridade Palestiniana e de Israel para participar numa jornada de oração pela Paz, no Vaticano, depois da sua visita à Jordânia, Israel e Palestina, em Maio. Durante a visita, os dois momentos em que visitou o “muro da separação” na fronteira de Israel e o monumento que comemora as vítimas do terrorismo em Israel foram também muito significativas.

Contudo, para além desse apelo no passado domingo, o Papa tem guardado silêncio sobre a mais recente ofensiva israelita. Nem a sua conta do Twitter, habitualmente utilizada para divulgar curtas mensagens em favor da paz ou a pedir orações pelas zonas em conflito, tem servido para esse propósito.

Todavia, o silêncio não revela desinteresse. Muito pelo contrário. É sabido que o Papa tem falado pessoalmente com o Presidente de Israel e da Autoridade Palestiniana para pedir maiores esforços no sentido de uma solução pacífica para Gaza e esta quarta-feira todos os embaixadores acreditados junto da Santa Sé receberam uma nota oficial, assinada pelo secretário de Estado, o Cardeal Pietro Parolin, que pede aos governos um maior compromisso com a resolução dos conflitos no mundo, sobretudo no Médio Oriente.

Em declarações à Rádio Vaticano, o responsável pelas relações com os Estados falou da importância desta nota, dizendo que o que se passa em Gaza é uma violação dos direitos humanos.

A Igreja Católica está muito comprometida com a causa da paz na Terra Santa e actua no terreno, tanto em Gaza como na Cisjordânia e Israel, em auxílio das populações mais necessitadas.

A situação é muito complexa e por isso todas as declarações e actos públicos têm de ser medidos com atenção, para não afectar o equilíbrio diplomático que é necessário nestas situações.

Solução de dois Estados
Oficialmente, o Vaticano sempre defendeu uma solução com dois Estados independentes, Israel e a Palestina, mas com um estatuto especial para Jerusalém, que seria a capital partilhada de ambos os países, de uma forma que preserve também o acesso de todos os fiéis aos lugares santos. Israel não aceita esta possibilidade, reivindicando o controlo total e absoluto sobre Jerusalém.

A verdade é que o Vaticano não tem interesse em ser associado à posição pró-israelita ou pró-palestiniana. No terreno, a grande maioria dos católicos na região são árabes palestinianos. Estes, incluindo os que vivem em Israel, tendem a ser solidários com a causa palestiniana em geral, embora exista um desencantamento crescente com o facto de essa causa se confundir cada vez mais com o islamismo, como se vê no caso do Hamas.

No resto do mundo árabe esse apoio é provavelmente mais cerrado. De uma forma geral os cristãos em países como o Egipto, o Líbano, Síria e Iraque são anti-israelitas e mesmo alguns dos seus bispos são publicamente muito críticos de Israel, que vêem como responsável pelo conflito e por grande parte da instabilidade do Médio Oriente.

Este sentimento não é partilhado, pelo menos com a mesma veemência, pelas conferências episcopais de muitos países ocidentais, que vêem Israel como um país que garante a liberdade de expressão, a democracia e a liberdade religiosa.

Os israelitas, aliás, fazem questão de sublinhar que Israel é o único país em que a população cristã tem aumentado de forma estável e vive em paz e segurança.

A custódia dos lugares santos
A isto acresce a importância da custódia dos lugares santos para os cristãos em Jerusalém, partilhada pelas várias confissões cristãs presentes no terreno, sob supervisão de Israel.

Há uma disputa de longa data entre Roma e Israel sobre o pagamento de impostos pelas igrejas, que está ainda por resolver, mas sobretudo existe a noção de uma grande interdependência.

A Igreja Católica sabe que a estabilidade de Israel é essencial para preservar o acesso e o bem-estar dos locais de culto e das populações cristãs na Terra Santa, e Israel sabe que só tem a perder se essa estabilidade for afectada, levando a uma interrupção das peregrinações e visitas guiadas que levam muito dinheiro para os cofres do Governo.

A situação é ainda mais complexa com as igrejas ortodoxas. A Igreja russa e a Igreja grega, por exemplo, são as maiores detentoras de terreno em Jerusalém, incluindo o espaço onde foi construído o Knesset, o parlamento israelita, que está arrendado ao Governo.

Por todas estas razões, a diplomacia do Vaticano na Terra Santa é feita de forma discreta, mas sempre no sentido de uma solução que garanta a paz entre judeus, muçulmanos e cristãos no local que é considerado santo para as três religiões abrâamicas.

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