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Eduardo Sotos

“Dilma faz figas para a Alemanha ganhar”

12 jul, 2014 • José Bastos

O jornalista condiciona a reacção da rua à eterna rivalidade regional e alerta para “o risco de Dilma não conseguir a reeleição”.

“Dilma faz figas para a Alemanha ganhar”

“A bola pode deixar de rolar e até rebentar” socialmente se a Argentina levantar a Taça no Maracanã, defende Eduardo Sotos, desde 2009, jornalista no Brasil do El Periodico de Catalunya e da Ria Novosti.

Depois de grelhas de observação portuguesas e brasileiras, Sotos assina, a seguir, uma análise mais distanciada, ainda que sob um prisma ibérico. O jornalista condiciona a reacção da rua à eterna rivalidade regional e alerta para “o risco de Dilma não conseguir a reeleição” (primeira volta das Presidenciais a 5 de Outubro).

A presidente Dilma não faz golos nem escolhe a equipa, mas foi mais vaiada no Mineirão do que Felipão ou Fred, os outros vilões da noite de Terça. A derrota terá consequências nas urnas?
Ainda é cedo demais para antecipar em toda extensão a reacção dos brasileiros à decepção desportiva. O grau de explosão social vai depender do resultado da final Alemanha-Argentina. Uma vitória do rival histórico poderá avivar as tensões latentes e abrir caminho a uma segunda “primavera” social no Brasil. Ao contrário, uma vitória da Alemanha seria percepcionada como consequência lógica e inevitável e, portanto, apagar-se-ia a faísca que pode voltar a impelir os brasileiros para as ruas.

Logo após a derrota Dilma colocou-se na posição do adepto comum, mas não foi poupada nas redes sociais. A cobrança vai continuar nos próximos dias?
Claro. Dilma foi modulando, habilmente, o seu discurso para obter lucros políticos dos progressos da sua selecção e vendê-los como se fossem as suas próprias vitórias. Agora que a selecção tem uma derrota monumental, Dilma vem situar-se ao lado da “torcida” falando da necessidade de recuperar o orgulho e a um fim de festa em grande estilo. No fundo, Dilma faz figas para que o Mundial acabe com uma vitória da Alemanha e os brasileiros não a exponham ao ridículo durante a grande cimeira dos BRICS na próxima semana em Fortaleza. Evidentemente, os brasileiros são conscientes deste quadro e os protestos irão prosseguir embora, repito, as manifestações só terão grandes proporções no caso de um triunfo da Argentina ou de uma segunda derrota humilhante frente à Holanda.

À medida a que a selecção ia superando obstáculos o Palácio do Planalto chamava a si o sucesso. Tudo se preparava para Dilma – inverter o cenário dos insultos do jogo de abertura, entregando a Taça ao capitão brasileiro. Erro de estratégia?
Sim. Dilma – pode dizer-se – apostou muito forte na imagem de êxito de uma selecção que se afundou. É já demasiado tarde para “descolar” da associação que os brasileiros estabelecem entre a gestão governativa e a trajectória do escrete. Dilma ainda está a tempo de sair airosamente da situação, mas ficou exposta a vulnerabilidade eleitoral desta gestão.

Agora a saída do Planalto é a de colar Dilma apenas à organização do Mundial?
Exacto. Esconder o fracasso e mostrar o êxito. Contudo apesar de ser possível – com rigor – considerar o Mundial um êxito organizativo, não são poucos os que deram conta das carências de um país que se vendia como a grande potência emergente da América do Sul. O desabamento do viaduto de Belo Horizonte ou o atraso de construção em 45% das infra-estruturas do Mundial não passaram despercebidos. Ainda que, tudo avaliado, seja essa a estratégia mais inteligente a seguir.

A mensagem de campanha de Aécio Neves, do PSDB, e de Eduardo Campos, do PSB, com a ex-senadora Marina Silva a vice, principais adversários de Dilma, insiste em acusar Dilma de uso do Mundial para benefícios políticos?
Mais que acusar Dilma da instrumentalização da “Copa das Copas” (algo acima de qualquer suspeita) do que se trata aqui para os rivais é de tentar fugir de qualquer associação a um possível fracasso do torneio. Mais: Aécio Neves e Eduardo Campos tentam também passar despercebidos para que seja Dilma a que se “afogue nas suas próprias águas”. Dilma apostou todas as fichas no Mundial. Se o evento fracassar Dilma não será poupada.

O jogo com a Alemanha foi seguido pela presidente no Palácio do Planalto, mas, ao contrário dos anteriores não foi divulgada nenhuma foto de Dilma. Já Aécio Neves esteve no Mineirão.
Aécio Neves é o candidato politicamente mais hábil e o que melhor está a saber cadenciar as aparições públicas. O facto de assistir aos jogos discretamente, como um adepto comum, reforça a imagem de que se encontra do lado do povo sofrendo com a incompetência de Dilma Rousseff. Aécio foi muito inteligente ao remeter-se para um segundo plano mediático não tentando rentabilizar o fracasso da selecção brasileira, mas apenas tentar passar palavras de conforto aos brasileiros.

O governo estava tenso face à possibilidade de novas manifestações, do tipo de Junho do ano passado, ou de falhas graves nos novos estádios - nada disso aconteceu. Mesmo o desabamento do viaduto em Belo Horizonte – metáfora da decadência das obras públicas – não provocou grande turbulência. Por ser ‘o viaduto da oposição’?
Nenhum acontecimento provocou grande repercussão porque o aparelho de propaganda do Mundial esteve excepcionalmente bem comandado a partir do Palácio do Planalto. De facto, ocorreram manifestações, ainda que de perfil mais minoritário, em São Paulo, no Rio e em outras cidades. Contudo, a grande massa cidadã manteve-se alheia por ser conhecedora da enorme máquina de repressão implantada no terreno, em particular, pelos governadores estaduais do Rio e de São Paulo. Lembro que depois do autocarro com os jogadores da selecção ter sido recebido com vaias – e até pichagens de manifestantes – o governo Dilma decidiu que a custódia de todas as equipas fosse directamente assegurada pelo Exército. Ainda me recordo de testemunhar os treinos da Holanda, no estádio José Bastos Padilha na Gávea, no Rio de Janeiro, rodeados de militares ou um helicóptero militar enorme a sobrevoar a Granja Comary em Teresópolis, no caso da selecção brasileira.

O Minerazzo pode afastar, de novo, a Presidente do radar do Mundial?
Dilma modula a sua identificação com o Mundial no ângulo da organização ou no da selecção “canarinha”  em função dos êxitos ou fracassos de cada. O objectivo é claro: rentabilizar os êxitos e esconder os fracassos.

Mas a bolha de segurança e euforia criada pelo Mundial desaparece na segunda-feira. O Brasil já bateu fundo desportivamente em 50, no Maracanã, e em 82 no estádio de Sarriá, em Barcelona. As derrotas não influíram na presidência. Porque Gaspar Dutra ou João Figueiredo não tinham ‘as chuteiras tão calçadas’ quanto agora Dilma?
O Mundial de 2014 tem lugar em circunstâncias completamente diferentes das de 1950. Em primeiro lugar, este Mundial surge como parte de um projecto em que um eufórico Lula da Silva (apesar da vitória do Brasil no Mundial do Japão 2002 venceu as eleições três meses depois) pretendeu dar o expressivo retoque final “de autor”, uma espécie de cereja no topo do bolo, a uma expressiva obra de crescimento económico iniciada nos seus governos. O torneio outorgaria ao “novo Brasil”, o do PT de Lula, o verdadeiro lugar que o país merece à escala mundial, mais até do que por haver escalado até à sétima posição no ranking das potências económicas do planeta. Este raciocínio é endossado pela realização da VI cimeira dos BRICS que pretende aproveitar esta inércia, ou “borbulha” para reivindicar um maior protagonismo do Brasil na organização, apesar de, objectivamente, a economia estar em claro retrocesso. Ainda assim, o facto do Mundial ter custado aos contribuintes brasileiros mais de 9 mil milhões de euros, financiados a 85% com fundos públicos, faz com que a reeleição esteja condicionada pelo êxito ou sucesso do evento.

“As chuteiras foram calçadas” até ao ponto de- pela organização ter dado certo - garantir a reeleição de Dilma Rouseff?
Não se deve subestimar o efeito que a vitória no Mundial de Futebol tem para o país que a conquista. Até no plano económico as consequências de uma derrota nos índices de consumo podem ser catastróficas. Evidentemente, o êxito de organização será imediatamente creditado à gestão de Dilma Rousseff. Mas uma vez que o Brasil foi eliminado da disputa da final, e, bem mais que isso, foi humilhado as percepções podem mudar. Creio que mesmo com um êxito organizativo o governo de Dilma corre o risco de não conseguir obter a reeleição em Outubro.

Como ficará esse país “que melhora quando tudo para e a bola rola” quando a bola deixar mesmo de rolar?
Essa é a grande questão. A bola pode deixar de rolar e até pode mesmo rebentar se a Argentina levantar a Taça no Maracanã.