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Mistério do avião desaparecido

“O silêncio total deste voo é muito suspeito”

24 mar, 2014 • José Carlos Silva

Em entrevista à Renascença, o piloto veterano Carlos Silva coloca várias questões sobre o que terá acontecido ao 777 da Malásia que se despenhou sobre o Índico. Porque deixaram de funcionar os equipamentos de aviso, por exemplo, sugerindo que não se tenha tratado de um acidente.

“O silêncio total deste voo é muito suspeito”
Ao fim de duas semanas de dúvidas e especulações sobre o que teria acontecido ao desaparecido Boeing 777 da Malaysia Airlines, as autoridades malaias confirmaram finalmente que o avião, que levava 239 pessoas a bordo, caiu no Oceano Índico durante o trajecto que ligava as capitais da Malásia e da China, Kuala Lumpur e Pequim.

O avião era igual ao que há mais de 15 anos é tripulado por um português, Carlos Silva, ex-comandante das linhas aéreas de Singapura e piloto no activo, com quem a Renascença falou sobre o corredor sul onde o Boeing 777 despareceu.

Carlos Silva, que conta com 11 mil horas de voo aos comandos de um avião igual, estranha que o “Transponder” - um dos principais equipamentos de comunicação da aeronave e colocado numa zona de muito difícil acesso - tenha sido desligado. Questiona ainda que tenham deixado de funcionar outros equipamentos de aviso, sugerindo que não se tenha tratado de um acidente.

Já voou naquela zona?
Sim, é um corredor que conhecemos. Sabemos que é bastante vazio por não ter nenhum aeroporto à volta que nos possa dar suporte, portanto sabemos que temos de voar em condições muito especiais nas quais o avião tem de estar apto a voar o mais longe possível do aeroporto. No máximo, a 180 minutos, no caso de falhar um motor. As comunicações básicas nesta zona são feitas sobretudo por satélite e, depois, por alta frequência.

Pode dizer-se que é uma zona onde não é possível arriscar absolutamente nada?
A zona onde o avião terá caído é uma em que poucas companhias aéreas voam. Tem pouca população aérea, tem poucas comunicações, portanto é bastante remota.

Tem alguma tese sobre o que poderá ter acontecido?
Quanto mais se fala, mais são as hipóteses do que pode ter acontecido. A primeira questão que colocamos é por que razão não houve um aviso de “mayday”, que é emitido quando o piloto tem uma avaria ou urgência e tem de o reportar a toda a gente que estiver a ouvir. A possibilidade de que o avião tenha dado uma volta bastante acentuada e que tenha baixado de altitude sugere que eles terão tido algum problema técnico - poderia ter sido despressurização, poderia ter sido um fogo, fumo a bordo ou algo semelhante - mas depois tudo se complica.

Por que razão foi desligado o sistema do “Acars”, que é um sistema de satélite que comunica com o avião constantemente? Não é fácil desligar este sistema. Pior ainda é ter sido desligado também o “Transponder”, o sistema básico de radar. Este sistema não tem propriamente uma função de desligado, tem uma função de “standby”, no qual pode ser “interrogado”. Não consigo perceber como foi possível ter sido desligado, a não ser que alguém tivesse tido acesso directo ao compartimento electrónico onde está o “Transponder”, que fica por trás do cockpit. Essa porta é uma espécie de alçapão, que está fechado, e que está por baixo de uma carpete. Para o abrir é preciso uma chave “Allen” especial.

Quem quer que esteja naquela zona a mexer nesse alçapão com certeza que dá logo nas vistas, quer às pessoas que estão na cabine da frente, quer à tripulação. O silêncio total deste voo é também muito suspeito. Ultimamente, fala-se muito em intenção humana, ou seja, em desvio do avião. E já não se fala apenas do terrorista que invade o "cockpit". Já se fala na possibilidade de o próprio piloto fazer isto.

Ou seja, se o avião tivesse caído numa situação dita “normal”, possivelmente saber-se-ia qual o ponto mais ou menos exacto da queda?
Se o avião tivesse mantido as comunicações, haveria algum alerta nos radares de terra porque o avião iria mudar de altitude. Iria mudar de velocidade e de direcção em relação ao ponto em que ia voar. Isso sugere logo um alerta, porque, evidentemente, os sistemas de radar estão ali para permitir que cada avião voe segundo as restantes aeronaves. Quando um avião sai de uma rota e entra numa diagonal, cortando várias rotas que são bastante activas naquela zona, os alarmes vão soar - além de não ter havido um aviso do piloto. Por outro lado, se fosse um fogo, um fumo ou uma emergência repentina ou estrutural, seja o que for, o avião teria sido destruído de seguida. Uma explosão, danos parciais ou completos da fuselagem, pressupõe que tivesse caído em terra ou em mar. Pedaços do avião seriam vistos. Ainda mais à noite, quando uma explosão é perfeitamente visível.