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Barack Obama, "persona non grata" no Médio Oriente

20 mar, 2013 • Violeta Moura, no Médio Oriente

Exército israelita e forças policiais mobilizadas, ruas fechadas, bandeiras, cartazes vandalizados, manifestações, protestos, gás lacrimogéneo e detenções. Este é o ambiente que se vive nas ruas de Israel e nos territórios palestinianos à chegada do presidente dos Estados Unidos.

Barack Obama, "persona non grata" no Médio Oriente

Ali Jiddah, veterano afro-palestiniano de 63 anos da resistência armada palestiniana, está sentado em casa a metros da mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém. Num velho rádio pendurado na parede, soam relatos sobre a visita de Obama ao Médio Oriente e Jiddah inspira cigarros atrás de cigarros. Em alusão à origem africana que tem em comum com Obama, Jiddah questiona-se: "Como é que se luta por direitos civis ao mesmo tempo que se recusa os mais elementares direitos humanos de outra nação?".

O presidente dos Estados Unidos está em périplo oficial pelo Médio Oriente, onde prometeu à chegada uma aliança "eterna" com Israel. Jiddah, se dispusesse de 30 segundos com Obama, diz que seria educado e não utilizaria a sua "língua afiada", mas sabe bem o que diria ao líder norte-americano: "Não esqueça o sofrimento que os seus antepassados passaram na História. Há que olhar para essa experiência e pensar no sofrimento do povo palestiniano, se é de verdade um ser humano".

Jiddah é respeitado pela comunidade palestiniana. Todos o reconhecem e o cumprimentam com reverência enquanto caminha pelas ruas entre as muralhas de Jerusalém, ajudado à vez por jovens e adolescentes. "Para nós palestinianos, a vinda de Obama apenas irá fazer crescer a frustração, pois há palestinianos que ainda acreditam. Amanhã acordarão e nada", diz o veterano da resistência.

Quando era um jovem de 18 anos, Jiddah iniciou uma pena de 17 anos de prisão pela detonação simultânea de cinco bombas em Jerusalém, que resultaram em 22 feridos em 1968. Estava-se no rescaldo da anexação militar dos território palestinianos da Cisjordânia por Israel, que dura até à actualidade, e cujas fronteiras os palestinianos reivindicam para um Estado independente. Hoje, Jiddah é um reconhecido comentador e dedica-se ao activismo pacífico. Mas deixa um aviso.

"Todos os elementos para uma terceira intifada já estão reunidos: as humilhações diárias e a escalada da opressão. Um dia, os palestinianos dirão 'estamos fartos'. Com o sentimento de que foram traídos pelo mundo inteiro, acredito que esta terceira intifada será sob o 'slogan' de Sansão - 'comigo caem os meus inimigos' -, porque os palestinianos já perderam tudo, não têm mais nada a perder. Tudo é possível."

Jiddah, atento observador da política mundial, fala de Portugal como um exemplo de posições políticas "desapontantes" no que se refere ao conflito israelo-palestiniano. "Estou muito revoltado, perturbado pela política portuguesa. Que fizemos nós contra Portugal, porque são tão hostis para connosco, palestinanos? Infelizmente, eu tenho uma explicação para isso: é a crise económica que Portugal enfrenta. Para sair de tal crise, há que ter a cooperação dos Estados Unidos e, por sua vez, de Israel. E não se importam se tal é às custas da miséria de toda uma outra nação. Não se importam."

A centenas de metros de Jiddah, uma multidão comparece a mais uma manifestação que reivindica a libertação de Jonathan Pollard, espião de Israel preso nos Estados Unidos. Outra manifestação organizada por nacionalistas israelitas exige que as grandes cidades palestinianas sejam absorvidas pela Jordânia e Gaza pelo Egipto. Um outro protesto reivindica mais apoio a Israel sobre o que acreditam ser a ameaça nuclear iraniana e repudia a condenação do presidente Barack Obama sobre a expansão de colonatos israelitas em território palestiniano.

Enquanto o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, recebe o presidente do seu grande aliado, Obama enfrenta cepticismo e hostilidade entre os sectores nacionalistas pró-colonização da opinião pública do estado judaico. Para esta ala, fortemente representada no novo executivo israelita, Obama não apoia Israel o suficiente diante do que se acredita ser a ameaça nuclear iraniana ou na expansão de colonatos israelitas em território palestiniano.

"Obamination"
Bob Kuntz, de 70 anos, está sentado numa floreira com uma série de cartazes numas das ruas mais movimentadas de Jerusalém ocidental. Bob veio de Miami Beach para "organizar uma manifestação para que Jonathan Pollard seja libertado" e para "dizer ao senhor Obama para vir até cá e se aproximar de Deus em vez de nos tentar dividir". "Deus deu-nos esta terra há cinco mil anos, pela qual milhões de judeus foram assassinados e não há nada para negociar com a gente que nos quer mortos."

Enquanto distribui convocatórias para uma manifestação, Bob diz que Obama "não é bem-vindo" e apela a que o presidente dos Estados Unidos não diga que "os judeus são paranóicos sobre o Irão e as suas bombas nucleares", pois "é uma verdadeira preocupação, tal como foi com Hitler". Bob considera ainda que a política internacional de Obama é "desastrosa".

"Há dois anos, ele disse que Bashar al-Assad era um reformista. Setenta e cinco mil mortos e um milhão de refugiados depois, temos agora lá também a Al-qaeda. Quando vamos deixar de financiar terroristas?", questiona Bob enquanto interpela, com crachás decorados com estrelas de David e "Obamination", um grupo de soldados israelitas.

Antes de prosseguir com a sua campanha pelas ruas, Bob deixa um aviso. "Obama está a criar a próxima guerra ao prometer aos palestinianos algo que eles não vão ter."

As ruas da Cisjordânia, onde se espera a passagem de Obama, têm sido igualmente palco de protestos, com cartazes com a imagem do presidente norte-americano cobertos com graffiti, queimados e alvo de arremesso de sapatos. Para a opinião pública palestiniana, o presidente dos Estados Unidos, principal aliado de Israel e mediador cimeiro no conflito israelo-palestiniano, não demonstra vontade política suficiente para deter o avanço da ocupação israelita dos territórios palestinianos, nem um compromisso sério relativamente à fundação de um Estado palestiniano.

Para a opinião pública da esquerda israelita, esta é uma visita igualmente irrelevante para o futuro da região. Para este sector, o fim da ocupação israelita dos territórios palestinianos, o respeito pelos direitos humanos e a autodeterminação palestiniana é urgente. Muitos dos activistas da esquerda israelita têm-se unido aos activistas palestinianos em protestos conjuntos contra a visita de Obama.

O presidente norte-americano vai visitar Jerusalém, Ramallah, Belém, uma bateria de defesa anti-míssil israelita financiada pelos Estados Unidos e o túmulo do pai do sionismo moderno - Theodor Herzl -, entre outros marcos do percurso. Espera-se ainda que o encontro entre Obama e Netanyahu se foque no programa nuclear iraniano, no conflito israelo-palestinano e na situação da vizinha Síria.

Representantes da Casa Branca avançaram, no entanto, que uma retoma directa das negociações para o processo de paz no conflito israelo-palestiniano não faz parte dos objetivos da visita do presidente à região. As negociações estão estagnadas desde 2010, depois da recusa de Israel em prolongar uma moratória na construção de colonatos em território palestiniano.

Além da polémica que envolve o périplo de Obama pela região, há um ponto de acordo de ambos os lados do conflito: considera-se que a visita vai acabar por ser pouco relevante para um avanço real nas negociações de paz no Médio Oriente.

Manifestações de repúdio
O périplo de Obama pelo Médio Oriente está envolvido num aparato de segurança tão forte como a polémica que tem gerado nas ruas da região. Enquanto representantes oficiais das esferas políticas israelitas e palestinianas se ocupam das cerimónias protocolares de recepção e boas-vindas ao presidente norte-americano, a realidade no terreno é outra.

Em Ramallah e Belém verificam-se manifestações de repúdio pela visita de Obama, que tem utilizado pressão diplomática e poder de veto contra as tentativas de fundação de um Estado palestiniano independente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Em Jerusalém Oriental, cerca de 500 activistas palestinianos ergueram tendas em território palestiniano, onde Israel planeia um enorme colonato que vai isolar Jerusalém. Nos cartazes lê-se "foi-nos prometida esperança e mudança, tudo o que recebemos foram colónias e apartheid".

Na cidade palestiniana de Hebron, dezenas de manifestantes palestinianos e activistas israelitas e internacionais foram barrados e detidos por soldados do exército israelita quando tentavam prosseguir por uma rua de acesso segregado exclusivo a colonos judeus com máscaras de Martin Luther King e Barack Obama. A frustração que se sente nas ruas palestinianas sobre a hipótese do estabelecimento de um Estado palestiniano é cada vez mais acentuada.