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Alberto Amaral

Mais do que fundir instituições, é preciso fundir cursos

14 dez, 2012 • Pedro Rios

Presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior diz que a rede de universidades e politécnicos cresceu desordenadamente. Agora, com menos alunos e menos dinheiro, é preciso racionalizá-la, defende.

Mais do que fundir instituições, é preciso fundir cursos

Mais do que fundir instituições, é preciso fundir cursos. É o que defende o presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).

O ministro da Educação disse, na quarta-feira, que é "inevitável" haver fusões e extinções de universidades e politécnicos. A fusão de cursos é outro caminho a seguir, sustentou Nuno Crato.

Em entrevista à Renascença, Alberto Amaral diz que essa deve ser a principal aposta e defende que a rede de ensino superior cresceu ao sabor de pressões de autarquias e das necessidades do momento. Agora, com menos alunos e menos dinheiro, é preciso racionalizá-la - e o trabalho já começou.

Acompanha a realidade do ensino superior há décadas. Em que situação se encontra o sector?
Fui reitor da Universidade do Porto entre 1985 e 1998. Foram anos de vacas gordas. Conseguimos praticamente reconstruir a universidade, foi possível negociar uma fórmula de financiamento com o Ministério que assegurava uma certa estabilidade financeira. E estávamos numa grande fase de crescimento do ensino superior. Passámos de 47 mil alunos em 1974 para mais de 400 mil na década de 90. Hoje, estamos numa fase completamente diferente: o número de alunos está a diminuir – e diminui por várias razões. Uma delas é uma taxa de natalidade consistentemente baixa durante muitos anos. E pode haver dificuldades financeiras dos alunos no acesso ao ensino superior. Além do mais, está-se a criar uma ideia bastante negativa: começa a haver desemprego de licenciados e as pessoas interrogam-se se vale a pena o esforço. Eu diria que vale a pena porque quem não tem curso está numa situação bastante pior. Hoje, estamos numa situação bastante pior, de vacas magras ou magríssimas.

A crise torna urgente a reorganização da rede de ensino superior, que é debatida há anos?
Claro que torna mais urgente, porque os recursos começam a ser mais escassos. É curioso ver que, em 2006, a OCDE fez um relatório sobre o ensino superior português e, contra as minhas expectativas, recomendou que, embora fosse necessário reorganizar a rede, houvesse muito cuidado em diminuir a sua capacidade e que, se houvesse necessidade de encerrar instituições, isso deveria ser deito com toda a cautela, até porque Portugal tem uma população com ensino superior muitíssimo baixa.

E essa recomendação poderá ser seguida, quando a palavra de ordem é "cortar"?
O que acontece é que Portugal tem um número de instituições de ensino superior que andará pelas 130. Isso parece-me, à partida, excessivo até porque há um número muito significativo de instituições muito pequenas.

Mas os critérios de racionalização podem ser agora mais economicistas e menos o que está correcto em termos de rede?
É possível que sim, mas penso que a racionalização da rede devia pensar mais pela oferta de cursos do que nas instituições. O que se verifica é que sempre que aparece uma área que atrai alunos todas as instituições vão copiar e liquidam rapidamente essa área. Aconteceu com Enfermagem (havia falta de enfermeiros, hoje há excesso), aconteceu nas Tecnologias da Saúde, na Gestão, no Direito. Uma segunda área onde me parece que podia haver racionalização tem que ver com o facto de algumas instituições, muitas vezes com alguma fragilidade (e estou a pensar em alguns politécnicos), terem, por efeitos de pressões dos autarcas locais, criado uma série de filiais em várias localidades. E, para uma instituição que já de si não é muito forte, fazer isso pode ser um problema.

Em Novembro, assistimos à primeira fusão de universidades em Portugal. Mas foi um processo moroso. A fusão dos cursos é a forma mais rápida de conseguir melhorar a rede?
O Conselho de Reitores iniciou esse trabalho. Pediu à agência uma série de dados e criou uma comissão para fazer uma proposta de racionalização do ensino superior. Não sei a lógica, mas, provavelmente, será a dos cursos. Um exemplo: a Holanda tem uma única universidade que faz Agronomia; nós temos várias universidades e praticamente todos os politécnicos.

O que falhou?
Não houve uma especialização dos politécnicos. A ideia era que tivessem um funcionamento mais regional e que fornecessem mão-de-obra para as necessidades regionais, mas acabaram por oferecer mais ou menos o mesmo em todos. Nas universidades também. Neste momento está na moda o design, o turismo… e não dá, o mercado não absorve este número enorme de técnicos só numa área. Aí sim, devia haver alguma racionalização.

Nuno Crato quer reorganizar a rede de ensino superior já neste ano lectivo. Numa área com tantas sensibilidades e interesses, das autarquias às próprias instituições, isso é possível?
Certamente que o processo não será concluído num ano, mas tem que se começar o mais rapidamente possível até porque há problemas evidentes. Nos diversos países, isso tem sido feito de cima para baixo (na Dinamarca, o governo decidiu de um dia para o outro e disse "é assim") – ou criando situações que levam as instituições a reorganizarem-se. Na Holanda, havia um número enorme de escolas politécnicas e o governo disse que daqui a dois anos só financiaria as escolas que tivessem, faz de conta, dois mil alunos. Levou a que as instituições se aglomerassem e fundissem. Seria melhor criar condições para que as próprias instituições tivessem a iniciativa de racionalizar a rede do que impor.

Em tempos de magro financiamento, pode haver discriminação positiva a quem entre nesse processo voluntariamente?
É uma hipótese. Neste momento há outra coisa que é positiva: um número significativo de cursos que são oferecidos por várias instituições. Por um lado, racionaliza a rede; por outro, permite condições muito melhores em termos de corpo docente. Isso seria de incentivar.

Como se concilia a racionalidade com não tirar instituições a terras que pouco mais têm?
O primeiro problema é saber se a racionalidade é olhar para os dinheiros a curto prazo ou a médio/longo prazo. Encerrar uma instituição numa localidade do interior, a médio e longo prazo, pode ter efeitos muito mais negativos do que mantê-la. Noventa por cento dos alunos do secundário do distrito da Guarda concorreram em primeiro lugar a uma instituição do litoral. Há que eliminar essa tendência, mas não basta actuar no ensino superior. Houve países que utilizaram o ensino superior para desenvolver áreas complexas e difíceis de desenvolver. Um caso típico é a Finlândia: criou uma rede de universidades em sítios em que quase só há ursos brancos [risos]. Mas fê-lo para desenvolvimento regional.

As instituições poderão ter uma vida mais fácil se houver racionalização?
Poderá ser, mas os próximos anos vão ser difíceis. Não haverá recursos para se funcionar como se funciona hoje. Em 2016, teremos uma paisagem diferente.