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Desemprego em Setúbal "é como um tsunami"

13 dez, 2012 • Joana Bénard da Costa

Pároco da Igreja de Nossa Senhora da Conceição afirma que o tecido social está a ser destruído em Setúbal e fala de "uma epidemia silenciosa".

Desemprego em Setúbal "é como um tsunami"
Todos os dias aparecem caras novas no atendimento social da igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Setúbal. “A catástrofe começa a avançar, é como que um tsunami lento”, avisa o pároco da igreja, perante o aumento do número de famílias que deixa de ter dinheiro para viver. Ali perto, as ruínas de uma antiga fábrica de latas de conserva servem de abrigo para um número crescente de desempregados que ali vão construindo um abrigo onde não pagam renda nem têm água canalizada.
O padre Constantino Alves pede medidas urgentes que relancem o crescimento económico em Setúbal, onde há cada vez mais casais em que ambos os cônjuges estão desempregados. "É como um tsunami, lento ainda, mas a catástrofe está a avançar", alerta o pároco da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, perante o aumento do número de famílias que deixa de conseguir pagar a renda de casa e que têm de as abandonar.

Em Vila Maria, um bairro de lata que fica em frente ao rio Sado e à península de Tróia, a vista não condiz com as condições de vida das pessoas. A antiga fábrica de latas de conserva fechou no final da década de 80, na época das bandeiras negras e dos grandes movimentos de contestação em Setúbal. Hoje, serve de abrigo a famílias, na sua maioria de origem cabo-verdiana, em que marido e mulher deixaram de ter trabalho e tiveram de abandonar os apartamentos onde viviam. 

"Quem está no terreno, não apenas em reuniões de poder e nos gabinetes, percebe que a situação está a ficar intolerável", diz o padre Constantino Alves, que todos os dias vê "a fome estampada nos rostos das pessoas". O pároco considera que esta "epidemia silenciosa de desempregados" vai destruindo aos poucos o tecido social.  

Todos os dias aparecem caras novas no atendimento social da Igreja de Nossa Senhora da Conceição - são pessoas que já não vêm apenas de bairros problemáticos. Estas são famílias a quem já não sobra dinheiro para comer e alimentar os filhos.

Dois dias por semana, às 9h30, começa a funcionar o atendimento social da paróquia, onde uma fila de pessoas aguarda pela sua vez. No grupo há várias caras novas, como é caso de Vanda, que pela primeira vez está a pedir ajuda alimentar. Está desempregada, tal como o marido, e têm dois filhos.

Uma história em quase tudo idêntica à de Filipa e Marco. O único rendimento da família é o subsídio de desemprego, que apenas ele recebe: são menos de 400 euros para pagar uma renda de 300 e o resto das despesas.

O drama dos 40
Na Cova da Piedade, em Almada, distrito de Setúbal, as histórias de dificuldades e desemprego repetem-se. Carla e Isabel têm mais de 40 anos e estão sem trabalho.

Com três filhos, Carla passa pelo gabinete de Inserção Profissional do Centro Social e Paroquial Ricardo Gameiro para a apresentação periódica que é exigida aos desempregados. Há um ano tinha um ordenado confortável como directora de recursos humanos de uma multinacional. Ficou com o subsídio de desemprego, metade do que antes ganhava.

À Renascença, Carla explica que já teve de fazer várias mudanças com implicações a todos os níveis, "sobretudo emocionais". Foi a várias entrevistas, mas as ofertas são muito mais baixas do que o valor do subsídio de desemprego. 

Todos os dias aparece gente nova no Gabinete de Inserção Profissional do Centro Social e Paroquial Padre Ricardo Gameiro.  A responsável, Ana Lucrécio, diz que que há também muitos desempregados quase sem saídas. "A partir dos 40 é muito difícil, normalmente com essa idade tornam-se desempregados de longa duração."

Do desemprego à ajuda alimentar, o Centro Social e Paroquial tenta adequar as respostas aos novos tempos e criou também uma cantina social. Luís Correia, 41 anos, passa por ali diariamente para buscar o almoço. Deixou de ter dinheiro para a alimentação e há um mês que não paga a renda de casa. Saiu do restaurante onde trabalhava porque o dono deixou de lhe pagar o salário. Vai batendo a todas as portas, até agora sem sorte: "São 50 cães a um osso", desabafa.

No armazém do centro comunitário é distruibuída a ajuda do Banco Alimentar em géneros. No meio da azáfama, uma das responsáveis pelo centro, Adelaide Leite, revela que "há famílias inteiras desempregadas". "É muito preocupante, até porque têm crianças."

Na loja solidária, que vive de donativos e onde quem precisa pode ir buscar roupa à medida, a procura também aumentou. Maria da Piedade, voluntária, diz que nesta altura cerca de 180 famílias vão à loja para arranjar roupa, sobretudo para os filhos. Há seis meses rondava a centena.