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Uma visita guiada pelo céu

31 jan, 2012 • Rosário Silva

O céu alentejano é hoje parte do roteiro de muitos turistas fascinados pelas estrelas e pelo luar. A Renascença foi perceber o que há de diferente nestas viagens pelos corpos celestes. E esta é uma história que começa e acaba com Alberto Caeiro.

Uma visita guiada pelo céu
Alberto Caeiro nasceu na cabeça de Pessoa e deixou pensamentos a viver no coração de muitos. E não é por acaso: era homem – real ou heterónimo, não interessa – de palavras simples e certeiras. Como estas: “O luar através dos altos ramos, / Dizem os poetas todos que ele é mais / Que o luar através dos altos ramos”.
 
O fascínio pelo luar não se resume a objecto literário. Áurea Rodrigues, professora natural de Aveiro, descobriu no Alentejo que a lua através do telescópio é mais que a lua através da televisão.
 
“Uma coisa é vê-la numa fotografia ou na televisão, outra é vê-la num telescópio. Não tem nada que ver. Só mesmo experimentando é que a pessoa pode ter a noção”, conta Áurea Rodrigues à Renascença.
 
A professora de Aveiro descobriu no Alentejo um palco para o assombro. A “Dark Sky Alqueva”, tal como se designa, foi reconhecida como a primeira reserva do mundo a obter a certificação “Starlight Tourism Destination”, atribuída pela UNESCO e pela Organização Mundial do Turismo. O céu nocturno do Alqueva faz hoje parte do roteiro de muitos turistas arrebatados pelos corpos celestes.
 
“Só pelo facto de estar no silêncio - e a própria ambiência de paz -, já dá para esquecer o quotidiano. É como se entrasse num outro mundo”, precisa Áurea Rodrigues.
 
Uma visita guiada pelo céu
Victor Quinta também se apaixonou pelos céus alentejanos. A paixão pela astronomia começou aos 15 anos e nunca mais o largou.
 
Engenheiro civil de profissão, vem propositadamente de Lisboa ao Alentejo para se perder na imensidão de um céu escuro e estrelado. “Transmite um descanso mental muito grande e ajuda a esquecer os problemas do dia-a-dia, com o desejo de ver cada vez mais longe”, diz.
 
Mais experiente, Guilherme de Almeida começou a observar o céu em 1966, altura em que também construiu o primeiro telescópio. Professor de Física, hoje aposentado, é ainda autor de várias obras que pretendem mostrar como se pode conhecer o céu. É também membro da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores, que tem cerca de mil sócios.
 
Impulsionador da “Rota Dark Sky”, Guilherme de Almeida conta à Renascença como é possível efectuar uma visita guiada pelo céu a partir da terra. “Utiliza-se um laser verde, que traça um feixe muito fino, que permite apontar as estrelas. Nós vamos mostrando às pessoas as constelações, as estrelas, as suas histórias, apontando planetas e depois utilizamos os telescópios e os binóculos até termos acesso aos objectos do céu profundo. Cada uma das fases é acompanhada de novas surpresas e novos deslumbramentos”, assegura. 
 
Há também algumas curiosidades, sobretudo quando a realidade se confunde com a ficção. “Quando as pessoas estão a observar planetas, nomeadamente Júpiter e Saturno, por vezes acontece que não acreditam que estão a ver o planeta e pensam que existe um ‘slide’ escondido dentro do telescópio. Aqui, o céu mostra-se em todo o seu esplendor”, garante Guilherme de Almeida.
 
“Lá fora há um sossego”
Para os empresários envolvidos neste projecto, a certificação “Starlight” “é um orgulho”. Dizem que “espelha o enorme esforço de um grupo de pessoas unidas pelo imaginário e pelo sonho”.
 
“Como o nome inglês indica, é uma reserva de céu escuro e o nosso objectivo é criar um produto turístico em torno da observação do céu que não passe apenas por actividades ligadas à astronomia”, esclarece Apolónia Rodrigues, presidente da Genuineland – Rede de Turismo de Aldeia do Alentejo.
 
Assim, nesta reserva cabem também actividades como passeios a cavalo, passeios pedestres, canoagem, observação das estrelas, “birdwatching” (observação de aves), entre outras. “Tudo realizado à noite, para que se possa usufruir de um céu esplendoroso como é o nosso”, afirma a coordenadora do projecto, que abrange os municípios de Portel, Reguengos de Monsaraz, Alandroal, Mourão, Moura e Barrancos, assim como a Turismo Terras do Grande Lago, a EDIA - empresa que gere o Alqueva - e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.
 
O projecto “Dark Sky” alterou a forma habitual de fazer turismo neste espaço rural. Os horários mudaram e, com eles, a rotina. A noite deixou de ser apenas para dormir, mas, como disse Caeiro, “lá fora há um sossego como se nada existisse”.