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Desemprego

“Estado deve ser a locomotiva, mas recua enquanto pede ajuda aos portugueses”

01 jun, 2015 • Ricardo Vieira

O investigador Jorge Caleiras olhou para lá dos números do desemprego e encontrou novos pobres, um “ciclo vicioso” de precariedade e “mau emprego”. O aumento de pessoas sem trabalho “devia causar alguns calafrios a quem for dotado de sensibilidade mínima”, diz.

“Estado deve ser a locomotiva, mas recua enquanto pede ajuda aos portugueses”
O desemprego é um dos maiores problemas que o país enfrenta e o Estado “recua no momento em que pede mais ajuda” aos portugueses, acusa o investigador Jorge Caleiras, autor do livro “Para lá dos números - As consequências pessoais do desemprego”.

Num período em que Portugal regista taxas de desemprego historicamente elevadas, empresários e famílias devem “chegar-se à frente”, mas o Estado tem que ser a “locomotiva para puxar” pela economia e pelo investimento, defende o doutorado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

“Não há soluções mágicas. O crescimento económico é que vai criar emprego e para haver crescimento tem que haver investimento, tanto privado quanto público. Entendo que nestes momentos de crise o investimento público deve servir como uma espécie de locomotiva, até para dar exemplo ao sector privado.”

O mau emprego
Quadro superior do Instituto de Segurança Social, Jorge Caleiras explica que foram os números a espoletar a sua investigação.

“Nós temos um desemprego que passou da casa dos 4%, no início dos anos 2000, para valores acima dos 17% até à relativamente pouco tempo [2013]. Logo isto significa que o desemprego, em pouco mais de dez anos, mais do que quadruplicou e isto devia causar alguns calafrios a quem for dotado de sensibilidade mínima. Quanto a mim, confesso que os senti.”

A taxa de desemprego tem vindo a cair desde o pico de 2013, mas o investigador alerta para outro problema: a qualidade do emprego que está a ser criado em Portugal.

“Ainda que nos meses mais recentes se possa até falar na criação líquida de emprego, aí a discussão tem de ser outra. Nós observamos alguns empregos que ainda assim vão sendo criados e que emprego é esse? É aquilo que eu designo por mau emprego”, adverte.

Para Jorge Caleiras, trata-se de “emprego desqualificado, precário, mal remunerado, sem protecção social associada e quando os salários recebidos muitas vezes não chegam para cortar com este ciclo de pobreza”.

E identifica um “ciclo vicioso” que afecta, sobretudo, uma camada mais jovem da população em idade activa.

“É uma espécie de desemprego repetitivo, que alterna entre um momento de desemprego, uma reentrada no mercado de trabalho com um vínculo muito precário e com um salário mais baixo, depois uma nova recaída no desemprego, uma nova reentrada no mercado de trabalho com um vínculo ainda mais precário e com uma remuneração ainda mais baixa. Este ciclo repetitivo, cada vez mais notório, sobretudo, entre os desempregados mais jovens.”
O papel do Estado, sublinha, é mais uma vez “fundamental também na regulação, porque a desregulação do mercado de trabalho só trouxe mais desemprego”.

Para lá dos números, os novos pobres
Na investigação académica de cinco anos que resultou no livro “Para lá dos números - As consequências pessoais do desemprego” (Edição Almedina/CES), Jorge Caleiras foi ao encontro das pessoas que estão do outro lado das estatísticas e das folhas de Excel.

Olhou para o problema de várias perspectivas. Falou com dezenas de desempregados, mas também com empresários, autarcas, dirigentes e técnicos do Instituto de Emprego e Formação Profissional, dos serviços públicos da Segurança Social e com as redes sociais.

No trabalho concluído em finais de 2011, já com a “troika” em Portugal, encontrou novos pobres, “apanhados num contexto extremo de dificuldades de vida”, em que “muitas vezes o que fala mais alto é o silêncio, a vergonha e não acedem a alguns apoios que, ainda assim, vão existindo”, como o rendimento de inserção social (RSI).

Encontrou também casos dramáticos de pessoas sem direito ao subsídio de desemprego, incluindo casais que caíram fora da rede de protecção pública.

Sem acesso a apoios sociais, tiveram de encontrar “amortecedores” para os efeitos da falta de trabalho. Entre esses mecanismos de subsistência alternativos estão: a família, amigos, economia informal, venda de património e, sobretudo no caso dos desempregados mais jovens, fazer as malas e emigrar.

“É nessa medida que eu chamo a muitas situações de pobreza que decorrem do desemprego uma pobreza suave e integrada. Ela é suave, porque é amortecida por aquelas estratégias engenhosamente combinadas e que servem de apoio e permitem essa suavização. E são integradas porque, apesar de tudo, não há um efeito de exclusão como é observável, por exemplo, nos países do Centro e do Norte da Europa. Nós temos aqui em Portugal os pobres lado a lado, são nossos vizinhos. O nosso vizinho está desempregado e, no entanto, ele não é necessariamente um cidadão excluído. Ele é, sobretudo, pobre.”

Perfil
Jorge Caleiras é doutorado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e quadro superior do Instituto da Segurança Social. Tem desenvolvido investigação e publicado nas áreas do mercado de trabalho, da pobreza e exclusão social, e das políticas sociais e de emprego.