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"Abdul" arguido. O açoriano que dizia querer ir para a jihad

29 jan, 2015 • Celso Paiva Sol e Filipe d'Avillez

Dizia que não queria combater, mas ir trabalhar para o hospital em Raqqa e ajudar a causa do Estado Islâmico. A PJ interrogou-o e concluiu que "Abdul" não tinha reais intenções de viajar para a Síria.

A Polícia Judiciária (PJ) constituiu arguido um homem, com cerca de 50 anos, residente na ilha açoriana da Terceira, que nos últimos meses afirmou simpatia pela causa jihadista e anunciou nas redes sociais que pretendia viajar para a Síria.

Das conversas que tiveram com esse homem, os especialistas de contra-terrorismo da PJ concluíram não haver qualquer ligação com o autodenominado Estado Islâmico, nem planos para passar à prática aquilo que ia afirmando na Internet, onde assumia o nome "Abdul".

Foi na sequência da monitorização constante que é feita aos circuitos "online" mais utilizados pelas redes terroristas que a PJ decidiu agir neste caso.

No início deste mês, na sequência de um inquérito aberto pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), inspectores da Unidade Nacional contra Terrorismo estiveram na Terceira, onde interrogaram o indivíduo.

Foi constituído arguido, ficando sujeito a Termo de Identidade e Residência, mas, ao que a Renascença apurou, nunca foi detido, nem levado a qualquer juiz ou tribunal, como chegou a ser noticiado esta quinta-feira pelo "Expresso", quando revelou este caso.

Os interrogatórios terão sido suficientes para concluir que, apesar de tudo o que foi escrevendo nas redes sociais, este homem nunca teve contactos com radicais islâmicos, nem tinha reais intenções de viajar para a Síria.

Os investigadores acreditam que tem agido num quadro emocionalmente instável.

À Renascença, a Procuradoria-Geral da República confirmou "a existência de inquéritos, a correr termos no DCIAP, que têm por objecto a investigação de factos relacionados com o denominado Estado Islâmico". Entre estes inquéritos, que se encontram em segredo de justiça, "há um que investiga actividades desenvolvidas nos Açores".

Lajes, antiamericanismo e Palestina
"Abdul" é pai de família, adepto de futebol e tem conhecimentos de primeiros socorros. Tudo isto era do conhecimento dos seus amigos e família, mas este açoriano dizia nas redes sociais ter um segredo: convertera-se ao islão e alimentava o sonho de se juntar à jihad na Síria, onde aplicaria os seus conhecimentos de primeiros socorros. 

Nas redes sociais dizia que a conversão ao islão foi motivada em grande parte por um sentimento antiamericano, consolidado pelo que dizia ser o sofrimento do povo palestiniano e o que entendia ser uma política externa desastrosa e arrogante de Washington, sobretudo no mundo islâmico.

A presença americana nos Açores, na base das Lajes, era uma questão particularmente sensível para "Abdul".

Converteu-se em segredo – ninguém na família sabia – e praticava a religião em segredo também. Esteve apenas uma vez na Mesquita Central de Lisboa, durante uma visita à capital, mas compensava essa solidão na internet, através de perfis criados com o nome que assumiu, tanto no Twitter como no Facebook.

Na sua página de Facebook, dizia querer juntar-se à jihad e postava mensagens de apoio ao autodenominado Estado Islâmico. "Abdul" criou várias amizades "online", incluindo entre os jihadistas portugueses que se encontravam na Síria e falava abertamente com eles.

Queria ir para a Síria, nomeadamente para Raqqa, a "capital" do Estado Islâmico, não para combater, mas para trabalhar no hospital e assim contribuir para a causa.

A sua viagem, ao que a Renascença sabe, estava supostamente a ser organizada por uma portuguesa com quem mantinha contacto nas redes sociais.

No início de Janeiro, "Abdul" terá sido confrontado pelas autoridades e começou a ser contactado por jornalistas que tinham na sua posse dados pessoais que apenas tinha revelado aos "irmãos" que estavam na Síria e à referida portuguesa que estava a tratar das viagens. O seu mundo desabou.

Certo de que alguém o tinha traído, desactivou a conta de "Abdul" no Facebook, mas era tarde demais. Identificado pelas autoridades e por jornalistas, era uma questão de tempo até a história emergir.

O controlo dos jihadistas e simpatizantes da jihad foi tema da última edição do programa "Em Nome da Lei" da Renascença. Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna e presidente do Observatório de Segurança e Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), defendeu que o Ministério Público já devia ter instaurado processos-crime contra os portugueses que são membros da jihad.