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Romance EUA-Portugal nas Lajes. Conta-me como foi

24 jan, 2015 • José Pedro Frazão

Investigador Luís Nuno Rodrigues ajuda a perceber como foram as relações entre Portugal e Estados Unidos no que diz respeito à base das Lajes.

Romance EUA-Portugal nas Lajes. Conta-me como foi

Numa altura em que os Estados Unidos se preparam para retirar a maioria do pessoal da base das Lajes, nos Açores, a Renascença falou com Luís Nuno Rodrigues, doutorado em História Americana.

O investigador do ISCTE, especialista nas relações entre Portugal e os Estados Unidos, explica que importância teve a base das Lajes para os americanos. Uma entrevista onde se exploram caminhos alternativos na relação entre Portugal e Estados Unidos.

Aconteça o que acontecer com as Lajes, Portugal conta muito ou pouco para os Estados Unidos?
Do ponto de vista estratégico, Portugal tem uma importância no relacionamento com os Estados Unidos que, até agora, lhe advinha sobretudo da utilização da base das Lajes pelos Estados Unidos. Com a mudança da política externa dos Estados Unidos, com uma fase de retraimento do envolvimento internacional dos norte-americanos, essa importância estratégica tende a diminuir, embora não desapareça totalmente. Na verdade, os Estados Unidos não vão abandonar mas reduzir substancialmente a sua presença militar na Base das Lajes. A própria localização geográfica das Lajes e dos Açores, mesmo com os avanços técnicos e tecnológicos, continua a fazer de Portugal um país de importância considerável para os Estados Unidos.

Podemos falar do fim de um ciclo que começou com a instalação da base das Lajes e com o acordo para a utilização americana?
Do ponto de vista histórico, foi uma base fundamental para os Estados Unidos sobretudo no período da Guerra Fria. Os EUA estão no arquipélago dos Açores desde a II Guerra Mundial. Começaram por estar em Santa Maria e os britânicos estavam nas Lajes, Ilha Terceira. Após a II Guerra Mundial, os EUA estabeleceram-se na base das Lajes, onde estão até hoje.

Esse relacionamento entre os dois países em torno da base das Lajes foi passando por vários ciclos. O primeiro foi o período da Guerra Fria. Depois, o período pós-Guerra Fria em que, apesar de tudo, os EUA mantiveram a sua presença nas Lajes e foram renovando os acordos nos anos 80 e depois em 1995 com o Estado português. Não tenho certeza que este seja um fim de ciclo. É concerteza um retraimento, uma redução do envolvimento dos EUA nos Açores. Do ponto de vista internacional, com a fase volátil que atravessamos, com acontecimentos até inesperados que recuperam velhas dinâmicas, não é de pôr de lado que a base das Lajes venha a recuperar mais importância.

Mas era a "ponte" fundamental entre Portugal e os Estados Unidos. Os pilares dessa ponte assentavam muito nessa base.
Foi fundamental durante a II Guerra Mundial, numa conjuntura muito particular. Mesmo terminado o conflito, assim que emerge a Guerra Fria, os Estados Unidos estão cientes da importância que os Açores têm do ponto de vista estratégico. Em grande medida, a importância da base das Lajes foi um trunfo utilizado pela diplomacia no Estado Novo para garantir alguns apoios internacionais. Foi importante para garantir que as potências ocidentais aceitassem aquela "ditadura anacrónica" no concerto internacional das nações.

Sem Lajes, teria sido difícil a adesão à NATO?
O convite que é dirigido a Portugal para ser membro fundador da Aliança Atlântica justifica-se em grande medida pela importância estratégica da base das Lajes.

Em democracia, que ganhos houve, em termos comparativos, para Portugal?
Há aqui uma diferença fundamental. Nesse sentido a mudança não tem tanto a ver com a mudança da ditadura para a democracia. Há uma mudança grande no principio dos anos 70, já durante o Governo de Marcelo Caetano porque nas negociações que acabam por conduzir à renegociação do acordo das Lajes, o Estado português aceita pela primeira vez contrapartidas financeiras pela cedência da utilização da Base. Durante muito tempo , por várias décadas, as contrapartidas foram sobretudo políticas. E passaram pela não hostilização frontal ao regime do Estado Novo. E por outro lado por uma certa complacência dos norte-americanos relativamente à manutenção do império colonial. Nos anos 70, com Marcelo Caetano, as negociações são já conduzidas tendo em vista determinadas contrapartidas financeiras, como empréstimos, créditos, etc.. A seguir ao 25 de Abril a tendência continuou a ser essa. Aqui as contrapartidas políticas já não seriam as mais relevantes.

Este acordo das Lajes encontrou sempre muitas reticências no Senado americano. Não é propriamente um tratado, mas um acordo com uma componente militar, entre outros aspectos.
Isso foi historicamente muito sensível nas negociações que levaram ao acordo de 1971. A Administração Nixon recusou-se a apresentar esse acordo para ratificação no Senado, como se fosse um tratado, alegando que a base dos Açores era uma instalação NATO e que o acordo tinha sido assinado no âmbito da Aliança Atlântica. Isso causou uma reacção nalguns sectores do Congresso. Na altura, a administração Nixon foi acusada de estar a ajudar um governo não-democrático e colonial. Essa divergência entre a Casa Branca de Nixon e o Senado também se explica pelo contexto de relações mais tensas entre a presidência norte-americana e o órgão legislativo.

A própria revisão do acordo foi sendo adiada.
Foi sendo adiada por diversas vezes durante o Estado Novo. A estratégia seguida pelo Governo português foi a de utilizar as negociações a propósito dos Açores para obter essas contrapartidas mais políticas. Quando na política seguida pelos EUA havia algum desagrado por parte do Governo português, as negociações por vezes prolongavam-se e foram adiadas. Deu-se mesmo o caso do acordo assinado em 1957 e que estava para renovação em 1962 não ter sido renovado. Na prática, os Estados Unidos estiveram nas Lajes entre 1957 e 1971 com um acordo tácito. No início dos anos 60, durante o período da administração Kennedy, os norte-americanos adoptaram uma política favorável à autodeterminação e independência dos territórios africanos. Isso chocou formalmente com a política portuguesa. Em 1961, Portugal começou a guerra em Angola e, nas negociações que se travaram nessa altura, o Governo português recusou-se mesmo a renovar o acordo enquanto os Estados Unidos não moderassem a sua posição em relação à política colonial portuguesa.

De que forma foi definido o aproveitamento da base sob chapéu da Nato?
O problema nas negociações foi sempre a utilização da base das Lajes em tempo de paz. Sendo Portugal um país membro da NATO, o acordado a partir de 1951 é que, em caso de guerra, a utilização seria automática.

Depois do fim da Guerra Fria, a base das Lajes esteve cerca de 20 anos quase no mesmo "registo".
É verdade. Mas a grande mudança de política externa dos Estados Unidos está a surgir agora. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos não reduziram o seu protagonismo e o seu intervencionismo em termos internacionais. Muito pelo contrário, logo após o final da Guerra Fria temos a primeira Guerra do Golfo e depois a intervenção nos Balcãs ao longo da década de 90. Após o final da Guerra Fria, assistimos a um momento unipolar em que os Estados Unidos assumem uma posição de quase exclusiva preponderância no sistema internacional. Não há nessa fase este retraimento, este recuo estratégico que de alguma forma se está a assistir por parte dos Estados Unidos e que se justifica por factores muito diversos. Desde logo por motivos de ordem financeira, poupanças que é necessário fazer. É também uma reacção de Obama aquilo que se passou na administração Bush e que muitos pensaram ser um envolvimento excessivo dos Estados Unidos no exterior. E por outro lado, também pelo facto dos Estados Unidos terem definido, como disse Hillary Clinton, que o próximo século será do Pacífico. As opções de política externa dos Estados Unidos parecem muito mais viradas para o Pacífico do que para a Europa. Pensou-se que estes recentes acontecimentos na Ucrânia pudessem revalorizar a presença americana nos Açores e pudessem alterar esta decisão - que é de 2012 mas só agora oficializada. Mas a mudança está aí e o recuo dos Estados Unidos não acontece só nas Lajes, mas também noutras bases americanas no continente europeu que vão conhecer esta redução de pessoal.

Mas os EUA estão empenhados em muitas operações do lado de cá do Atlântico.
Há uma prioridade colocada agora de forma diferente no Pacífico. As preocupações com a comunidade transatlântica não desaparecem e por isso os EUA continuam presentes. Mas há um outro factor que convém ter em conta. Por via dos progressos tecnológicos, a necessidade de reabastecer a meio da navegação aérea transatlântica é menor. Outros meios de fazer a guerra, como o uso de "drones", têm sido mais frequentes.

Se a base das Lajes perder o peso que na relação entre Portugal e os Estados Unidos, o que é que passa a contar mais em termos bilaterais?
Portugal vai ter que saber cultivar uma relação com os Estados Unidos que não esteja assente apenas e exclusivamente na importância da base das Lajes. Essa relação terá que passar em grande medidas pelas comunidades portuguesas e luso-descendentes nos Estados Unidos. Isso é um componente fundamental de um relacionamento bilateral. Obviamente que nos tempos que correm a componente económica e das trocas comerciais é fundamental. Portugal tem que saber diversificar as componentes da sua relação com os Estados Unidos, como o lado científico, cultural e educacional.