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Reformados do Metro de Lisboa "traídos". "Falta-me pouco para ser sem-abrigo"

13 nov, 2014 • Ricardo Vieira e Joana Bourgard (fotos)

Cortaram-lhes o complemento de reforma com que contavam quando saíram da Metro. Vítor paga as contas e fica sem nada. Custódio contraiu dívidas para pagar dívidas. Tiago invocou a qualidade de "primo" para escrever a Passos Coelho. Falta-lhe "pouco para ser um sem-abrigo".

Reformados do Metro de Lisboa "traídos". "Falta-me pouco para ser sem-abrigo"
Tiago Coelho - trabalhadores do metropolitano de Lisboa reformaram-se antecipadamente com a promessa de receberem a totalidade da reforma mas agora levaram uma redução que pode ir dos 40% até aos 60%
Vítor perdeu "metade" da vida e levou um "corte de 50%". O dinheiro só paga as despesas essenciais. Custódio também ficou sem metade da reforma e já empenhou o ouro que tinha. Tiago sente-se um pedinte a quem "falta pouco para ser um sem-abrigo". São antigos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa que, de um dia para o outro, perderam metade da reforma e entraram em modo de sobrevivência.

O Governo suspendeu, no início do ano, o complemento a quem aceitou ir para a reforma antecipada ao abrigo de um acordo de empresa datado de 1971. A medida correspondeu a cortes entre os 40% e os 60% nas reformas dos funcionários.

A situação tornou-se bandeira dos trabalhadores do Metro, que voltam à luta esta quinta-feira, dia de greve. Na proposta de OE de 2015 nada muda.

As contas do antigo trabalhador Tiago Coelho são fáceis de fazer, mas difíceis de aceitar: "Tiraram-nos o tapete e eu estou a perder cerca de 54% da minha reforma". O que ganha não chega para pagar as contas. Tem-lhe valido a ajuda de uma cunhada, que, "normalmente, empresta 300 euros por mês, há já cerca de seis meses".

"Sempre tentei levar uma vida razoável, com trabalho, honestamente, de forma a que tivesse uma velhice minimamente decente e estou aqui numa situação em que pareço um pedinte. Falta pouco para ser um sem-abrigo. É triste", desabafa Tiago.

Era "encarregado do movimento" na central do Metro e gostava do que fazia. Há cinco anos, foi convidado a sair e só aceitou porque a penalização na reforma era compensada pelo suplemento.

Sem este suplemento, sente-se traído, revoltado e não se conforma com o que considera ser uma "quebra de confiança brutal". Aos 62 anos, metade dos quais passados a trabalhar entre comboios e carris, os problemas perseguem os pensamentos. Tiago passou a tomar antidepressivos e as poucas horas que dorme devem-se a um comprimido.

"Caro primo"
Tiago Coelho partilha o apelido com o primeiro-ministro e algo mais. Garante ter laços familiares com Pedro Passos Coelho, a quem escreveu uma carta a dizer o que lhe vai na alma.

"Ele é meu primo. A minha mãe é prima direita da mãe dele. Posso ler um bocadinho da carta, que terminava: ‘Devia ter orgulho em ter um primeiro-ministro familiar, um primeiro-ministro de Portugal, mas tenho vergonha’. Acabava assim. Eu não me importo de isto ir para o ar, mandem-me prender se quiserem, mas as pessoas têm que ser honestas e o que falta naquelas pessoas é honestidade."


Tiago Coelho pede "honestidade" aos políticos

A missiva começava com "caro primo". Seguiam-se páginas de relato do descontentamento pela situação dos reformados do Metro, incluindo a de um amigo que já perdeu a casa e teve que ir viver com os pais idosos.

Recebeu uma primeira resposta "sem qualquer fundamento": "O excelentíssimo senhor primeiro-ministro leu a sua carta e enviou a carta para o ministro da Economia", conta Tiago Coelho. Não recebeu resposta de Pires de Lima.

A Renascença também continua a aguardar a resposta do Governo. Já a administração do Metro de Lisboa reafirma, por e-mail, que "está a cumprir o disposto na lei" em relação aos cortes dos suplementos de reforma.

A luta de Vítor
Esteve no Ultramar, ficou ferido em combate e ainda não encontrou paz. Vítor Cortes debate-se com stress pós-traumático de guerra, mas não conseguiu a reforma por invalidez. Por isso, aceitou o convite do Metro de Lisboa e foi para a pré-reforma com o respectivo suplemento.


"É metade da minha vida", diz Vítor Cortes

Para este antigo responsável pela área gráfica da empresa estatal, a suspensão do suplemento representa menos "900 a mil euros" no fim do mês.

"É metade da minha vida. Levo um corte de 50%, O dinheiro que recebo da Segurança Social, da outra parte, é só para pagar as despesas, depois não fica dinheiro para mais nada", contabiliza Vitor, que faz 65 anos em Dezembro e começou a trabalhar aos 11.

Depois de três décadas no Metro e 43 anos de descontos, financeiramente, vive no fio da navalha. Fez um pedido ao banco de carência da prestação da casa, mas agora tem de pagar o IRS. Admite que, se acontecer mais alguma situação inesperada, "não há dinheiro para nada".

Vítor está preocupado com a sua situação e com a dos outros colegas do Metropolitano, que também foram "espoliados" de metade do ordenado. "Não têm hipóteses nenhumas de sobrevivência. Segundo eu sei, já houve vários casos de colegas nossos que lhe deram AVC, porque não têm com que se governar, não têm dinheiro para pagar as despesas e aquilo mexe com as pessoas", conta. 

Lamenta o silêncio da administração da empresa. Mas, diz, "se houver justiça neste país", há "que ter esperança" em relação às acções individuais e providências cautelares que foram interpostas.

Vítor faz também um apelo aos juízes do Tribunal Constitucional, que deixaram passar o corte dos suplementos no Orçamento deste ano: se forem novamente chamados a pronunciar-se, "tenham mais atenção e façam justiça aos reformados do Metropolitano".

O ouro no prego
Orçados em cerca de 25 milhões de euros por ano, os suplementos de reforma abrangem cerca de 5.600 trabalhadores do Metro de Lisboa e também da Carris.


"Como é que eu vivo?", pergunta Custódio Sousa

Custódio Sousa é um deles. Há 40 anos, respondeu a um anúncio no jornal a pedir serralheiros. Foi o início de três décadas de trabalho no Metropolitano.

A despedida aconteceu em 2003, quando foi convidado a ir para a pré-reforma sem sofrer penalizações. "Pensei que ou aceitava ou ia calcar brita com uma picareta ou carregar carris. Que ‘diacho’, tive receio, tive medo e acabei por aceitar", recorda. 

Com 43 anos de descontos, Custódio sente-se frustrado e enganado: nunca o avisaram que um dia podia perder o complemento de reforma.

Com a suspensão do complemento, ficou sem metade da reforma. Só recebe "à volta de 700 a 600 e tal euros por mês". Cerca de 400 euros vão logo para a prestação da casa.

O rendimento da mulher é uma ajuda, mas não chega. Custódio, 66 anos, pai de seis filhos, faz o que pode para saldar as dívidas. Pôs ouro no prego e já teve que recorrer ao crédito.

"Como as coisas estavam difíceis desde que eles me criaram esta situação, já tive que pedir dinheiro, tive que me empenhar, tenho o meu ouro empenhado. Podem ir ao Banif saber se me empenhei ou não para pagar o IRS, pregaram-me com 1.900 e tal euros de IRS, são quase 400 contos. Depois, como é que eu vivo?"