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Portugal não está preparado "para prevenir exploração sexual de crianças na internet"

30 set, 2014 • Carolina Rico

A presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança defende que Portugal devia adoptar uma "legislação progressista" para combater a o problema.

Portugal não está preparado "para prevenir exploração sexual de crianças na internet"
A presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Dulce Rocha considera que "ainda há uma enorme falta de consciencialização dos riscos por parte das autoridades e órgãos de decisão portugueses", no que diz respeito à exploração sexual de crianças na internet.

Em entrevista à Renascença, Dulce Rocha afirma que as autoridades portuguesas não estão devidamente preparadas para lidar com o problema devido à "falta de acções de sensibilização e formação especializada".

Dulce Rocha vai estar presente, esta terça-feira, no lançamento do livro "A Exploração Sexual de Crianças no Ciberespaço", do procurador Manuel Aires Magriço, uma obra que "vem colmatar uma lacuna de informação" entre investigadores criminais.

Este livro técnico-jurídico, resultante de uma tese de mestrado, explora casos específicos e deixa várias recomendações para ajudar o trabalho das autoridades e de magistrados que tenham a seu cargo a investigação deste tipo de crimes.

Num aspecto, tanto Dulce Rocha como Manuel Aires Magriço estão de acordo: para combater a exploração sexual de crianças na internet em Portugal deviam ser feitas várias alterações legislativas.

Os websites com pornografia infantil estão a aumentar, diz Dulce Rocha, motivo pelo qual Portugal devia, à semelhança de outros países, adoptar uma "legislação mais progressista que permita respostas concretas, adequadas e viáveis" para o problema.

"Na Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, já existe uma forma de auto-regulação: foram estabelecidos protocolos entre a polícia a Google, que permitem o bloqueio e proibição de páginas electrónicas" com conteúdos de pornografia infantil.

Quando o predador se torna presa
A medida segue uma directiva europeia de 2011 que Portugal devia também adoptar, defende Dulce Rocha. "Alguns dos nossos casos só foram abertos porque a Alemanha, que conseguiu identificar alguns agressores em Portugal, nos comunicou", relata.

A Polícia Judiciária investigou 71 pessoas por pornografia de menores desde que o crime foi tipificado, em 2007, mas apenas cinco casos resultaram de investigações iniciadas em Portugal.

"No nosso país, ainda não é possível fazer acções de prevenção. Tem que haver uma suspeita concreta sobre aquela pessoa, enquanto em alguns países é possível fazer buscas aleatórias e localizar perdedores sexuais através dos cartões de crédito e débito", diz a presidente do IAC.

Veja-se também o exemplo de "Sweetie", a menina virtual criada por uma ONG holandesa para aliciar eventuais pedófilos. Em apenas 10 semanas, caíram na armadilha cerca de 20 mil adultos, que assediaram o que pensavam ser uma criança verdadeira.

Mais de mil pedófilos foram localizadas e denunciados à Interpol graças a este software. Três dos "apanhados" eram portugueses. No entanto, a "Sweetie" não pode ser apresentada como prova válida num processo criminal em Portugal, por se considerar que houve um papel activo de "provocação".

Controlar as acções online de potenciais abusadores sem suspeita prévia é considerado por muitos uma violação da vida privada, mas é um mecanismo necessário, argumenta Dulce Rocha. "Sem colidir com os direitos fundamentais, e dada a gravidade da situação, tem de ser velada a protecção das crianças, não impedindo a investigação" para identificar agressores no ciberespaço.

"O silêncio é a arma dos agressores"
O ciberespaço não tem de ser um território sem lei, considera a presidente executiva do IAC. Por se tratar de "um crime cometido entre quatro paredes", o assédio sexual de crianças na internet pode passar despercebido a pais e autoridades.

Se, por um lado, "as crianças podem estar sossegadas no quarto e estar a ser vítimas deste crime sem que ninguém se aperceba", pais e menores raramente apresentam queixa à polícia, "o que cria uma falsa sensação de que não existe perigo".

É, por este motivo, importante que as crianças tenham uma boa relação com os pais e saibam que podem recorrer às autoridades caso se sintam assediadas e chantageadas na internet.

"Os pais têm de estar vigilantes e promover o diálogo com os filhos, mas a impunidade só existirá se não houver denúncia, pelo que todas as crianças devem estar seguras que mecanismos para as proteger".

O lançamento do livro "A Exploração Sexual de Crianças no Ciberespaço" é promovido pela Alêtheia Editores e pelo Centro de Estudos Judiciários.

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