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Dilúvio em Lisboa. Meteorologia explica o que se passou com as previsões

23 set, 2014 • José Pedro Frazão

Director de Meteorologia do IPMA garante que a Protecção Civil Nacional foi avisada da previsão de uma precipitação intensa em Lisboa. Pedro Viterbo diz que os meteorologistas do IPMA fazem o que podem, com a melhor tecnologia que têm face a um clima atípico.

Dilúvio em Lisboa. Meteorologia explica o que se passou com as previsões

Setembro não está a facilitar a tarefa aos meteorologistas. Em entrevista à Renascença, o director de Meteorologia do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Pedro Viterbo, explica que 2014 está a ser um ano muito atípico, mas isso não quer dizer que o IPMA não antecipe chuvadas massivas sobre Lisboa.

Pedro Viterbo garante que a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) foi avisada por telefone às 13h00 desta segunda-feira. A ANPC confirmou à Renascença que esse aviso foi transmitido 10 minutos depois ao Comando Distrital de Lisboa. Estas são as explicações do IPMA sobre um dia de dilúvio na capital.

O IPMA avisou ou não a Autoridade Nacional de Protecção Civil para a possibilidade de precipitação forte?
Fizemos aquilo que a tecnologia que nós temos neste momento e que [é utilizada] nos países em geral, nos serviços europeus e americanos. Tecnologia “state-of-the-art”. Tivemos um alerta amarelo de manhã, para precipitação acima do normal. Poucos minutos depois das 13h00, os meus colegas que estavam a fazer a previsão verificaram que havia uma linha de crescimento de precipitação e de intensificação de movimento vertical que estava a crescer muito rapidamente. Nessa altura foi comunicado, por telefone, à Protecção Civil que vinha aí essa linha de grande intensidade de precipitação. Mas não sabíamos de qualquer maneira – dado que a linha estava a deslocar-se e a intensificar-se - onde é que ela ia depositar a precipitação em Lisboa. Nem exactamente a quantidade de precipitação. 

Houve um aviso à Protecção Civil nacional ou local?
Nós lançamos avisos que vão directamente para a Protecção Civil nacional que depois os divulga para as Protecções Civis locais.

Na escala da meteorologia isso correspondia a um aviso amarelo?
Mais do que amarelo, porque já tínhamos um aviso amarelo desde a manhã. A necessidade de o intensificar surgiu quando vimos que havia uma forma a crescer no radar.

Por isso, o próprio IPMA elevou para nível laranja os avisos meteorológicos?
Não. Não o fizemos. Nós não elevámos o nível de aviso. Simplesmente comunicámos à Protecção Civil antes de elevar o nível do aviso, dizendo que vinha aí qualquer coisa que era potencialmente perigosa.

A situação desta segunda-feira, inclusive ao nível da comunicação, vai ser estudada? Vai haver alguma reunião para perceber se os procedimentos foram correctos?
Amanhã [terça-feira]faremos um “debriefing”( reunião de análise). Nestas situações fazemos sempre o “debriefing”. Aquilo que sobretudo nos importa é saber - quando não temos a antecipação que gostaríamos de ter - se poderíamos ter feito melhor. Vai haver uma reunião connosco e com a Protecção Civil. Falamos com a Protecção Civil todos os dias, por videoconferência. Amanhã [esta terça-feira] até é presencial, nós vamos lá. Vai haver com certeza esse debate.

Vão analisar o que correu bem ou mal?
Exactamente.

Qual foi a intensidade da precipitação em Lisboa?
Nós temos aqui um problema. Para uma situação deste género, bastante limitada no tempo e no espaço, precisávamos de uma rede muito mais densa do que aquela que temos. O que vemos no radar é a geometria da chuva, onde é que ela está. Não temos a intensidade com a precisão que gostaríamos de ter. Nós temos quatro estações que registaram [a precipitação], três no concelho de Lisboa. A [estação da] Gago Coutinho foi aquela que registou maior precipitação com 18,7 milímetros, em menos de uma hora teve 17 milímetros. Dezassete milímetros de precipitação é um valor bastante forte. [Na estação do Instituto Geofísico] na Rua da Escola Politécnica teve 13 milímetros e nas Amoreiras teve 8 milímetros. Só estes três números mostram que há pelo menos uma razão de 1 para 2 entre o valor da precipitação mais baixa e mais alta. Está a ver a dificuldade com que nós nos confrontamos para estimar uma precipitação? Oito milímetros, provavelmente, não fariam os danos da Praça de Espanha.

Isto tem a ver com a dificuldade de previsão nesta altura?
Tem a ver com as dificuldades de previsão nesta altura. As estações de transição são estações em que ainda não temos configurações de Inverno. As configurações meteorológicas de Inverno têm uma grande previsibilidade até oito, nove dias e são, normalmente, de larga escala. Nestas alturas de transição, nós estamos confrontados com situações em que temos pouca precisão na localização no espaço, no tempo e na intensidade. Portanto, os três elementos que nós queríamos passar ao público têm um grau de inexactidão que não é aquele que temos no Inverno.

Setembro está a ser um mês atípico face a outros tempos?
Está a ser, claramente, um mês atípico. Isto, normalmente, acontece em Outubro e de uma forma muito limitada, com uma semana de transição. Nós começámos no início de Setembro e estamos a continuar, aparentemente, até ao final da semana.

Estamos com uma sequência considerável de meses relativamente atípicos?
É verdade. Julho, Agosto e Setembro foram meses atípicos. Lembro que Janeiro, Fevereiro e Março foram também meses atípicos, com situações de agitação marítima muito fortes e com um litoral que teve danos consideráveis.

Portanto, só cerca de três meses no ano ou menos foram normais para a época?
Eu diria que sim. Posto desse ponto de vista, provavelmente é isso: Abril, Maio e Junho.