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Acidentes com ciclistas. "Necessidade de evitar o risco está do lado do condutor do carro"

31 jul, 2014 • Carolina Rico

É a Federação Europeia de Ciclistas que o defende. Depois da polémica, a Federação Portuguesa de Cicloturismo diz que não pretende ilibar os ciclistas de culpa.

Acidentes com ciclistas. "Necessidade de evitar o risco está do lado do condutor do carro"

O título da notícia, da Agência Lusa, abriu a polémica: "Associações de ciclistas querem seguradoras dos carros a pagar acidentes”. Mesmo se a culpa for dos ciclistas, acrescentava o texto. Nos vários meios de comunicação, incluindo a Renascença, as secções de comentários eram palco de indignação quase generalizada contra a proposta da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB).

A federação diz agora à Renascença que foi mal entendida. "Quando há culpa por parte do ciclista não fazia sentido que fossem as seguradoras dos automóveis a cobrir as despesas. Íamos ter pessoas a atirarem-se para a frente dos carros para serem ressarcidas – bastava treinar um bocadinho para saber como o fazer”, explica Miguel Barros, da direcção da FPCUB.

A FPC propõe a adopção de uma directiva do Parlamento Europeu de 2005, reforçada em 2009, que determina que os danos pessoais e materiais sofridos pela parte mais vulnerável num acidente, ciclistas ou peões, deverão ser cobertos pelo seguro obrigatório do veículo motorizado envolvido no acidente.

Esta directiva "não condiciona a responsabilidade civil nem o nível da indemnização por um acidente específico, ao abrigo da legislação nacional”.

Miguel Barros esclarece: em caso de dúvida sobre a culpa, a parte mais vulnerável no acidente recebe uma compensação no imediato e, "se mais tarde se vier a provar que o peão ou ciclista é culpado, deve devolver esse montante à seguradora.”

"Isto evita que as pessoas sejam atropeladas e depois fiquem dez anos à espera que se decida de quem foi a culpa para serem ressarcidas”, argumenta Miguel Barros.

Maior o risco, maior a responsabilidade
A Federação Europeia de Ciclistas tem um entendimento semelhante.

"Em quase todos os países da União Europeia aplica-se a presunção de que a pessoa no veículo mais pesado, que comporta mais riscos, tem o dever de assumir os custos,” diz à Renascença o director de desenvolvimento da federação, Kevin Mayne.

Este princípio inverte a presunção de inocência: em caso de acidente, o condutor do veículo mais pesado é considerado culpado até prova em contrário.

"Em tribunal, esta ‘presunção de responsabilidade’ determina que a necessidade de evitar o risco está do lado do condutor do carro. A pessoa no carro devia ter prestado mais atenção aos vulneráveis. Se a seguradora desse veículo conseguir provar que a culpa foi do ciclista tudo bem, a culpa é atribuída”, acrescenta Kevin Mayne.

"Quase todos os países têm a legislação neste sentido. Portugal é dos poucos países que ainda não têm estes princípios implementados na lei”, diz, por seu lado, Miguel Barros. Algo que gostaria de ver alterado, apesar de considerar que a revisão do Código da Estrada já deu um passo neste sentido

"Se pensarmos que os veículos pesados têm um potencial destrutivo equivalente a uma arma, à partida, num conflito entre duas pessoas em que uma tem a arma e a outra não tem, a lei já prevê que aquele que tem a arma tem uma responsabilidade maior do que aquele que está desarmado”, defende.

Combater o medo de andar de bicicleta
Miguel Barros considera que a "obrigatoriedade de um seguro seria um grande obstáculo à promoção da bicicleta e o país tem imenso a ganhar com o aumento do uso de bicicleta.”

Com as alterações no Código da Estrada, "a bicicleta não ganhou mais direitos, passou a ter alguns direitos equiparados ao automóvel, mas continua a não comportar mais riscos para terceiros”, defende Miguel Barros.

Para Kevin Mayne, é "apropriado” que os automobilistas tenham mais deveres e que os ciclistas tenham mais direitos. "Se o lóbi automóvel conseguir encontrar provas de que os ciclistas criam um maior risco para a sociedade, aí podem exigir mudanças”, atira. 

O director de Desenvolvimento da Federação Europeia de Ciclistas considera que discussões como esta são uma "distracção” para o verdadeiro problema, a questão da mobilidade:  "A primeira questão que qualquer Governo devia colocar é: ‘Como posso fazer com que as pessoas andem mais a pé ou de bicicleta?’”.

"A guerra entre ciclistas e automobilistas é uma distracção. A sociedade só devia estar discutir como fazer com que as pessoas andem mais a pé ou de bicicleta, para combater a obesidade, o congestionamento de trânsito e a poluição”, considera.

Nesse sentido, a legislação não deve poupar esforços para deve proteger os ciclistas. "A única coisa que impede as pessoas andar a pé e de bicicleta é o medo. Os encargos na regulamentação devem ser aplicados na remoção desse medo”.