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Economista defende mais cortes de despesa nas áreas sociais

09 abr, 2014 • Ricardo Vieira

André Azevedo Alves opõe-se à renegociação da dívida e do défice e considera "muito difícil que possa haver uma trajectória de consolidação orçamental credível sem um compromisso entre as principais forças políticas portuguesas".

Economista defende mais cortes de despesa nas áreas sociais

O Governo deve continuar a reduzir a despesa com Educação, Saúde e Segurança Social, mas já chega de aumentar impostos, defende o economista André Azevedo Alves. Numa altura em que o executivo ultima o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), com medidas que podem ascender a 2 mil milhões de euros, o professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica adverte que renegociar o défice “é algo que importaria evitar a todo o custo” e reestruturar a dívida “traria mais danos”.
 
Expectativas para o DEO?
Têm necessariamente de ser altas por duas razões: primeiro, porque, embora a trajectória de consolidação orçamental tenha sido favorável, o esforço de redução do défice  terá de continuar este ano e no próximo para atingir o objectivo dos 2,5%. para além desse esforço de redução do défice adicional, há ainda o facto de várias medidas anunciadas no passado como temporárias, que permitiram a tal trajectória de consolidação orçamental favorável, terem de ser ou tornadas permanentes, o que iria contra o anúncio feito inicialmente de que seriam medidas temporárias, ou então substituídas por outras medidas que acresceriam ao tal esforço adicional de redução do défice que será necessário fazer.

Onde é que o Governo vai cortar?
Admitindo que não há cortes adicionais em salários e pensões, uma boa parte dos cortes efectuados podem ser substituídos por medidas com impacto permanente na despesa. Por exemplo, a revisão das tabelas salariais na administração pública e dos suplementos que são pagos, etc... Por outro lado, no esforço de redução adicional, eu diria que é difícil que essas medidas não passem ou por reduções de despesa nas áreas que têm mais peso, que são as áreas de despesa social ou, o que seria preocupante mas não está fora de opção, por novos aumentos de impostos, mesmo depois do célebre enorme aumento de impostos anunciado por Vítor Gaspar.

Se fosse ministro das Finanças, como seria o seu DEO?
Neste momento a posição de ministro das Finanças não é muito invejável e é sempre mais fácil falar quando não se tem a responsabilidade de exercer as funções. Eu creio que, neste momento, o país, a economia, ainda mais quando há alguns sinais de retoma depois de uma situação muito difícil, não pode acarretar, não deveria acarretar, novos aumentos de impostos. Eu excluiria, à partida, a possibilidade de aumentar impostos. Sobra a possibilidade de reduções da despesa e parece-me difícil que essas reduções, para além de tornarem permanentes as medidas temporárias mais significativas, necessariamente teriam que passar, ainda que sob uma forma diferente, por alterações em termos do financiamento da Educação, da Saúde e da Segurança Social. A prazo, creio que qualquer solução que não implique alterações nessas áreas não será uma alteração verdadeiramente sustentável.

A passagem de medidas temporárias a definitivas pode estar ameaçada por uma decisão do Tribunal Constitucional...
Essa poderá ser uma terceira frente de dificuldades para a consolidação orçamental e para o Governo, diríamos assim: uma terceira frente a impor medidas adicionais e daí que, tendo em conta essa dimensão do Tribunal Constitucional, é a meu ver muito difícil que possa haver uma trajectória de consolidação orçamental credível sem um compromisso entre as principais forças políticas portuguesas.

Há alguma possibilidade de isso acontecer nesta altura?
Com a aproximação de um período eleitoral [europeias] e depois de novo período eleitoral em termos de eleições legislativas e eleições cada vez mais próximas, eu diria que esse compromisso não é provável e, certamente, não um compromisso detalhado. De qualquer forma, eu diria que do ponto de vista da credibilidade externa do país e do ponto de vista da evolução das taxas de juro e da posição tomada pelos nossos parceiros na União Europeia relativamente a Portugal, será muito importante, mesmo que não haja um compromisso explícito, que me parece improvável, mas serão muito importantes os sinais que forem dados pelas principais forças políticas.

Renegociar o défice pode ser uma solução?
Primeiro, relembrar que as metas já foram renegociadas. As metas iniciais eram de um  ajustamento mais rápido do que o que se verificou. Em segundo lugar, não está fora de  questão que elas possam ser renegociadas, mas parece-me que não será, ainda assim, desejável, porque se o problema que nós temos é, essencialmente, de credibilidade de que o país entrará numa trajectória de sustentabilidade e de um excesso de dívida - ainda recentemente houve toda uma polémica em torno de se a dívida é pagável ou não -, certamente não melhoramos o problema tendo défices mais elevados, sendo que um défice, por definição, aumenta a dívida.

E reestruturar a dívida?
Claramente, traria mais danos. No muito curto prazo, não cumprir compromissos pode ser visto como um escape, ainda que um escape algo complicado mas, do ponto de vista da trajectória de recuperação da credibilidade, quanto mais se apontar para um caminho de  incumprimento parcial de uma reestruturação da dívida mais essa trajectória será afectada. Tal como no caso da revisão das metas, não estou a dizer que isso não pode acontecer, pode  acontecer, nomeadamente se as medidas não forem aplicadas ou se depois não houver capacidade política para executar o que foi anunciado ou se houver uma mudança política que ponha em causa esse rumo. Eu diria que essa reestruturação não é impensável, é algo que pode acontecer, mas é algo que é claramente indesejável, que não resolve os problemas do desequilíbrio estrutural e que agrava os problemas de credibilidade externa do país e a estabilidade do próprio sistema financeiro e bancário do país.

O Governo devia ser mais reivindicativo junto da “troika” ou está no rumo certo?
Do ponto de vista de tentar cumprir a trajectória de consolidação orçamental, eu diria que o governo está a seguir o rumo certo, não por ser uma imposição da “troika”, mas porque é algo  que é bom para o país. Nenhum país pode subsistir a prazo com contas permanentemente  desequilibradas para além do que se consegue financiar. Do ponto de vista do relacionamento do Governo com a “troika” e na negociação das medidas concretas, aí, se por um lado houve metas que foram revistas e algumas medidas que não foram executadas, o que me parece, acima de tudo, é que a composição do ajustamento - isso em parte foi reconhecido pelo anterior ministro das Finanças Vítor Gaspar - acabou por incidir bastante mais num aumento da receita fiscal do que em reduções estruturais da despesa e também mais em medidas temporárias do que em medidas permanentes. O que me parece que de principal pode ser apontado ao Governo é, por um lado, ter conseguido esta trajectória favorável, mas de alguma forma assente excessivamente em aumentos de impostos por comparação com a redução da despesa e, por outro lado, com bases que são bastante frágeis, porque assentam, em larga medida, em medidas temporárias e não em bases mais sólidas, que passariam por medidas permanentes de natureza estrutural que continuam por fazer.

Saída limpa ou programa cautelar?
A resposta dependente para quem é melhor. Para o Governo alemão, eu não tenho dúvidas que é melhor a chamada saída limpa, que é não haver uma nova obrigação formal de assistência a Portugal ou de garantia à entrada de Portugal nos mercados. Do ponto de vista da situação orçamental portuguesa, tendo em conta os muitos pontos de interrogação que existem sobre a substituição de medidas temporárias para permanentes, sobre como é que vai ser feita a redução adicional do défice, que ainda está por fazer, sobre a questão do Tribunal Constitucional, sobre a questão do compromisso interno entre as principais forças políticas, com todas estas questões em aberto, eu penso que seria claramente preferível do ponto de vista português que a reentrada nos mercados tivesse alguma forma de assistência que, simultaneamente, impusesse do ponto de vista externo aos actores políticos portugueses um grau de condicionalidade que obrigasse a um compromisso com a continuação da trajectória de consolidação orçamental. Se isso não acontecer ou na medida em que isso aconteça menos, eu creio que os riscos políticos em Portugal, no curto prazo, aumentam substancialmente.