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"Não se pode esperar nem mais um dia para tomar medidas pró-natalidade"

19 mar, 2014 • Filipe d'Avillez

Políticas que favorecem a natalidade levam décadas a ter efeito, avisa, em entrevista, Maria Rosário Carneiro, especialista em estudos da família.

"Não se pode esperar nem mais um dia para tomar medidas pró-natalidade"

Em França, as políticas que favorecem a natalidade levaram "um século a ter efeito". Por isso, "não se pode esperar nem mais um dia para se começar a tomar medidas concretas nesta área", avisa Maria Rosário Carneiro, investigadora do departamento de Estudos da Família do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa. Antiga deputada independente, eleita pelo PS, foi responsável pela  Comissão Parlamentar para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, diz que ninguém é "dispensável" deste esforço.

Ouve-se dizer que Portugal vive uma crise de natalidade. É verdade ou exagero?
Suponho que não será exagero. Este ano nasceram 82 mil crianças, num país onde tradicionalmente nasciam regularmente acima de 100 mil. Portugal nunca foi um país de explosão demográfica, sempre teve um comportamento muito estável, de reprodução de gerações.

Actualmente, verificamos, de uma forma muito preocupante, que não há esta substituição. Estão a nascer cada vez menos crianças, o que significa um envelhecimento acelerado do país, combinado com o aumento da esperança média de vida. Por isso temos aqui um problema que, combinado, torna-se bastante preocupante.
 
Os sucessivos governos prometem medidas de incentivo à natalidade. Por que é que não parecem ter resultados?
É muito fácil falar-se de família e questões de natalidade e outras conexas só de um ponto de vista proclamatório. E as pessoas ficam de alguma forma confortadas porque uma parte fundamental da sua vida, que é a sua situação familiar, está citada no discurso político.

Um discurso que não tem reflexo na prática?
Não há uma real vontade política de intervir nesta matéria. Por razões ideológicas, naturalmente, mas também por uma manifesta falta de visão estratégica do desenvolvimento de um país. Outros países que olharam com atenção para as suas tendências demográficas iniciaram, atempadamente, políticas que conduziram a uma recuperação lenta do crescimento demográfico. Estas recuperações levam sempre várias décadas. Citando o caso francês, foi mais do que uma década: levou um século a ter efeito. Nos países nórdicos, as políticas combinadas de várias áreas levaram 15 a 20 anos a surtir efeitos.

Mas estas medidas políticas só são eficazes se as famílias quiserem, de facto, ter mais filhos. É possível alterar a mentalidade actual de querer apenas um ou dois filhos?
Não se trata só de uma mentalidade, trata-se de uma convicção. E a convicção e as predisposições profundas das pessoas, como é esta de se ter um filho, têm a ver com uma combinação complexa de factores. Há a matriz antropológica, de nos reproduzirmos – porque se não nos reproduzirmos desaparecemos –, mas para que isto aconteça tem de haver condições securitárias. As espécies que se sentem ameaçadas não se reproduzem. Temos de nos sentir em segurança para nos reproduzirmos. É por isso que falo nesta visão estratégica: são medidas combinadas que contribuem para favorecer um ambiente em que as pessoas se sentem seguras para tomar as suas decisões.

Fala de uma estratégia a longo prazo, mas ela terá que começar com medidas imediatas. Quais as medidas que deviam ser tomadas pelo Governo desde já?
Não se pode esperar nem mais um dia para se começar a tomar medidas concretas nesta área. Há vários blocos. Aquele que me vem logo à cabeça é a área fiscal. Diria que é a área em que as famílias são mais fortemente penalizadas. Há dias, ouvi um debate na rádio sobre esta questão. Um senhor disse que tinha cinco ou seis filhos e teve de trabalhar mais para dar uma vida com qualidade aos filhos. Como trabalhou mais ganhou mais; como ganhou mais, subiu de escalão no IRS. As famílias não têm de ser premiadas pelas opções que tomam na sua vida privada, mas não podem ser penalizadas.

E na área laboral?
Tem de pensar mais ainda sobre a questão da flexibilização do trabalho, de formas alternativas, de licenças combinadas, não penalizadoras de percursos profissionais. Tivemos progressos significativos, mas estamos ainda muito longe de ter as condições necessárias para as pessoas decidirem ter mais filhos sem terem medo de perder o trabalho ou a possibilidade de progressão na carreira.

Quem é que devia ser abrangido pelas políticas de incentivo à natalidade?
Todas as famílias. É completamente errado, quando olhamos para esta área de intervenção, olharmos unicamente para o grupo dos que menos têm. O apelo que se faz é a toda uma comunidade. As políticas devem ser diferenciadas em relação aos rendimentos e às necessidades, mas nenhum grupo pode ser excluído porque nenhum é dispensável nesta construção colectiva da comunidade.