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Escola “entroikada”

19 fev, 2014 • Manuela Pires

Ao longo de três anos, houve cortes financeiros, menos professores e alterações curriculares. “Uma coisa é cortar um dedo, outra cortar parte do cérebro. O que fizemos foi cortar numa área crítica para o desenvolvimento”, diz professor.

Escola “entroikada”
O memorando assinado com a “troika” em 2011 previa uma redução de custos na área da educação de 195 milhões de euros e a criação de mais agrupamentos escolares. A Escola Secundária José Gomes Ferreira em Lisboa foi uma das afectadas pela reorganização.

Desde há dois anos é a sede de agrupamento das escolas de Benfica: integra mais quatro escolas, uma delas no bairro da Boavista, uma espécie de gueto onde as taxas de retenção são muito elevadas o que vai baixar o ranking da escola, até agora uma das melhores de Lisboa.

O director Manuel Esperança não percebe como é que duas escolas tão próximas são tão diferentes. “É uma diferença abismal, nas turmas do sétimo ano, há miúdos com 11 anos e outros com 16. A taxa de insucesso é muito elevada”, sublinha.

O director da escola há mais de 20 anos tem agora tem de gerir quase três mil alunos e faz um balanço negativo da criação do agrupamento: “Perde-se proximidade, os problemas demoram mais tempo a resolver. Não contribui para a melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas”.

Ao longo destes três anos, houve cortes financeiros, menos professores e alterações curriculares. “Muitas escolas investiram em laboratórios de informática, que agora estão às moscas”, refere Manuel Esperança, para quem a instabilidade não favorece um bom clima de escola.

O director do agrupamento de escolas de Benfica revela ainda que tem de lidar com muitos alunos que chegam ao quinto ano sem saberem ler. “Se o chumbo de um aluno custa 3.500 euros por ano e se eu tivesse uma psicóloga, mesmo pagando o salário podia poupar muito dinheiro”, justifica.

Paulo Guinote, professor e autor do blogue “A Educação do meu Umbigo”, diz que na área da educação o Governo foi muito para além da “troika”: “Uma coisa é cortar um dedo, outra cortar parte do cérebro. O que fizemos foi cortar numa área crítica para o desenvolvimento”. São políticas levaram a um grande desânimo entre os professores, considera.

Para o futuro, o professor receia que a “escola se torne esquelética” e funcione a três velocidades. “A primeira com as escolas de elite, da Parque escolar; depois as escolas com contractos de autonomia; e em terceiro, as escolas dos bairros problemáticos, abandonadas em guetos sócio-educativos”.