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Paredes de Coura teme triplo fecho. "Mais vale dizer 'vão para Espanha'"

06 fev, 2014 • Pedro Rios

Numa altura em que o Governo anunciou que vai encerrar 20 tribunais em Portugal, a Renascença recorda uma reportagem em Paredes de Coura, que vai ser visada pela reforma do mapa judiciário.

Paredes de Coura teme triplo fecho. "Mais vale dizer
Manuel Tinoco prepara mais uma edição do "Notícias de Coura". Nos últimos tempos, os encerramentos marcam as notícias da terra. A página três da edição de 22 de Outubro tem duas pouco animadoras: "Paredes de Coura pode ficar sem serviço de Finanças" e "Melgaço salva-se [do fecho de tribunais], Coura não". Paredes de Coura está na lista de tribunais a fechar no mapa judiciário.

Na população há muitos que encolhem os ombros perante esta avalanche de notícias, lamenta o director do "Notícias de Coura". Nesta vila do Alto Minho, a três dezenas de quilómetros dos tribunais mais próximos, sente-se que há uma "sina". "Aceitamos resignados sermos chutados para um canto. Todos os handicaps que existem por estarmos no interior são entendidos pelas pessoas como uma fatalidade – é mais uma que nos acontece", diz.

Os encerramentos das Finanças e do tribunal são já um tema recorrente nas edições do quinzenário – há meses, fez mesmo a manchete "Adeus, tribunal". Nos últimos tempos, juntou-se mais uma: o eventual fecho do posto dos CTT, na sequência do processo de privatização.

O mais grave, para Manuel Tinoco, será o fecho do tribunal, uma conquista da terra. "É um corte muito grande com a independência do concelho", defende. "É um bocado a identidade de um povo, sobretudo de um povo esquecido, interiorizado, quase sem acessos."

Perder serviços públicos e elos de "ligação ao poder central" equivale a tirar "tudo" a Paredes de Coura. "Ajudar-nos-á a definhar, a sermos menos ainda."


Sair da terra
Paredes de Coura tem pouco mais de nove mil habitantes. E teme-se que perca mais. João Carvalho, que organiza há 20 anos o festival de música que divulgou a terra, dizia que nunca sairia. Mas mudou-se, há dois anos, para Braga.

É lá que o encontramos. "Já ficámos sem algumas escolas, sem algumas juntas de freguesia, sem urgências durante a noite, agora o tribunal, amanhã as Finanças e só não nos tiram os bombeiros porque são voluntários. Isto leva-te a repensar, quando tens filhos", explica.

Não percebe o "cerco ao interior do país", que diz ser levado a cabo por este Governo e pelo anterior. Com as notícias do possível encerramento da Maternidade Alfredo da Costa e do Colégio Militar, em Lisboa, "caiu o Carmo e a Trindade". Mas, pelo menos para já, nada aconteceu. "Fecham [organismos públicos] no interior, que é indefeso e pobre."


Esperança nos "novos números"
Carlos Barbosa tem um "feeling positivo". Encontramo-lo no dia da inauguração da nova sede da sociedade de advogados que fundou há três anos – fica junto ao tribunal. "É caricato decidirmos inaugurar o novo escritório numa altura em que se fala no encerramento do tribunal", nota.

O dia está nublado – algo normal no "microclima" courense, bem conhecido pelos habitantes e pelos festivaleiros. Nublado é também o futuro, brinca. Mas "números novos" apresentados ao Governo animam a esperança de que Paredes de Coura saia da lista dos tribunais a extinguir.

"O estudo feito pelo Ministério da Justiça é feito com base em números do triénio 2008-2010. Paredes de Coura vê o seu tribunal encerrar por simples seis processos. Nos dados do triénio 2010-2013, muito mais próximo da realidade actual, o número subiu e já cumpre os números exigidos", argumenta o advogado.

Carlos é de Paredes de Coura, mas começou a vida profissional em Lisboa e no Porto. Voltou à vila minhota, há três anos, para trabalhar pelo "amor pela terra". Na altura, não se colocava a hipótese de fecho do tribunal. "Se se colocasse, certamente não me instalaria como me instalei."

A rede de transportes e acessibilidades "deficitárias" fazem com que, a concretizar-se, o encerramento do tribunal, que "funciona bem", seja uma "machadada muito grande e um retrocesso civilizacional inadmissível para uma população que não o merece". "Somos povo, somos ainda Portugal."

Vítor Pereira, acabado de chegar à presidência da autarquia, também quer acreditar numa mudança de opinião do ministério de Paula Teixeira da Cruz. Detectou "boa vontade da tutela" na reunião que teve, onde apresentou os "novos números". Defende que "a estatística não pode ser um elemento para esvaziar os concelhos do interior das suas instituições".


"Mais vale fechar Coura"
A notícia do possível fecho do tribunal deixou o autarca insatisfeito, para mais quando a câmara ajudou a assegurar o investimento de uma multinacional que produz componentes electrónicos para a indústria automóvel. São 60 preciosos postos de trabalho, criados em plena "melancolia económica". Os investidores também "não receberam a notícia" do fecho do tribunal "com agrado".

Erica Martins também não. "Eles vão conseguir resolver. Vamos para onde? O interior tem que ter vida", diz. Tem 28 anos e é dona de uma papelaria, frente ao tribunal. Sem o "movimento" de arguidos, testemunhas, juízes e solicitadores, será mais difícil o negócio. "[O tribunal] Indo para outro lado, Paredes de Coura como é que fica? Vazio?", pergunta Fernanda Silva, proprietária de um café vizinho.

"O interior está cada vez mais despovoado. Vejo pelos meus alunos. Eles emigram", conta Francisco Madeira, professor em Paredes de Coura. "Grande parte dos cafés e restaurantes sobrevivem devido aos serviços. As empresas que existem estão longe."

Rodeado de processos, colocados em armários ou no chão, um oficial de justiça do tribunal courense diz temer o pior. "Isto é acabar com os concelhos. Se fecharem os correios, como querem fechar, se fecharem as Finanças, como querem fechar, se fecharem o tribunal, mais vale fechar Coura. Mais vale dizer: vão para Espanha, para Tui. Se calhar, até se estava melhor."