Eles querem que a fruta e os legumes feios deixem de ir para o lixo

Isabel Soares não queria acreditar quando um agricultor lhe disse que ia deitar ao lixo metade de uma colheita de pêras por estarem um pouco mais pequenas do que a grande distribuição alimentar pedia. Como este produtor, há muitos outros que desperdiçam parte importante da produção pelas mesmas razões. Isabel teve uma ideia: criar uma cooperativa de consumo para estes alimentos. A Fruta Feia arranca esta segunda-feira, em Lisboa.

Na Casa Independente, no Largo do Intendente Pina Manique, todas as segundas-feiras, entre as 17h00 e as 21h00, quem se inscrever no projecto poderá comprar uma cesta de fruta e legumes "feios", disformes ou tortos, mas baratos e saborosos. Uma cesta pequena (três ou quatro quilos) com fruta e hortaliças da época custa 3,5 euros, uma grande (seis a oito quilos) fica por sete euros.

Em Junho, o projecto venceu o segundo prémio do Programa FAZ - Ideias de Origem Portuguesa, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e da Cotec Portugal destinada aos portugueses emigrados.

Isabel estava em Barcelona há sete anos. Animada pelo prémio e respectivo financiamento (15 mil euros – o projecto requer 23 mil), voltou para se dedicar a pôr de pé a Fruta Feia. É a única pessoa a tempo inteiro no projecto: lidera uma equipa de seis pessoas.

Adesão "arrepiante"
"Esta ideia surgiu-me ao ver vários documentários sobre o desperdício alimentar devido à aparência. Causou em mim uma certa indignação. Tinha que se fazer algo para se inverter esta tendência", explica à Renascença.

Na União Europeia, 30% da fruta produzida é desperdiçada devido ao seu aspecto - tamanho, existência de manchas na casca, entre outros critérios. "O objectivo do projecto é pegar nessa fruta e vendê-la directamente ao consumidor."

Segundo o Projecto de Estudo e Reflexão sobre Desperdício Alimentar, da produção à mesa do consumidor, um milhão de toneladas de alimentos (17% da produção) são desperdiçadas por ano em Portugal.

Nos últimos tempos, a Fruta Feia tem motivado o interesse de vários consumidores e produtores de todo o país. A iniciativa tem, a partir desta segunda-feira, uma experiência-piloto em Lisboa, mas Isabel Soares quer criar uma rede de cooperativas autónomas espalhadas pelo país.

"Da distribuição ainda não sinto sensibilidade para este assunto, mas dos consumidores tenho sentido bastante. Estamos a ter uma adesão ao nosso projecto gigante, surpreendente, arrepiante", aponta. "Tal como é ilógico para mim que se esteja a deitar fora tanta fruta e hortaliça só por causa da aparência, também começa a ser para a maior parte dos portugueses."