11 mai, 2011 • Matilde Torres Pereira
É uma história que podia dar um conto. Um dia, um homem partiu uma perna. Ficou de cama, mas foi deitado que deu o maior passo para a imortalidade. E tudo porque começou a fazer uns rabiscos.
O escritor Jacinto Lucas, que esteve hoje na Renascença no último debate do ciclo “Portugal – Que Futuro?”, narra os detalhes. "Li algures que o Matisse [um dos nomes maiores da pintura francesa], quando estudava Direito, partiu uma perna. Na altura, partir uma perna era complicado – as pessoas ficavam de cama. Naquele tédio de estar com a perna levantada, deitado, ele começou a fazer uns rabiscos. Fez um rabisco, fez outro rabisco e percebeu que era o Matisse e o que é que queria fazer. Portanto, as crises são momentos para repensar o que somos e o que queremos ser."
Matisse já fez todos os rabiscos que quis e deixou os quadros que pintou para os que se lhe seguiram – é um dos imortais da pintura. Jacinto Lucas Pires ainda escreve o seu próprio caminho – não rabisca quadros, mas já leva uma obra literária assinalável – e foi hoje um dos protagonistas de um debate diferente. Ao final da tarde, o auditório da Renascença, em Lisboa, ouviu uma geração que anda a mudar o país.
A empresária Catarina Portas, que compôs o elenco do debate, abraça a tese que sustenta a história de Matisse - as crises são alturas propícias para a criatividade. "Acho os períodos de crise absolutamente entusiasmantes. Identificam-se problemas e dizem-se coisas em voz alta", diz.
Para lá do entusiasmo, há trabalho a fazer. “Tenho a dizer que o país está cheio, cheio de oportunidades. Tirem o rabinho da cadeira, vão por aí fora! Quer dizer, tenham criatividade", desafia Catarina Portas.
Quanto à dificuldade de integração dos jovens no mercado de trabalho, Catarina Portas considera que o problema é de quem governa e de quem é governado. "O problema do mercado de trabalho está associado aos problemas do sistema de ensino. Em Portugal, fizeram-se opções profundamente erradas. [Mas] depois eu vejo as pessoas a descer a Avenida de Liberdade [no protesto da "geração à rasca"], como aquela rapariga que disse que fez um mestrado de estudos para a paz. Eu acho um tema interessantíssimo, mas depois [a rapariga] fica muito zangada com o Governo porque não tem emprego? Lamento, mas acho que isso não compete ao Governo", defende a empresária.
Sobre esta matéria, Joana Vasconcelos faz um reparo. "Tem que ver com a forma como se organizou o país, não com esta geração específica. Não se consegue agora dar resposta àquilo que se prometeu. São muitos anos de uma educação mal gerida."
O ciclo "Portugal - Que futuro?", inserido nas comemorações dos 75 anos da Renascença, terminou hoje. Ao longo de cinco debates, personalidades da sociedade portuguesa debateram um país que partiu a perna. Se Portugal vai ou não a começar a fazer rabiscos como Matisse, é assunto em aberto.