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As respostas da ministra às dúvidas dos ouvintes sobre a lei das rendas

02 abr, 2013

Assunção Cristas esteve na Renascença a responder a perguntas que os ouvintes e cibernautas da Renascença enviaram na última semana de Março. Ouça e releia a entrevista na íntegra.

As respostas da ministra às dúvidas dos ouvintes sobre a lei das rendas

A nova lei das rendas já tem alguns meses, mas continua envolta em polémica. Os proprietários dizem que é um passo positivo, mas que está mal feita. Já os inquilinos consideram que permite abusos. Para contribuir para o esclarecimento das dúvidas existentes, a Renascença pediu aos ouvintes para enviarem questões ao longo da última semana de Março. Esta terça-feira, a ministra do Ordenamento do Território, Assunção Cristas, respondeu em directo às perguntas. Como a Renascença recebeu imensas questões, não foi possível responder a todas. A selecção foi feita de forma a contemplar as dúvidas mais comuns.


O ouvinte Luís Andrade vive com a mãe de 79 anos, que tem uma pensão de sobrevivência de 159 euros. Ele está também reformado, por invalidez, e recebe 274 euros de reforma. O senhorio pretendia aumentar a renda de 409 euros para 1.280 euros. Daqui a cinco anos, quando acabar o período transitório que impõe um tecto de aumento para as famílias de baixos rendimentos, Luís Andrade pergunta como é que vão sobreviver.
Durante este período de cinco anos, só lhes poderá ser aumentada a renda na medida do seu próprio rendimento e de acordo com o critério do rendimento anual bruto corrigido. Podemos estar a falar de uma taxa de esforço de 10% ou de 17%, no caso, e, de toda a maneira, também tem o limite do valor patrimonial do imóvel. Após os cinco anos, esta ajuda, no fundo, será dada através do Estado. Aquilo que a lei diz já é que será preferencialmente através de um subsídio de renda e é para isso que nós vamos trabalhar. No caso das pessoas com idade, é seguramente para essas situações que vamos trabalhar.

Mas é inquietante pensar que o Estado vai custear isto, porque as pessoas vêem que o Estado tem cada vez menos capacidade para apoiar as pessoas.
Mas têm de ter capacidade e vai tendo capacidade para apoiar as situações que estão em maior fragilidade social, seja em virtude da sua idade, seja em virtude da sua carência económica. Esse é um aspecto muito importante. Com certeza que o Estado não tem recursos para apoiar todas as pessoas e esta reforma do arrendamento também é importante para que as rendas possam ter valores mais confortáveis, para que possam aparecer mais casas no mercado de arrendamento e que as pessoas as possam pagar. Esse é um grande objectivo da lei.

Agora, quando estamos a falar de pessoas de idade, que toda a vida viveram numa casa, que têm a expectativa legítima, e que queremos assegurar, de que possam continuar a viver nessa casa, o Estado naturalmente tem de ter uma palavra a dizer. Aquilo que aconteceu durante estas décadas é que foram também os senhorios que suportaram no fundo esse apoio que o Estado não deu, através da obrigatoriedade de manter rendas baixas, com consequências muito nefastas para as próprias cidades, para a própria degradação dos edifícios, e tudo isto são questões estruturais que estão muito ligadas a esta lei do arrendamento, que tem obviamente objectivos múltiplos.

Funcionando, e já estamos a assistir a isso, também permite que as pessoas tenham mais possibilidades de arrendar casas a preços mais ajustados de acordo com as suas necessidades. Isso é algo muito importante.

Outro aspecto é quem de facto toda a vida viveu nestas situações e com certeza não quer deixar a sua casa e nós queremos dar essa tranquilidade - o Estado tem de ser capaz de apoiar. Ou as pessoas têm rendimentos que lhes permitem pagar o valor de mercado - porque a pessoa pode ser idosa e ter bons rendimentos, tanto melhor -, mas não os tendo, com certeza que o Estado tem de suprir essa falta e dar essa garantia.

Gostaria muito de ter tido uma resposta suficientemente segura para estas situações já na aprovação da lei. Acontece que se eu o fizesse não estaria a ser honesta sequer intelectualmente, porque nós não sabemos qual é o universo sobre o qual estamos a trabalhar.  Posso dizer-lhe, por exemplo, que neste momento da Associação de Proprietários de Lisboa dizem-nos que há muitas rendas que estão a ser actualizadas sem problema nenhum, porque as pessoas não tem uma situação de idade, não tem uma situação de carência económica e portanto dessas rendas antigas há muito que estão a fazer o seu caminho sem problemas. É esse o esforço que está a ser feito com esta comissão que junta todas entidades que podem trazer informação objectiva para podermos avaliar, porque isso já nos permite diminuir o universo. Portanto, já não estamos a falar de 250 mil rendas, mas estaremos a falar de um universo menor.

Recebemos vários casos de arrendatários que se interrogam se as rendas podem ser aumentadas em prédios degradados. É o caso de Mahan Kaur e também de José Carlos Araújo, que nos dá conta da situação dos seus pais, cuja actualização da renda já foi fixada por acordo entre os inquilinos e os senhorios nos 184 euros (era da 25 euros). Só que a casa está muito degradada e entra água e humidade por todo o lado. A actualização da renda não tem em conta o estado de degradação da habituação?
O inquilino tem o direito, de acordo com a lei geral, a ter uma casa em boas condições de habitabilidade. Faz parte do contrato de arrendamento, faz parte das obrigações do senhorio manter a casa em boas condições.

Mas não é isso que acontece.
Mas também os senhorios queixam-se de que é impossível fazer obras em casa com rendas de 15, 20, 30 euros, e por isso mesmo as duas questões estão intimamente ligadas. A obrigatoriedade de fazer as obras, de ter as casas em boas condições, também está ligada ao rendimento que as pessoas podem tirar das casas, porque também há situações em que os inquilinos estão em situação de maior carência económica do que os senhorios e vice-versa. Aquilo que é importante dizer às pessoas é que a lei, neste momento, não faz depender a actualização da renda da condição física do imóvel. Todavia, o valor patrimonial que é relevante para limitar os aumentos de renda já tem em conta a robustez do edifício, a conservação do imóvel... Aquilo que o inquilino pode e deve fazer é exigir que a casa esteja em condições de boa habitabilidade.

Mas exigir a quem?
Exigir em primeiro lugar ao seu senhorio e em segundo lugar através de uma denúncia às câmaras municipais, porque as câmaras podem e devem intervir quando os senhorios não fazem essas obras. Têm até mecanismos legais para, se for caso disso, expropriarem ou fazerem venda forçada dos imóveis caso os senhorios não cumpram com as suas obrigações de manutenção dos imóveis em estado pelo menos razoável aceitável. A lei não quis ligar uma coisa à outra, porque a lei anterior em 2006 quis fazer essa ligação e falhou por completo. Cerca de três mil rendas foram actualizadas ao abrigo da lei anterior, num universo na altura de 430 mil.

Porque de facto a maior parte dos prédios estão muito degradados...
Havia vários constrangimentos. Eu diria que a lei de 2006 falhou em toda a linha, não atingiu os objectivos a que se propunha em relação aos contratos antigos e esse é um aspecto importante, porque se nós queremos também dinamizar a habitação urbana, olhar para os nossos edifícios, querer dar-lhes novas vida, criar condições para que novas pessoas também os possam habitar e para as que já estão tenham outras condições de habitabilidade, também temos que ter estes mecanismos a funcionar. Creio que esta lei [actual] tem condições para ser bem-sucedida nessa matéria. 

A ouvinte Madalena Fernandes está preocupada com a situação da mãe que tem 84 anos e 80% de invalidez. Tem um rendimento de 1.600 euros, paga 150 de renda e o senhorio quer aumentar para 500. Fez uma contraposta de aumento para 200 euros, até porque a casa está também muito degradada. O senhorio não aceitou e Madalena Fernandes pergunta se a mãe pode ser despejada aos 84 anos.
A mãe não pode ser despejada aos 84 anos, naturalmente. Se o senhorio não aceita estas contrapropostas, o que se pode aplicar é o critério que está na lei, que nos diz que, dependendo dos rendimentos em causa, podemos estar a aplicar uma taxa de esforço de 10% ou 17% - creio que neste caso, uma vez que o rendimento é acima de mil euros, é de 17%. A lei tem ainda em conta o número de pessoas do agregado familiar, portanto [tem de se] dividir este rendimento pelo agregado, mas temos a garantia de que há o tecto da taxa de esforço e há o tecto do valor patrimonial.

Se a casa é velha, está em situação de degradação, também isso baixa o valor patrimonial e nalguns casos até pode baixar a taxa [de esforço]. Em todo o caso, os critérios da lei estão lá. É importante que os inquilinos saibam que o senhorio tem o valor patrimonial na sua caderneta, tem de juntar uma cópia da caderneta predial e, se não o fizer, a própria comunicação que enviar não tem efeitos e este é um aspecto muito importante.

Por isso é que digo sempre que é bom procurarem ajuda, seja nas associações, seja no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), seja nos advogados, para que as pessoas saibam que as vezes há cartas que os senhorios enviam que nem sequer estão conformes à lei - portanto, nem sequer têm efeitos.

Um inquilino que recebe uma carta que não tem os elementos todos pode ignorá-la?
A melhor forma é não ignorar. É responder, dizendo que a sua carta não tem toda a informação e portanto não produz efeitos. Ignorar nunca é uma boa solução. É preciso que os inquilinos tenham esta capacidade de perceber que o que lhes chega às mãos muitas vezes está mal feito, não está em conformidade com a lei. Isto é muito importante que se diga: não pode a uma pessoa que recebe 500 euros ser-lhe pedida uma renda de 300 ou 400 euros, nem sequer de 200, não pode a uma pessoa que recebe 1.500 euros ser-lhe pedida uma renda de 700 ou 800 - são situações que não correspondem à lei e as pessoas tem de estar em alerta para isto, em geral e na sua situação em particular.

Mal recebem uma carta, devem procurar ajuda de familiares, nas instituições que podem ajudar, para poderem fazer uma resposta bem fundamentada. Isso tem estado a acontecer na generalidade dos casos. As associações têm um papel fundamental. Com certeza têm tido muita afluência, era expectável que assim fosse, e significa que a lei está a mexer.

Mas esta voracidade, esta sede com que os senhorios vão ao 'pote', como é que se trava? É o caso da ouvinte Ana Ramos Pinto, que fala numa actualização superior ao que é permitido por lei no caso que expõe.
Trava-se primeiro conhecendo os seus direitos, respondendo à letra, dizendo que as propostas não são conformes à lei, contrapropondo.  É verdade que nalguns casos os senhorios agem de má-fé, noutros casos podem não saber a situação patrimonial e de rendimentos dos seus inquilinos. A melhor maneira de lidar é conhecer os seus direitos. Dizer: 'eu tenho X anos', mandar cópia do cartão de cidadão, dizer 'o meu rendimento é este', mandar cópia do papel das Finanças a dizer que foi pedido e dizer que 'quando tiver o papel, então falamos e até lá o senhor sabe que não pode fazer essas exigências'.

No caso das pessoas com mais de 65 anos, saberem que não podem ser despejadas. Se o senhorio vem com a conversa de que 'ou paga isto ou vai para a rua', isso pura e simplesmente não é verdade. As pessoas têm o direito de ficar na sua casa e de pagar efectivamente aquilo que o seu rendimento comporta. Neste momento, com esta comissão de monotorização e com a boa vontade das associações dos senhorios, as cartas, pelo menos as que estão a propor aos seus associados, já têm uma referência em baixo a dizer que as pessoas têm que responder no prazo de 30 dias para se informarem.

Esses casos correspondem à maioria?
Tenho dificuldade em dizer se corresponde à maioria, porque são relações entre privados. Há muitas cartas que são trocadas e que nós, Estado, não sabemos o que lá está. Este trabalho das associações, quer dos senhorios quer dos inquilinos, informando e sensibilizando os seus associados para terem comportamentos éticos, mostrar as cláusulas de salvaguarda, mostrar que não vale a pena atemorizarem os inquilinos, esse trabalho penso que as associações estão sensibilizadas e creio que a maioria dos casos não corresponde a situações de gravidade e tentativas de exploração. Não quer dizer que não possa acontecer, infelizmente.

Um caso que é revelador da precariedade que acontece com a relação contractual no mercado é o da ouvinte Ana Paula Matos, que vive com quatro filhos e um genro numa casa arrendada, mas não tem contrato escrito. Apesar disso, a senhoria exige que renda seja paga até ao dia 8 de cada mês. Há aqui uma ilegalidade.
Há aqui uma ilegalidade claramente. O contrato tem de ser celebrado por escrito. Acontece porém que se as pessoas estão a habitar uma casa, se por hábito pagam uma renda, há uma situação contratual de facto. É necessário celebrar um contrato por escrito ou desencadear uma acção judicial que reconheça que há um arrendamento que data de há X tempo.  

Mas é o inquilino que tem de fazer prova disso...
Não sei há quanto tempo há essa situação. Seria relevante para efeitos de accionamento de protecções saber se é anterior a 1990 ou não. De toda a maneira, se uma pessoa está a habitar uma casa, se sempre pagou uma renda sem ter um contrato, deverá pagar essa renda. Em todo o caso, a lei tem margens: diz que a pessoa pode pagar até ao dia 8 do mês, não é o dia 1 - é com a salvaguarda até dia 8. Se a inquilina e a senhoria querem resolver a situação, ou resolvem a bem e celebram um contrato de arrendamento, ou uma delas há-de desencadear uma acção no tribunal para regularizar a situação. [Para haver um aumento de renda], tem de haver um contrato.

Recebemos vários casos de pessoas que vivem em casas com rendas sociais. É o caso de Jian Liaan, que vive no Bairro do Aleixo, no Porto, e também de outro dos nossos ouvintes, João Almeida. Em relação às rendas sociais, o que é que acontece? Funciona o regime geral?
As rendas sociais não têm que ver com este regime. As rendas sociais têm uma legislação própria, que estamos a rever, aliás em linha com recomendações que o Parlamento tem vindo a fazer nos últimos tempos. A legislação actualmente em vigor prevê que a renda pode aumentar ou diminuir em função dos rendimentos em causa.

Acontece que em muitos casos passaram-se décadas em que os proprietários da habitação - que pode ser o IHRU, mas que na maioria são as câmaras municipais, que suponho ser o caso do Bairro do Aleixo - em vários casos não foram actualizando e agora, quando vão aplicar o critério da lei, que olha para os rendimentos das pessoas e para o agregado familiar, fazem a actualização e as pessoas, naturalmente, sentem-se e queixam-se. Naturalmente que uma pessoa que toda a vida pagou 10, 15 euros, às vezes menos - há rendas de valores muito baixos -, com certeza que fica preocupada e não esta à espera de pagar 80 ou 90, mas isso está de acordo com a lei. Tudo o que sei do que tem vindo a ser feito pelo país, através do IRHU, têm essa preocupação em conta.

E a revisão em que se está a proceder vai em que sentido? 
Vai no sentido de tornar a lei mais justa, criar mecanismos de actualização mais céleres por forma a evitar estas situações, em que, de repente, vem uma actualização, que está conforme à lei, mas que as surpreende. É um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido com o IHRU com base num inquérito que foi feito com todas as entidades que têm habitação social, para perceber as preocupações e também a necessidade de ter um ajustamento permanente. As pessoas, se têm uma vida que entretanto melhora e deixam de necessitar dessa casa, podem passar para outro tipo de habitação e [possibilita-se] uma maior capacidade de resposta do Estado para as situações de carência, que infelizmente acontecem todos os dias. [O regime] está a ser ultimado, é uma proposta de lei que depois irá ao Parlamento para ser debatido.

Voltando à lei do arrendamento urbano e agora a casos de contratos de arrendamento comercial. É o caso de José Jorge, de 70 anos, um comerciante em vias de o deixar de ser porque não tem condições para aguentar o aumento da renda da mercearia que explora em Almada há 58 anos. Juntamente com a esposa Cecília, José Jorge paga 241 euros por mês pelo local onde montou o negócio. A proposta pela nova lei é de uma renda de 665 euros, valor incomportável para o casal. O que é que diz a este comerciante, sendo que tantos há nas mesmas circunstâncias, com margens de lucro muito baixas, que não conseguem fazer face à actualização da rendas e acabam por ter de fechar portas?
A lei, no caso de arrendamentos para fins não habitacionais, tem a preocupação de salvaguardar situações de maior dificuldade e de menos facilidade dos lojistas para as pessoas fazerem face a estas dificuldades: as microentidades. Suponho que seja o caso desta mercearia. Não temos toda a informação, mas uma microentidade reúne dois, três critérios: ter em média até cinco empregados, ter um balanço até 500 mil euros e um volume de negócios líquidos até 500 mil euros. As pequenas mercearias, os pequenos cafés, têm o regime de protecção em que nestes primeiros cinco anos a actualização só pode ser feita para 1/15 do valor patrimonial.

Mas acha que as pessoas têm conhecimento dessas possibilidades?
Podem não ter conhecimento total dessas possibilidades, como no caso da habitação, em que há situações que não são totalmente conhecidas. Portanto, o apelo que faço é o mesmo: as pessoas que estão em situações de arrendamento não habitacional devem informar-se junto das associações de inquilinos, das juntas de freguesia, das associações empresariais e ver que possibilidades têm de benefício neste período de transição.

É um apelo à resistência?
Um apelo à informação. A melhor forma de reagir e de garantir uma correcta aplicação dos nossos direitos é conhecê-los, saber se nos estão a querer aldrabar, se nos estão a querer levar por caminhos que a lei não permite ou se estão em conformidade com a lei. Não se pode pressupor que do outro lado está sempre gente de boa-fé - temos que pressupor que temos de conhecer os nossos direitos para exercê-los convenientemente.