Tempo
|

Cortes nas pensões

Mudar as regras depois do jogo

16 dez, 2012 • Catarina Santos

Além dos cortes previstos no Orçamento do Estado para 2013, a perda de rendimentos para os pensionistas pode solidificar-se num futuro próximo. Mas, para os que já estão reformados, isto significaria uma alteração das regras depois do jogo.

Mudar as regras depois do jogo
No fim de 2012, o Governo preparava-se para cortar nas pensões mais altas. Para os que já estão reformados, isto significaria uma alteração das regras, não durante, mas depois do jogo. Uma reportagem da VMais que recuperamos no dia em que o Tribunal Constitucional chumbou o corte de 10% nas pensões da Função Pública, previstos no Orçamento do Estado para 2014.

O Governo prepara-se para cortar os valores das pensões mais altas, argumentando que a fórmula de cálculo que determinou os valores a receber na reforma foi errada e que há pensionistas a receber acima do que descontaram. Mas, para os que já estão reformados, isto significaria uma alteração das regras, não durante, mas depois do jogo.

É o caso de Isabel Leal, que, aos 63 anos, não esperava ter de retirar da sua pensão para dar apoio à família. "Eu hoje estou a ajudar a minha filha que está desempregada, tem 38 anos, é licenciada em Engenharia Electrotécnica e que vive connosco, porque senão morria de fome". Além disso, acrescenta, apoia ainda uma irmã desempregada que vive com a mãe.

Por isso, Isabel não faz férias, evita andar de carro, compra só a roupa e os alimentos estritamente necessários. Contas apertadas que não esperava ter de fazer com os 1600 euros que recebe de pensão, somados aos 600 euros da reforma do marido.

Isabel reformou-se há 11 anos, depois de uma vida dedicada ao desenho de projectos - primeiro na área da habitação social, depois na administração do Porto de Lisboa. Está entre os cerca de 270 mil pensionistas portugueses que vão sofrer cortes de 3,5 a 10% nas pensões em 2013, por causa da contribuição extraordinária de solidariedade. Perde ainda 90% de um dos subsídios, é afectada pela alteração dos escalões do IRS e terá ainda de pagar a sobretaxa de 3,5%.

"Segurança Social fez promessas que não podia cumprir"
Para já, estes cortes estão previstos apenas para 2013, mas a perda de rendimentos para os reformados pode solidificar-se num futuro próximo, como o Governo tem vindo a sublinhar.

Para o economista Miguel Gouveia, co-autor do Livro Branco da Segurança Social de 1998, está na hora de os portugueses encararem um problema há muito adiado, já que "as pensões que as pessoas esperam receber de acordo com as regras em vigor podem não ser viáveis".

O professor de Economia da Universidade Católica considera que "a Segurança Social fez promessas que não podia cumprir" e que "as regras eram demasiado generosas, ou seja, o sistema não podia gerar recursos suficientes para pagar as pensões prometidas".

Miguel Gouveia acredita que "o que vai acontecer é que pessoas que têm a expectativa de receber 100 irão receber 70, 80... se tivermos azar 60". Admite que um sistema que dê garantias sobretudo "às pessoas que têm um nível de vida mais baixo" possa assumir um papel meramente assistencialista, mas acredita que "é a melhor maneira de racionar quando os recursos são escassos".

Quanto vale uma promessa do Estado?
Também Carlos Pereira da Silva integrou a comissão do Livro Branco e está actualmente à frente do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Solidariedade e Segurança Social. O especialista tem sérias dúvidas quanto à legitimidade dos cortes nas pensões, recordando casos de pessoas que descontaram sobre vencimentos entre seis mil e 15 mil euros.

"A pensão deles, agora, não é correspondente àquilo que descontaram. Com todos estes cortes vão receber três ou quatro mil. Podem dizer que com esse dinheiro consegue viver, mas o facto é que essa pessoa contribuiu não só para a Segurança Social, mas pagou os impostos correspondentes. Eu não sei se é legítimo fazer coisas destas", afirma.

Carlos Pereira da Silva aceita que vivemos tempos de emergência e que, "neste momento, a única coisa que se pode fazer é repartir sacrifícios" para pagar a dívida, mas preocupa-o que se aproveite para desenhar à pressa um novo modelo para a Segurança Social. "Os suecos fizeram isto em plena crise, na década de 1990, e levaram dez anos a discutir a refundação. Agora nós vamos fazer isto em seis meses?", questiona.