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Grécia e o euro. Uma crise que aconteceu de propósito?

03 jul, 2015 • José Pedro Frazão

Pedro Santana Lopes e António Vitorino ensaiam análises sobre as razões que levaram à situação actual da Grécia. Com bancos fechados, em incumprimento face ao FMI e à beira de um referendo que decide a adesão às propostas dos credores.

Grécia e o euro. Uma crise que aconteceu de propósito?
Pedro Santana Lopes e António Vitorino ensaiam análises sobre as razões que levaram à situação actual da Grécia. Com bancos fechados, em incumprimento face ao FMI e à beira de um referendo que decide a adesão às propostas dos credores.
"Tudo isto é estranho e nada disto é fado." A expressão é de Pedro Santana Lopes, que considera que a situação que se vive na Grécia é de difícil compreensão e terá consequências na própria credibilidade da União Europeia.

"Nós, povos das Europa, não estamos livres de nos aparecer um governo mais ou menos errático, para utilizar um termo simpático, ou insólito, mais ou menos populista, que se ponha a utilizar estas armas institucionais", diz o antigo primeiro-ministro, numa referência ao referendo agendado para o próximo domingo.

No Fora da Caixa da Renascença (para ouvir esta sexta-feira, depois das 23h00), o antigo primeiro-ministro lembra que esta não é a primeira crise da União, nem sequer a primeira desencadeada pela realização de um referendo sobre temas europeus.

"Apesar de tudo, houve sempre os tais acordos de cavalheiros ou de senhoras, as coisas passaram-se sempre dentro da conduta democrática e própria dos nossos sistemas políticos. Aqui, como poderia dizer o senhor Renzi, é o 'casino', a confusão total. É o caos e a anarquia no relacionamento entre instituições", sustenta Santana.
 
Merkel não quis tratar do assunto
Como aqui chegámos? António Vitorino avança duas chaves de leitura para o impasse que se vive no processo grego.

"Primeiro, chegámos aqui pela táctica negocial grega. Errante, de tentativa e erro, muito ziguezagueante. No fim-de-semana passado, era mesmo altamente contraditória, saindo da mesa, anunciando um referendo e depois escrevendo uma carta em que estão dispostos a fazer um acordo e a não fazer um referendo. Este tipo de hesitação revela que a situação interna na Grécia, dentro do Governo e do Syriza, deve ser caótica", argumenta o antigo comissário europeu.

Mas, também do lado europeu, houve algo que mudou em relação às negociações anteriores, sustenta Vitorino.

"Anteriormente, esta questão foi sempre tratada ao nível de chefes de Estado e de Governo. Desta vez, houve uma espécie de relutância dos chefes de Estado e de Governo – leia-se da senhora Merkel, de ser ela mesmo a tratar directamente o assunto para fechar um acordo, remetendo as responsabilidades para os ministros das Finanças."

Confrontado com a realização de duas cimeiras ao mais alto nível numa semana para tratar o assunto da Grécia, Vitorino argumenta que a linha oficial do Conselho Europeu, nessas reuniões, foi remeter o assunto para os ministros das Finanças e para o Eurogrupo.

"Se se queria um acordo verdadeiramente para fechar, tinha que ser ao nível dos chefes. Os ministros das Finanças ficam sempre muito presos pela negociação das questões técnicas. De alguma forma, os líderes europeus desvalorizaram [o tema], poderiam ter chamado a si a responsabilidade", critica o comentador socialista, que detecta grande calculismo político de ambas as partes no processo..

De propósito?
A dois dias do referendo, há outras teses que circulam nas instituições comunitárias, defendendo tudo menos inocência ou desleixo na gestão política do processo.

"Há também quem diga que [os líderes] fizeram isso de propósito porque, não tendo confiança nas posições dos gregos, preferiam que o falhanço fosse ao nível dos ministros das Finanças do que serem eles próprios a assumir essa responsabilidade", afirma António Vitorino.

Pedro Santana Lopes também mostra alguma desconfiança em relação às posições negociais de ambas as partes. "Tudo isto transmite também a sensação de que foi de propósito! Alguém fez de propósito? Porquê? Para demonstrar que o Syriza falha, com os principais governos da Europa a quererem demonstrar que o Syriza falha? Não sei."

O antigo primeiro-ministro continua sem entender o processo na totalidade. "Todo este processo é demasiadamente kafkiano para poder ser entendido à luz do funcionamento normal da democracia e das instituições da União Europeia. Quiseram o quê? Desmascarar o Syriza? Às vezes, quase parece que houve um pacto entre os dois. Quase que parece que a senhora Merkel e os seus parceiros já sabiam que o senhor Tsipras ia fazer isto, que eles queriam que ele fizesse. E que o senhor Syriza deixou Merkel fazer isto para ela mostrar a sua verdadeira natureza. Obviamente, que essa tese não tem fundamento..."

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