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Self-service. Exercício de liberdade ou ameaça aos laços sociais?

28 mai, 2015 • Ricardo Vieira

A aparente liberdade do "self-service" pode ser "uma forma um pouco corrosiva de pôr em causa dos vínculos sociais", diz sociólogo.

Self-service. Exercício de liberdade ou ameaça aos laços sociais?
O sociólogo Casimiro Ferreira olha para o "self-service" e vê duas caras. Um fenómeno ambivalente que se apresenta como "exercício de uma liberdade" de fazer coisas e, simultaneamente, "transporta a ideia da desnecessidade do outro".

O livre serviço nasceu há um século nos Estados Unidos e não parou evoluir. Hoje, podemos fazer compras num supermercado sem necessidade de interacção com nenhum funcionário.

Casimiro Ferreira, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, encontra aqui uma forma de autonomia que "afasta princípios como o da reciprocidade da importância da partilha. Elementos que são críticos naquilo que é o vínculo que une as pessoas numa sociedade".

O "self-service", adverte, "pode ser uma ameaça ou, pelo menos, uma forma um pouco corrosiva de pôr em causa dos vínculos sociais, a pertença, a relação face a face e os laços humanos de uma forma muito geral."

As novas gerações já nasceram num mundo "self-service" e as "dinâmicas que contribuem para o individualismo forçado" ou "institucionalizado" vão continuar, admite o sociólogo.

Mas é preciso ir pondo grãos de areia na engrenagem e humanizar o progresso. O investigador propõe "a redescoberta de valores muito importantes do ponto de vista cívico, como a solidariedade, a partilha, a ajuda, o reconhecimento e respeito pelo outro".

"Este mito de que cada um é senhor do seu destino é pouco consonante com aquilo que hoje podemos dizer que conhecemos sobre as sociedades, porque os vínculos sociais e os laços humanos, a pertença entre as pessoas, as emoções, são muito relevantes."

Os problemas do anonimato
O "excesso de anonimato" de indivíduos rodeados de tecnologia nas sociedades modernas "pode ser patológico" e levar ao isolamento, alerta Casimiro Ferreira.

"Não sei se nos tornamos máquinas, mas o que eu sei é que as emoções fazem parte da vida em sociedade e essa imagem metafórica de nós nos comportarmos como máquinas pode querer dizer que deixamos de estar atentos aos outros, deixamos de ser solidários e mais egoístas."

O anonimato também pode ser uma questão geracional, um fenómeno indesejado pelos mais velhos e "exercitado" pelos mais jovens, que pode "tornar-se num estado de grande sofrimento e de solidão".

Quanto ao impacto do "self-service" e das tecnologias no mundo laboral, Casimiro Ferreira identifica três tendências: uma forma cada vez mais autonomizada de realização pessoal; fragmentação dos colectivos do trabalho; e uma individualização das relações laborais.

A inovação não pode ser positiva para os trabalhadores? O investigador mostra-se cauteloso e considera que essa foi uma "grande promessa" não cumprida.

A "utopia tecnológica" que permitiria poupar os trabalhadores a "tanto esforço humano" esfuma-se na realidade. "O que nós assistimos é ao paradoxo de que o desenvolvimento tecnológico continua, mas o aumento do número de horas de trabalhadas também."