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Santana defende tese dos pagamentos da dívida em função do andamento económico

30 jan, 2015 • José Pedro Frazão

Dois "presidenciáveis" debatem no "Fora da Caixa" riscos e oportunidades da vitória do Syriza. Santana admite proveitos para Portugal de uma renegociação grega. António Vitorino não prevê um perdão a Atenas no curto prazo.

Santana defende tese dos pagamentos da dívida em função do andamento económico
O antigo-primeiro ministro Pedro Santana Lopes confessa a sua "simpatia" por soluções flexíveis de pagamento da dívida pública ao ritmo do crescimento económico. Santana respondia, no programa "Fora da Caixa" da Renascença, sobre os benefícios de uma presença portuguesa numa eventual conferência sobre a dívida pública, proposta pelo Syriza e criticada, esta sexta-feira, pelo primeiro-ministro português.

O antigo-primeiro ministro Pedro Santana Lopes confessa a sua "simpatia" por soluções flexíveis de pagamento da dívida pública ao ritmo do crescimento económico. Santana respondia, no programa "Fora da Caixa" da Renascença, sobre os benefícios de uma presença portuguesa numa eventual conferência sobre a dívida pública, proposta pelo Syriza e criticada, esta sexta-feira, pelo primeiro-ministro português.

"É cedo para dizer. Mas eu nunca posso calar a simpatia... Desde que se colocou a questão do resgate em Portugal sempre tive uma linha de orientação como essa. Apesar das circunstâncias ultradiferentes da Conferência de Londres, e para o pós-guerra da Alemanha e para a dívida alemã. Sempre achei essa a linha de orientação justa: amortização da dívida em função dos períodos de crescimento e estagnação económica", argumenta o possível candidato presidencial em 2016, em declarações expressas antes do debate quinzenal em que Passos Coelho se distanciou da proposta do Syriza.

Uma nova reestruturação da dívida grega vai pôr os contribuintes e cidadãos de outros países a questionar: "Então e nós? Então as nossas dívidas?".

"O serviço da nossa dívida também é pesado. Se Portugal pode aproveitar a situação grega para reestruturar a sua própria dívida, renegociar prazos, etc.? Pode, mas com muita inteligência para não se colar nunca à realidade grega. Portugal tem que estar do lado daqueles que cumprem as obrigações", alerta o antigo líder do PSD.

Esta sexta-feira, no Parlamento, Pedro Passos Coelho afirmou que não apoiará a iniciativa do novo governo grego para a realização de uma conferência europeia para a renegociação das dívidas soberanas.

Dilemas e tabus
Santana diz que a União Europeia vive no dilema de insistir no cumprimento de obrigações. "Os responsáveis [europeus] têm dito que o perdão da dívida está fora de causa, ao dar a entender que pode haver maturidades diferentes. Maturidades e juros são importantes para todos os países".

Já António Vitorino não acredita num perdão parcial da dívida grega que poderia aliviar a pressão financeira sobre o governo grego. "Não creio que isso seja viável. Muito menos assim num prazo relativamente curto. Mesmo que se chegasse um dia a um acordo desse género, penso que não há soluções individuais para países sobre a questão da dívida. Sempre disse isso aqui [no 'Fora da Caixa']. É uma questão europeia, tem que ser vista no seu conjunto", defende o antigo comissário europeu.

O socialista lembra que Portugal tem cerca de três mil milhões de euros alocados em empréstimos à Grécia. "Não é possível ignorar que as decisões que a Grécia tomar têm repercussões em todos os outros países. Os contribuintes gregos são tão respeitáveis como os portugueses ou os alemães", adverte Vitorino.

A teoria do contágio da situação grega a outros países coloca-se no momento de uma possível saída do euro pela Grécia, argumenta o antigo ministro socialista. "A partir do momento em que haja um país que sai, então os investidores internacionais vão olhar para os países da zona euro. E vão dizer: 'Bom, se saiu um pode sair outro e podem sair mais'. E é aí que nós, portugueses, temos que estar muito atentos aos que se passa na defesa dos nossos interesses nacionais".

Para aí chegar é preciso quebrar um tabu, refere. "Os tratados prevêem apenas a saída da União Europeia no seu conjunto. Uma vez entrando na moeda única, é na moeda única que se fica. Mas se um país decidir sair, não vamos mandar para lá as forças armadas para os obrigar a usar euros."

"A eventual saída de um país [da moeda única] criaria um precedente gravíssimo. Provaria o que ainda não está provado até hoje: que, de facto, um país pode sair do euro e que a pertença ao euro não é irreversível e a protecção que o euro dá pode não ser eterna", observa o antigo comissário europeu.

"Choque e pavor"
Mas, afinal, o que quer o Syriza? Santana levanta duas hipóteses. "Ou estamos perante pessoas temerárias e aventureiras – não quero acreditar nisso – ou então [Alexis] Tsipras sabe que não pode atirar o seu país para um precipício que resultaria numa ruptura a todos os níveis com a União Europeia".

Se o comentador social-democrata tem colocado a tese do "susto controlado" na Europa, Vitorino usa uma metáfora bélica. "O Syriza adoptou uma táctica de 'choque e pavor': fazer tudo 'à cabeça', com uma sucessão de medidas que criam factos consumados e que, obviamente, tornam o diálogo com as instâncias europeias mais difícil".

O antigo ministro da Defesa lembra que os restantes países da União Europeia não têm sequer admitido a reestruturação da dívida grega como uma hipótese de discussão.

Vitorino reconhece que a posição de partida do Syriza é, pela via da reestruturação, no mínimo reduzir a dívida pública a 50%.

"Há uma linha limite de que falam alguns economistas: uma eventual saída da Grécia do euro teria mais custos para a União Europeia do que suavizar o programa de ajustamento. Se os gregos estiverem convencidos de que esta tese é verdadeira, tenderão a esticar a corda. Dirão que a solução de serem empurrados para fora do euro seria sempre mais custosa para quem os empurra", afirma o socialista.

Vitorino diz que por esta via o calculismo político do Syriza é muito arriscado. "É tirar máximo proveito possível daquilo que pretendemos obter, sabendo que, no limite, do outro lado da mesa, estará quem nunca dará o passo de nos atirar".

Santana Lopes apresenta outra tese no plano doméstico grego. "Se há ponto em que poderá haver alguma dissonância entre o eleitorado do Syriza e a sua direcção é no que toca à relação com o euro. Portanto aí talvez o Syriza possa ter alguma margem de maior compreensão face àquilo que respeita ao salário mínimo, ao pagamento de impostos em prestações ou nalguns recuos nas demissões na função pública".

Puros e perversos
António Vitorino volta a advertir para a exigência de uma "limpeza" da zona euro por parte dos países do Norte da Europa, que se apresentam como os "puros" da moeda única.

Portugal não é a Grécia, insiste Vitorino. "Mas estas lógicas purificadoras, perversas, acabam por não se ficar apenas nas praias de Atenas. Outros países estariam em mira. Há uns anos chamavam-lhes o Clube Med. Agora mais ofensivamente chamam-lhes PIGS, o que é inadmissível. Obviamente que Portugal, Espanha e Itália não estão fora do radar desta perversidade que é de dizer que devia haver um euro dos puros, um euro forte. Para isso teriam que 'escovar' os países periféricos do Sul da Europa", descreve o antigo comissário europeu.

A opinião é partilhada por Santana Lopes para quem "os puristas do Norte da Europa têm que se lembrar que as dívidas de alguns dos países que não são propriamente próximos do Mediterrâneo ou da Europa do Sul têm também níveis assustadores e pesados. Alguém está a dizer isso aos líderes do Norte da Europa? Acho que é altura de o dizer e lembrar".

Rematando o debate, Vitorino reconhece: "Neste momento podemos dizer que a União Europeia está melhor preparada para a eventualidade de um cenário de ruptura. Mas ninguém pode dar garantias que estejamos imunes a um efeito de contágio".

O programa Fora da Caixa é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir depois das 23h00 de sexta-feira.