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Fora da Caixa

BCE: "Agora os Estados vão ter que acertar nas suas escolhas"

26 jan, 2015

Pedro Santana Lopes e António Vitorino analisam impactos possíveis do programa de compra de dívida pública pelo Banco Central Europeu. Os comentadores do "Fora da Caixa" identificam tarefas para os bancos, mas também para os países membros da União Europeia.

BCE: "Agora os Estados vão ter que acertar nas suas escolhas"
Pedro Santana Lopes e António Vitorino analisam impactos possíveis do programa de compra de dívida pública pelo Banco Central Europeu. Os comentadores do "Fora da Caixa" identificam tarefas para os bancos, mas também para os países membros da União Europeia.

Os anúncios do BCE não se dirigem apenas aos bancos, mas também aos estados da zona euro. O alerta é de Pedro Santana Lopes no programa "Fora da Caixa", da Renascença.

"Os privados podem fazer as suas análises mas o Estado tem também obrigação de as fazer. Não tem é que obrigar os privados a fazer coincidir as suas opções com aquelas que o Estado delineou.  Mas tem obrigação de as ter e de definir os seus estímulos, apoios, bonificações, isenções, à luz daquilo que considera os caminhos correctos. Os Estados têm agora que acertar nessas escolhas. Se errarem vão pagar um preço muito caro", considera o antigo primeiro-ministro e possível candidato à Presidência da República.

António Vitorino admite que a decisão do BCE "cria alguma margem de conforto para os bancos assumirem também maiores riscos nos projectos da iniciativa privada que apoiam".

O antigo comissário europeu considera que a questão não está na procura de crédito, mas na capacidade de aceitar projectos para financiar. "Tem a ver com as condições do crédito e com a análise do risco. Os bancos passaram por um grande aperto. É natural, humano até, que tenham apertado muito o critério do risco", considera Vitorino.

"Rubicão"
O comentador socialista diz que foi cruzado um "rubicão" importante.

"A mutualização da dívida vai apenas até 20%. 80% da divida soberana comprada vai ficar sob responsabilidade dos bancos centrais nacionais. Mas pela primeira vez, há um mecanismo claro de assunção de responsabilidade colectiva por uma parte da dívida. É um primeiro passo e contra a doutrina tradicional da Alemanha", assinala Vitorino que insiste em sublinhar como a Alemanha foi obrigada a ceder.

"Antes do euro, se estivéssemos confrontados com uma situação de deflação, sabe o que acontecia? O Banco Central Alemão decidia sozinho o que muito bem queria. Ninguém seria ouvido na decisão do Banco Central alemão. E todos os outros tinham que se acomodar às consequências da decisão do Banco Central alemão. Esta é a grande diferença entre uma decisão que não seria aquela que poderíamos gostar mais - mas tomada pelo espaço do euro, em que a Alemanha, mesmo que tenha resistências, vai ter que jogar pelas novas regras do jogo  - e antes do euro, em que a Alemanha decidia e nós sofríamos as consequências".

Ainda assim, o antigo comissário recomenda cautelas sobre os resultados deste novo programa de compra de dívida pelo BCE. "Estamos aqui com grandes esperanças e expectativas e acho que é legítimo que as tenhamos, mas não há milagres em matéria económica. Vamos ter que ver se estes mecanismos vão efectivamente produzir os resultados que nós pretendemos. Esses resultados têm a ver com a retoma do crescimento económico e da inflação para perto dos 2%, que é muito importante para um país com divida externa tão grande como Portugal", adverte António Vitorino.

"Negociação duríssima"
Os comentadores do "Fora da Caixa" consideram que as eleições na Grécia representam também uma nova etapa na Europa.

"Espero uma negociação duríssima", diz Santana Lopes, a propósito do diálogo entre Bruxelas e o novo governo grego. Para o antigo primeiro-ministro esta é "uma oportunidade para a Europa se pensar a si própria".

Já António Vitorino admite que, "mesmo com este programa político mais 'soft' do Syriza, vai haver um braço de ferro com desfecho imprevisível". E tudo começa já esta segunda-feira, diz Vitorino, com "uma queda na bolsa de Atenas, mas sem efeito de contágio. Segunda-feira começa uma nova contagem para um afrontamento inevitável entre o governo grego e as instituições europeias".

Os traumas da banca
É uma preocupação que se estende às novos gestores dos principais bancos portugueses, diz Santana Lopes, numa referência às mudanças no topo do BCP e do BES/Novo Banco.

"Eles [as equipas de gestão que estavam nos bancos ]têm um trauma, pelo aperto que sofreram, pelas perdas que tiveram que assumir e enfrentar.Neste momento, com a entrada de novas equipas, a questão agora é a de ligação à realidade, às PME, aos seguros de crédito, aos apoios lá fora, aos circuitos de exportação. A ligação à terra das novas equipas dirigentes das instituições financeiras é fundamental. Uma chave do sucesso é o recrutamento, a constituição das equipas que decidem. E nós temos 3 a 5 anos para termos sucesso nessas decisões todas", diz Santana.

O que é que é preciso agora fazer com estas medidas? Pedro Santana Lopes enumera um conjunto de encargos para o Estado: "não perder de vista a tão premente reforma do Estado, a contenção da despesa pública, garantir que o Estado não consome mais do que 49% da riqueza nacional. São as metas clássicas. Ao mesmo tempo, os Estados devem tomar medidas de estimulo, de bonificação de juros para alguns investimentos, de linhas de crédito directamente relacionadas com apoio às exportações, aumento e melhoria da produtividade".

Economia não recupera tão cedo
O possível candidato presidencial admite que a recuperação da economia portuguesa será lenta.

"Tão cedo, de maneira sólida, a economia não vai recuperar. No território português, a desertificação econômica atingiu largas camadas do território, muitas vezes à volta de Lisboa e Porto. Por exemplo os 'booms' imobiliários à volta de Lisboa e Porto, que estão a níveis muitíssimo acelerados, não têm nada a ver com aquilo que se passa à volta das duas principais cidades do país, para não falar noutras regiões. Dou-lhe o exemplo, na zona de Santarém: quantas ruas com lojas e empresas fechadas? Fazer renascer tecido económico não é trabalho para seis meses, nem para um ano."

O programa Fora da Caixa é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir depois das 23h00 de sexta-feira.