Emissão Renascença | Ouvir Online

Compram-se prémios de gestão em Portugal? "Eu fi-lo"

13 out, 2014 • João Carlos Malta

Com o dedo apontado à PT, o ministro da Economia levantou o véu sobre a existência de prémios de gestão comprados. À Renascença, alguns empresários admitem que isso acontece ou já aconteceu.

O ministro da Economia, Pires de Lima, acusou esta semana os gestores da Portugal Telecom (PT) de serem "especialistas na compra de prémios internacionais" e de serem "apresentados como falsos gurus". A tirada foi interpretada como sendo dirigida a Zeinal Bava, mesmo que Pires de Lima não o tenha nomeado.

Será que esta é uma prática generalizada em Portugal ao nível nacional e internacional? A Renascença foi à procura de respostas junto a gestores, empresários e líderes associativos.

"Estive envolvido em muitos desses processos e sei que há pessoas a comprar prémios para directores gerais. Eu fi-lo aqui e em Espanha", adianta à Renascença uma fonte ligada ao mundo dos negócios há mais de três décadas.

"Há prémios de gestores do ano atribuídos em troca de publicidade e patrocínios às entidades que os promovem", revela o mesmo empresário, que pediu para não ser identificado, esclarecendo que o seu conhecimento se restringe à Península Ibérica.

Premiado demitido "por incompetência"
"Não ligo nada a esses prémios porque sei como é que eles são atribuídos", acrescenta o mesmo empresário. São raras as vezes em que a "performance é tida em atenção", diz.

E conta um episódio caricato. "Há uns anos houve um empresário de uma determinada área que foi eleito empresário do ano. O processo de selecção foi em Outubro e Novembro, e em Dezembro foi entregue [o galardão]. Antes disso, o gestor foi despedido por incompetência, mas a justificação pública para a saída foi médica", lembra.

A mesma opinião tem o empresário Henrique Neto. "Muitos prémios deste género são comprados. É tudo muito laudatório quando se falava de gestores como Mexia, Bava ou Granadeiro", diz.

Outro empresário ouvido pela Renascença reconhece que, apesar de todos ouvirem uma ou outra história de prémios falseados, Portugal não tem dimensão para "que esta seja uma prática generalizada".

Já Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, relata que teve conhecimento de alguns casos de falseamento de prémios há alguns anos. "[Mas] agora não tenho conhecimento que isso seja prática actualmente", ressalva.

Empresários aplaudem Pires de Lima
Na mesma entrevista ao semanário "Expresso", o ministro da Economia prosseguiu o feroz ataque aos ex-adiministradores da PT. "As figuras mais altas da PT sobreviveram com uma aura de prestígio, apesar de a empresa desvalorizar 20 e 30%. Isto foi possível graças à cumplicidade entre núcleos de accionistas e gestores", criticou.

O que pensam os empresários portugueses de o ministro se ter dirigido directamente à gestão da PT, que tinha Zeinal Bava e Henrique Granadeiro ao leme?

"A sociedade está a ficar farta destes glutões. Alguém tinha de ser responsabilizado", diz à Renascença o presidente da Frezite (unidade de metalomecânica sediada na Trofa), José Manuel Fernandes. "Estas pessoas têm de ser excluídas da sociedade. Eu chego à Alemanha e perguntam-me se ainda temos bancos e sistema financeiro", diz o empresário, irritado.

Fernandes defende as palavras de Pires de Lima. "Acho bem que o tenha feito. Essa gente não tem vergonha".

Para Rafael Campos Pereira, as declarações de Pires de Lima são normais. O que não é normal, diz, é a situação na PT. "São afirmações absolutamente aceitáveis para alguém que tutela a área da Economia, ainda para mais depois de toda esta destruição de valor", considera.

Há, no entanto, quem defenda, como Henrique Neto, que o ministro do CDS/PP está a "chutar para canto" ao apontar o dedo ao Governo de José Sócrates como responsável da situação actual da empresa de telecomunicações. "Ainda que isso seja verdade", reconhece.
 
Um empresário que conhece Pires de Lima há mais de 20 anos, e que pediu para não ser identificado, crê que esta entrevista se enquadra no perfil do ministro que, mesmo dentro do seu partido, "não é dos mais amados", precisamente "por dizer coisas que não são politicamente correctas". Mas, realça, "é muito respeitado" por ser "tecnicamente muito bom". "O forte dele não é propriamente ser simpático".

Sobre como é que estas palavras serão recebidas nas empresas, esta fonte acredita que nas PME vão aplaudir. Porquê? Porque pensam: "Ele [Zeinal Bava] sai da forma que sai e ainda recebe cinco milhões e eu se tenho algum problema com a banca não tenho negócio no dia a seguir".

Já nas elites empresariais a reacção será diferente, alerta: "A entrevista não vai ser bem vista porque pensam que há um risco de um dia lhes calhar a eles".