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Reportagem

A "salsinha portuguesa" e o alho oriental: há lugar para todos neste jardim comestível

20 out, 2014 • Olímpia Mairos

Já foi uma mata de pinheiros. Hoje é um jardim onde tudo se come: ervas, flores comestíveis, legumes. Fomos a Fonteita, no concelho de Vila Real.

A "salsinha portuguesa" e o alho oriental: há lugar para todos neste jardim comestível

Há nove anos que Graça Saraiva, engenharia zootécnica, tem um objectivo: transformar uma mata de pinheiros num jardim comestível.

O projecto Ervas Finas de Trás-os-Montes nasceu na aldeia de Fonteita, concelho de Vila Real, filho de um "respeito imenso pela natureza" e de uma "vocação pela gastronomia, a cozinha, as tradições", aliada à "inovação, ao pormenor, à arte", conta à Renascença Graça Saraiva.

Tem 44 anos e é formada em engenharia zootécnica. Fez formações posteriores em agricultura biológica e passou pela arquitectura paisagista, que não concluiu para começar este projecto.

Há nove anos, "não tinha praticamente capital para investir". Recorreu à ajuda de familiares, a projectos comunitários e a financiamento bancário. Foram precisos cerca de 250 mil euros.

"O maior capital é sempre a vontade, a visão", diz. "É isso que nos dá resiliência, que nos faz avançar todos os dias: acordar, ultrapassar todos os obstáculos, transformar um obstáculo numa oportunidade."

Tudo o que é produzido no jardim comestível das Ervas Finas vai para a restauração e para a hotelaria, em diversos pontos do país. 

O que cheira a caril e o que sabe a anis 
O jardim, de um hectare e meio, tem instaladas cerca de 250 espécies e variedades, todas elas com características muito distintas que precisam de um "cuidado permanente", diz Graça Saraiva.

De entre as variedades mais conhecidas, Graça apresenta-nos a salsa ("gostava tanto que as pessoas continuassem a cultivar a salsinha portuguesa, em vez dessa gigante de Itália que por aí anda"), o levístico "que cheira a caril", o agastache, "que sabe a anis", o alho oriental, "que sabe nitidamente a alho, com alguma sofisticação", hortelãs "que cheiram a quase tudo que possamos imaginar", manjericão "que sabe a cravinho, a canela ou limão…", e tantas outras, verdes e viçosas, que Graça vai tocando à medida que fala.

Em termos de flores, diz "apreciar muito as da flora autóctone": a borragem, as centáureas, a urze, o alecrim, a flor dos orégãos, que é muito aromática, a onagra, as prímulas de Verão, as violetas, os amores-perfeitos silvestres. "Todas estas são da nossa flora espontânea, que as pessoas, muitas vezes, vão delapidando, usando herbicidas", lamenta.

Mas no jardim existem outras espécies: "as flores da monarda, as bocas de lobo, as capuchinhas ou chagas, as margaridas, as cravinas, os cravos túnicos, as rosas de Santa Teresinha…".

Mais leve, mais saudável
Todas estas maravilhas da natureza tanto podem ser usadas na cozinha de autor como na mais tradicional, garante Graça. Ganha-se "valor nutritivo, melhoria da digestibilidade e até redução do consumo de sal."

As ervas aromáticas, assim como algumas flores, podem ser usadas em pequeníssimas quantidades para "valorizar e aligeirar" a cozinha tradicional. Fica "mais leve e nutritivamente mais saudável", diz.

"Temos arranjado técnicas de preservação deste nosso jardim, transformando essas flores, desidratando-as, cristalizando, transformado em geleia, xarope… e estamos a integrá-las em produtos nossos e em matérias-primas", conta.

Crescer
Graça Saraiva quer fazer crescer o projecto e, para diluir a sazonalidade, propõe-se valorizar mais o jardim preservado para que as propostas possam chegar mais longe e durante mais tempo, oferecendo ao mercado produtos menos perecíveis.

Outra das apostas passa por transformar a cozinha experimental do jardim numa oficina de aromas e sabores naturais.

"Cada vez mais queremos vir a promover acções de formação para ajudar as pessoas a interpretar, a ganhar referências sensoriais à volta dos aromas e dos sabores que tanta falta fazem ao nosso quotidiano", frisa.