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Terramoto no BES já está a abalar as empresas

15 set, 2014 • João Carlos Malta

PME já começam a sentir restrições ao financiamento e as ondas de choque atravessam o Atlântico. Multinacionais inspeccionam filiais portuguesas para assegurar que não tinham aplicações financeiras no banco.

Terramoto no BES já está a abalar as empresas

O fim do BES, o aparecimento do Novo Banco e a turbulência na gestão dos dois primeiros meses está a deixar as pequenas e médias empresas (PME) nacionais receosas. À Renascença, vários empresários deram exemplos concretos de maiores barreiras ao financiamento. 

A redução do valor ("plafond") das contas caucionadas e a incerteza na obtenção de financiamento para apresentar garantias bancárias são as maiores perturbações para as empresas.

A venda desta instituição coloca também um ponto de interrogação sobre o efeito sistémico na banca que resultará da venda da instituição financeira, no caso de perdas para o fundo de resolução bancário.

"É duvidoso que o Governo consiga vender o banco de maneira a recuperar os valores todos que lá foram colocados. Nesse aspecto, é preocupante porque, se a venda não ocorrer pelos valores que lá foram colocados, parte é assumido pelos outros bancos", diagnostica o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes.

"Se os outros bancos tiverem de assumir essas perdas tenderão a subir os seus custos e os seus serviços. Isso é mau para a economia", avisa Vieira Lopes.

O Estado injectou 4,4 mil milhões de euros de um total de 4,9 mil milhões de euros, através do fundo de resolução, no capital do Novo Banco.

Perigo duplo
Na construção, o presidente da Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas (FEPICOP), Ricardo Pedrosa Gomes, diz que o perigo para o sector do que vier a acontecer com o Novo Banco é duplo.

"Temos receio. Não o escondemos. E no nosso caso concreto, esse receio até é redobrado. O BES era um banco muito activo no sector e temo o que venha ser a nova realidade bancária do Novo Banco", define Pedrosa Gomes.

"Tememos que haja uma atitude menos proactiva para com o sector", resume o líder associativo.

A auscultação que a FEPICOP fez às empresas do sector com mais ligações ao ex-BES indica que são as PME as mais afectadas por esta situação. "Nas grandes empresas continua tudo normal", assegura. 

O líder da rede de bijuteria Parfois, Sérgio Marques, tem relações comerciais com o BES. Diz que esta situação está a causar apreensão. Não só pelo que se está a passar no banco, em que ainda não identifica mudanças concretas, mas sobretudo pelo que poderá resultar de uma má venda.

"Pode criar uma situação de contágio, uma vez que este é um problema em que todo o sistema bancário está envolvido", explica. 

Menos dinheiro, mais imprevisibilidade
A queda da família Espírito Santo e os dois meses de Vítor Bento à frente da instituição que resultou da parte "boa" do BES trouxeram já alguma instabilidade às empresas, com especial incidência para as PME.

À Renascença, tanto Vieira Lopes como Pedrosa Gomes contaram episódios que estão a perturbar o normal relacionamento das PME com o Novo Banco.

Segundo o presidente da CCP, o "BES [Novo Banco] está a perder depósitos e vai ter tendência a ser mais restritivo num conjunto de condições a dar a estas empresas".

"Tem havido um ou outro indício de que de facto o BES [Novo Banco] não quer deixar de trabalhar com essas empresas, mas quer baixar as responsabilidades", acrescenta. Foi veiculado pela imprensa que ter-se-á registado o levantamento de 10 mil milhões de euros em depósitos nos últimos meses.

De seguida, Vieira Lopes é mais concreto. "As empresas têm descobertos bancários [conta caucionada]. O que se está a verificar é que quando termina um prazo de renovação há tendência a baixar o valor", explica. 

"Isso causa alguma preocupação. Se uma empresa precisa de ter um descoberto bancário [autorização para trabalhar com o dinheiro de um banco até determinado valor] de 50 mil euros e, ao invés desse valor, passa a ter 30 ou 40 mil, isso tem impacto na economia”, pormenoriza.

Na construção, Pedrosa Gomes coloca a ênfase nas garantias bancárias, um instrumento fundamental para uma empresa reunir condições para ir a concurso.

"Nesses casos, aconteceram alguns atrasos. Há mais perguntas e dificuldades em conseguir essas garantias. O que nos explicaram tinha alguma lógica: que há sempre uma mudança de procedimentos quando há uma nova administração. Neste aspecto tivemos alguma perturbação no que era o dia-a-dia no que era a relação com o banco", revela.

Este era um procedimento que antes tinha uma data previsível de resposta, duas ou três semanas. Deixou de ter. Com que consequências? "Há dificuldade em uma empresa apresentar-se a concurso ou em dar seguimento aos projectos que tem em mão."

Ondas de choque chegaram ao Canadá

O caso BES teve repercussão colossal na comunicação social e nas instituições internacionais, mas também nas empresas. Especificamente em multinacionais.

A Fibope, unidade portuguesa especialista em película aderente que pertence à Intertape, diz que as ondas de choque chegaram ao Canadá.

"O impacto foi de tal ordem que tivemos de justificar e provar à Intertape que não tínhamos qualquer aplicação em papel comercial. Se tivéssemos, teríamos de ter retirado imediatamente", explica o administrador da Fibope, Eduardo Sousa.

Na Frezite, unidade metalúrgica da Trofa, o presidente José Manuel Fernandes indica que agora a exposição ao BES é muito reduzida porque a estratégia nos últimos tempos do grupo foi de alterar os investimentos.

"Fomos abordados por outros bancos com melhores condições e mudámos", diz o empresário. Em relação à gestão corrente de contas afirma que não sentiu "nenhuma dificuldade".

Dificuldade nos pagamentos
No campo da publicidade e média, a Nova Expressão, liderada por Pedro Baltazar, diz que, apesar de não ter relações comerciais com a ex-BES, já sente o efeito "directo sobre alguns clientes e fornecedores que têm apresentado dificuldade nos pagamentos".

"Começa a haver alguns desequilíbrios", afirma.