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Orçamento Rectificativo. Novos motivos de preocupação

28 ago, 2014 • Graça Franco

Não será ainda este ano que vamos conseguir inverter travar o crescimento da bola de neve da dívida.

Orçamento Rectificativo. Novos motivos de preocupação
Maria Luís Albuquerque afirmou, esta quinta-feira, que o Governo ainda está à espera de esclarecimentos sobre se terá de incluir no défice operações extraordinárias relacionadas com empresas de transporte e com o empréstimo para o Novo Banco. A ministra das Finanças garantiu que estas operações, que no global valem 5,9% do PIB, não colocam em causa as metas para este ano, nomeadamente a do défice de 4%. A Directora de Informação da Renascença comenta o segundo orçamento rectificativo do ano.

Maria Luís Albuquerque avisou hoje que para 2015 "a necessidade de consolidação orçamental se mantém porque o défice se reflecte no crescimento da dívida" e, em rigor, “é o valor da dívida e dos juros a pagar por ela" que verdadeiramente “preocupam os portugueses”. Tem razão. Mas é exactamente por isso que, em relação a este ano, os portugueses não tiveram nenhuma boa notícia, antes tiveram novos motivos de preocupação.

Porquê? Porque a própria ministra admite agora que a divida pública consolidada bruta chegará no final do ano a quase 131%. Resumindo, ao contrário do desejado não será ainda este ano que vamos conseguir inverter travar o crescimento desta bola de neve.

É verdade que o Banco de Portugal já nos tinha avisado que, no segundo trimestre, a divida disparara para 134%, mas o número não tinha em conta o diferente perfil intra – anual” dos pagamentos de amortizações que já nos próximos meses passará por um significativo abatimento de quase cinco mil milhões. Os 134 vão descer, mas apenas para os 131. Muito mais do dobro do limite desejado e 20 pontos acima do valor registado no momento da chegada da troika.

Ou seja, mesmo cumprindo os quatro por cento de défice fixados por Bruxelas, se olharmos os dois indicadores impostos pelo pacto de estabilidade e crescimento continuamos não apenas um ponto acima do limite dos défices excessivos como com um “défice contido com a dívida de fora”.

A ministra calcula, aliás, em 5,9% do produto (quase dez mil milhões!) o montante total de uma série de operações “extraordinárias” pontuais e “ irrepetíveis” cuja exacta contabilização estatística ainda não está definida. Ao certo não se sabe se afectarão o défice deste ano ou de anos anteriores ou se, pelo contrário, irão directamente à dívida sem passar pelo registo em défice nenhum. O cálculo exacto ainda está pendente de “autorização” das entidades estatísticas.

Certo é o impacto da nova contabilização das operações que envolveram a consolidação da divida da CP e que representam 2,3% do PIB, mas que apenas agravarão o défice de 2010. Águas passadas.

Em contrapartida operações semelhantes envolvendo a STCP e a Carris já é quase certo que farão disparar em 0,7 décimas o défice para este ano somando aos 4% (embora não contem para Bruxelas). O mesmo pode acontecer - mas ainda não é certo - com os 2,9% do PIB que vale o empréstimo para o fundo de resolução do BES. Ou seja, podemos acabar em 2014 com um défice de praticamente 7%, embora desses haja pelo menos três pontos que “não contem” para o cumprimento das metas impostas para a correcção dos défices excessivos.

Em rigor nalguns casos não muda mesmo nada em relação à realidade (porque a dívida, como no caso do BES, ou o gasto do Estado correspondente, como no caso das dívidas e reforços de capital das EPS que entram e/ou saem do perímetro orçamental já estava em rigor assumida pelos contribuintes embora assumida, de forma mais discreta…).

Estatísticas à parte, porque estas até podem melhorar com as novas regras a anunciar pelo INE nos próximos dias e que vão inflacionar o valor do PIB já para este ano, vale a pena centrar-nos no indicador que a própria ministra considera que verdadeiramente interessa, “ o saldo estrutural” ou seja o défice “sem medidas pontuais nem efeitos do ciclo económico” e aí a melhoria registada, este ano, vai ficar-se pelo mínimo exigido pelo Tratado Orçamental ou seja uns escassos 0,5 pontos percentuais. Ficamos assim em termos de efectivo esforço de “consolidação” abaixo dos 0,7 pontos inicialmente prometidos.

Com tanto sacrifício - e três anos depois de iniciado o ciclo de prometida mudança - parece, infelizmente, muito pouco. Tanto mais que, como a ministra avisa e bem, no próximo ano o esforço vai afinal ter de ser ainda muito maior. Basta pensar que este ano o défice que conta para Bruxelas se reduziu de 4,9% para 4%.
No próximo ano terá de descer para 2,5% ou seja não precisamos de cortar uns escassos 1300 milhões mas uns 2500, ou seja praticamente o dobro. Imaginam o que isto significa?