Emissão Renascença | Ouvir Online

"Crise funcionou como um choque e pode ajudar Portugal a ser mais produtivo"

17 jun, 2014 • Sandra Afonso

Director do Centro de Estudos Políticos Europeus diz, em entrevista à Renascença, que faltam instrumentos de recuperação na Europa, sobretudo para as famílias endividadas.

A crise funcionou como uma terapia de choque para Portugal, que tem sabido aproveitar a boleia das exportações. A análise é feita pelo director do Centro de Estudos Políticos Europeus, Daniel Gros, que elogia o trabalho feito em Portugal.

Em entrevista à Renascença, este economista diz que faltam instrumentos de recuperação na Europa, sobretudo para as famílias endividadas, e dá como exemplo os Estados Unidos onde facilmente os particulares podem declarar bancarrota e começar do zero.

O Banco Central Europeu (BCE) pouco pode fazer para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) e a recuperação da economia vai ser penosamente lenta, prevê Daniel Gros.

Como é que vê este braço de ferro entre o Governo e o Tribunal Constitucional no final do programa da troika?
O problema que o Governo tem com o Tribunal Constitucional é de segunda ordem. A chave do sucesso de Portugal, até agora, têm sido as exportações, que têm crescido de forma sustentável, até melhor do que antes da crise, o que é raro. Em muitos países o crescimento das exportações tem sido mais difícil depois da crise, em Portugal é ao contrário.

Como classifica as últimas decisões do Banco Central Europeu?
Não acho que vão ter um grande impacto no terreno. O BCE quer melhorar o financiamento das PME, aumentá-lo, mas esse não é realmente o problema na maioria do países do euro. Talvez em alguns países, como Portugal, possa haver alguma margem de impacto, mas em grandes países, como Alemanha e França, não é esse o problema.

Qual é então o problema e o que pode fazer o BCE para ajudar as pessoas e países como Portugal?
De uma forma geral, a falta de procura, sobretudo no Norte da Europa, mas o BCE pouco pode fazer, porque taxas de juro baixas a Norte implicam menos rendimento e podem levar as pessoas a consumir ainda menos e, claro, há também a questão da grande dívida, mas a maior parte é financiada com taxas de curto prazo, que já estão próximas de zero. Portanto, repito, a acção do BCE terá um impacto limitado.

Os bancos portugueses dizem que têm dinheiro para emprestar às PME, mas as empresas dizem que não conseguem crédito. O que se passa?
Isso é típico quando temos um longo “boom” de procura em casa, em muitas PME. Muitas melhorias em casa e salões de beleza, depois o vento muda, estas coisas deixam de ser prioritárias e estas pessoas deixam de ter crédito e isso é um problema, mas acho que é inevitável.

Porque não somos um país mais produtivo?
Portugal já tinha um problema estrutural antes da crise e grande parte devia-se a um mau sistema de ensino: o capital humano. Isso foi sendo corrigido lentamente, não foi feito o suficiente no início mas está a ser tratado. As novas gerações estão melhor preparadas e o país pode tornar-se mais produtivo. Acho que em Portugal a crise funcionou como um choque, acordou todo o sistema e pode ajudar a tornar o país mais produtivo.

Como vê o futuro na Zona Euro?
Acho que vamos ter um crescimento muito lento, mas não será nenhuma catástrofe. Não acredito que teremos outra crise, nem económica, nem financeira, nem política, mas o envelhecimento da população vai impor um crescimento muito lento.

Aprendemos alguma coisa com a crise?
Penso que aprendemos uma lição muito importante: temos de estabilizar o nosso sistema financeiro juntos, porque é altamente integrado e é impossível aos países estabilizarem os bancos, a nível nacional. Tem de ser feito a nível europeu e esse mecanismo agora existe.

Como descer a dívida, em particular em Portugal, sem agravar o desemprego?
O desemprego é uma coisa que demora sempre muito tempo a recuar. A economia tem de recuperar, precisa de um sistema de ensino melhor, novos mercados, não há uma cura mágica no curto prazo, sobretudo para um país como Portugal. Há um nível elevado de dívida privada aos bancos, era mais fácil lidar com isso com mais crescimento. Também é importante agilizar as falências, para que quando as pessoas não conseguem pagar isso seja reconhecido e alguns meses depois possam recomeçar do zero, o que não é possível em muitas partes da Europa.