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Os portugueses que querem conquistar o mundo dos videojogos

21 fev, 2014 • Pedro Rios

Ainda não se pode falar numa indústria de pleno direito, mas há cada vez mais empregos criados no sector dos videojogos em Portugal.

Os portugueses que querem conquistar o mundo dos videojogos
Eram aves raras há alguns anos, mas hoje há cada vez mais criadores de videojogos em Portugal. Ainda hesitam em falar numa indústria portuguesa de jogos digitais, dada a pequenez do sector, mas multiplicam-se os sinais de que esta é uma área em expansão. O melhor futebolista do mundo confiou na Biodroid de Ricardo Flores para fazer um videojogo inspirado no seu talento. João Melo, da Wingzstudio, sonha fazer o próximo "Angry Birds" e tem na calha um jogo com Radamel Falcao. Filipe Pina fez o "jogo mais português de sempre", muito apreciado no estrangeiro.


O jogo mais português de sempre


Deu os primeiros passos, "umas brincadeiras", no final dos anos 1980, quando o ZX Spectrum era a máquina rainha dos videojogos. Os pais não tinham dinheiro para comprador um computador pessoal, então um privilégio de poucos.

"Rapidamente percebi que programar não era o meu forte", diz Filipe Pina, hoje com 34 anos. Gostava era dos "gráficos, dos desenhos". Os primeiros jogos, feitos quando tinha 12 anos, eram coisas "simples, de plataformas", quando não meras "experiências de pôr um boneco a andar com o teclado". E "isso já era uma alegria".

Sem um computador onde pudesse aprender a programar por conta própria, manteve uma relação forte com os jogos, mas apenas como jogador. Foi só por volta de 1998, quando começou a trabalhar, e comprou o primeiro computador pessoal, que voltou a pensar em fazer videojogos. "O bichinho ainda estava lá."

Em 1999 conheceu, através da internet, os futuros sócios da Seed Studios, nome importante da (curta) história dos videojogos portugueses - produziu "Under Siege", que muitos vêem como o mais ambicioso jogo made in Portugal.

A Seed, com sede no Porto, haveria de nascer em 2006. "Antes de chegarmos ao ‘Under Siege’, trilhámos um caminho bastante interessante que foi acabar com a manias megalómanas, que todos temos quando somos mais miúdos, de fazer grandes videojogos e grandes produções".


''Inspector Zé'', o jogo "mais português" de sempre
O primeiro jogo da Seed foi "Sudoku for Kids", para PC e Nintendo DS. Outros jogos se seguiram até chegarem a "Under Siege", muito falado por ser o primeiro jogo português na PlayStation 3 e o maior em termos de estrutura de produção (custou 1,4 milhões de euros). "Foi o projecto de uma vida porque não só fomos os primeiros a fazer uma coisa dessas em Portugal, como ainda hoje, volvidos dois anos, ainda ninguém chegou perto no que toca a fazer uma produção tão arriscada e tão grande", acredita.

"Under Siege" foi o "culminar" de 12 anos de estudo e trabalho. Na receita para o sucesso esteve um partilhado "sentido de perserverança", que permitiu ultrapassar um "processo bastante penoso": faltava pessoal especializado em Portugal e é necessário um grande financiamento para manter uma equipa como aquela que fez "Under Siege".

Depois de "Under Siege", os sócios da Seed seguiram caminhos diferentes. Filipe Pina manteve-se como criador de videojogos, mas quis fazer algo completamente diferente. A empresa que montou com Diogo Vasconcelos, a Nerd Monkeys, fixada em Lisboa, especializa-se em jogos "engraçados".

O primeiro videojogo da Nerd Monkeys já está no mercado. "Inspector Zé e Robot Palhaço em Crime no Hotel Lisboa" (para PC, Macintosh e Linux), lançado em Dezembro passado, "é um jogo retro de propósito, que vai buscar o Portugal dos anos 80". "E é o jogo mais português que conheço", garante Filipe. Estão lá os táxis pretos e verdes, os pastéis de Belém e o humor ao estilo de Herman José. Surpresa: "Lá fora estão a gostar tanto do jogo como cá dentro".

"Inspector Zé e Robot Palhaço" é mais um videojogo português vendido nas lojas virtuais. "Antes de 2007, os meus jogos são todos em caixa. Só com a massificação dos jogos digitais é que se vê em Portugal um surgimento enorme de microempresas - com uma, duas, três, cinco pessoas - que fazem jogos só para digital. É possível fazer um orçamento baixo e vender o jogo a um baixo custo - e pagar as contas. Não tenho que ter 100 mil euros para produzir uma carrada de caixas e distribuir pelo mundo inteiro."

Filipe chama "carreira" ao seu percurso nos videojogos - já criou jogos suficientes para tal. "É muito mais interessante criar estes mundos e esta arte interactiva do que a arte que ainda hoje faço para televisão, que é motion design e motion graphics. Os videojogos reúnem todas as artes."



Destruir o sonho


É um caso raro, senão único, em Portugal: a Biodroid tem quatro dezenas de trabalhadores, três dezenas só na área dos jogos. Quase toda a equipa dedica-se às aplicações para telemóveis. E a culpa é, em grande parte, de Ricardo Flores.

Com formação e percurso em marketing, Ricardo entrou na Biodroid, com sede em Lisboa, em 2007 para criar a área mobile. Até então, a empresa desenvolvia jogos para consolas.

"Criei uma pequena equipa, na altura de quatro pessoas, e começámos a desenvolver pequenos jogos em Java [linguagem de programação]. Depois, com o advento do iPhone e dos smartphones, demos o salto rapidamente. Apanhámos essas plataformas no princípio", diz Ricardo, 43 anos.

"Billabong Surf Trip" (2010) foi o videojogo que "mais portas abriu", já que definiu os sectores em que a empresa portuguesa é mais forte: jogos de desportos para smartphone. "Billabong Surf Trip" ganhou prémios e tem versões para os mercados da Ásia e da América Latina - o segundo volume chegará em 2014. Também no desporto a Biodroid deu que falar por fazer um jogo em que podemos ser o melhor jogador do mundo ("Cristiano Ronaldo Freestyle", 2011).

"MegaRamp" (2012), que explora os universos do skate e das BMX, foi feito em parceria com a marca de desportos radicais MegaRamp Events. Juntos, "Billabong Surf Trip" e "MegaRamp" já terão gerado mais de 6,5 milhões de downloads.


Ricardo ajudou a fazer da Biodroid uma empresa voltada para o mobile
No final do ano passado, Ricardo e os colegas obtiveram mais uma conquista: a Biodroid tornou-se a primeira empresa portuguesa a desenvolver um videojogo para a Activision, um dos nomes mais influentes na distribuição de videojogos a nível mundial: "The Activision Decathlon".

Ricardo, que tem a seu cargo a gestão de projectos e a relação da Biodroid com parceiros, percebeu as "mudanças no mercado", no qual os smartphones ganharam uma enorme importância. Não é um dom, é trabalho: "Vamos a bastantes eventos. E temos as antenas lá fora. É uma coisa de que às vezes nos esquecemos: não estamos sozinhos."

"Sou jogador quase desde que me conheço", conta. Começou no "velhinho Spectrum" e percorreu um "caminho" em várias máquinas de jogos que se seguiram à criação da Sinclair. Foi em encontros de entusiastas e criadores de videojogos, em meados da década de 2000, que se aproximou do sector, já não como jogador, mas como criador.

Na Biodroid, Ricardo não tem como função escrever linhas de código, mas também fez as suas experiências. Antes de entrar na empresa, fez alguns jogos de blocos, "produtos que eram cópias de outros". Primeiro jogo assinado: "Popota Superstar", já na Biodroid.

Hoje, diz, o trilho a percorrer por quem quer fazer videojogos em Portugal "está muito mais simplificado" - um cenário muito diferente daquele em que aconteceu o nascimento da Biodroid, que teve que recorrer a muitos estrangeiros para produzir jogos. "Não havia essas pessoas cá."

Há "mais eventos" e cursos "vocacionados para software de entretenimento". Mas ainda não se pode dizer que existe uma indústria nacional de videojogos, defende: "Existe um embrião, como já existiu no passado. Mas algumas destas empresas já vêm de 2005, 2006, 2007, não são empresas novas. Isso é bom."

Para criar videojogos, é, sobretudo, preciso "gostar de jogos". E estar preparado para um "embate": "Vêm destruir um bocadinho o sonho ao vir para este lado construir o sonho."



Um biólogo a fazer jogos


O que faz um biólogo numa empresa de videojogos? João Melo, da WingzStudio, de Coimbra, admite que "tem um perfil um bocadinho fora de comum" nesta área, a que chegou já perto dos 43 anos que tem hoje.

Na viragem do milénio, João tentou "surfar a onda das dot-com". "Toda a gente achava que ia enriquecer com a Web", conta. Não ficou rico.

Algures em 2011, em plena mania dos smartphones, que despertou nas empresas de informática uma "febre de corrida ao ouro", João começou a perceber o potencial do mercado de aplicações para estas máquinas. Com amigos, fundou a WingzStudio.

Depois de uma primeira experiência (uma aplicação para uma época do ano), a WingzStudio entra no fabrico de videojogos. "Há bastante concorrência, mas é a área onde se pode ter mais sucesso", concluíram.

Depois de várias noitadas com muitas pizas, em Outubro de 2011 nasceu o primeiro rebento da WingzStudio: "Stringz", um puzzle game inspirado no famoso "Cut the Rope". "A imitação é a uma forma de elogio", sorri João, que na WingzStudio faz produção e desenho de som (deixa a "programação a sério" para os colegas: para fazer "Stringz" foi preciso, entre outras coisas, ter conhecimentos de física, do atrito à gravidade).


O ''Stringz'' foi a primeira aventura da Wingz nos videojogos
Disponível para dispositivos Apple, "Stringz", que levou meio ano a ficar pronto, correu bem, sobretudo nos Estados Unidos. "Teve retorno financeiro. Claro que não dá para pagar os ordenados e o investimento que fizemos nele", diz João. Mas, lembra, o célebre "Angry Birds" "foi a 37ª tentativa" da Rovio de conseguir um jogo de sucesso. A Wingz sabe que o sucesso constrói-se de jogo para jogo.

"['Stringz'] Abriu-nos portas porque deu-nos a conhecer", refere. Com este jogo, que tem uma versão paga e uma outra gratuita, receberam muitos aplausos, incluindo os de uma empresa norte-americana que distingue jogos com valores familiares - "um prémio que nos orgulhou bastante".

2014 será um ano importante para a WingzStudio, cujas receitas já cobrem o investimento nela feito pelos quatro sócios. Há dois jogos na calha: "To Bee or Not To Bee" e "Falcon vs Aliens", que põe o futebolista Radamel Falcao, que passou pelo FC Porto, à bulha com uma parede de extraterrestres (ocuparam os estádios terrestres e querem obrigar os humanos a jogar à bola segundo regras alienígenas). "Achamos que vai ter muitos milhões de downloads pelo mundo fora porque o Radamel é uma estrela".

"To Bee or Not To Bee" seguirá o modelo freemium, uma das tendências no mercado (o jogo é gratuito, mas, comprando componentes, a experiência torna-se mais rica). O jogo com Falcao é patrocinado por marcas.

Ter vários modelos de negócio é importante nesta área, em que "Portugal pode competir", sobretudo com a generalização das lojas virtuais de videojogos que dispensam a produção de caixas, muito mais cara.

"Está a crescer [em Portugal] porque há aqui uma oportunidade muito grande. É um negócio que nasce logo virado para a exportação", sublinha. "É uma área desmaterializada e, por isso, podemos vender no mundo inteiro facilmente. O talento existe."