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Ministra da Justiça. "Ninguém compreenderá que um estudante do CEJ ganhe 4.000 euros"

22 jul, 2015 • Marina Pimentel (RR) e São José Almeida (Público). Vídeo: Teresa Abecasis e Conceição Sampaio

Em entrevista Renascença/Público, a ministra da Justiça responde pela primeira vez ao corte de relações anunciado pelas associações de juízes e magistrados do Ministério Público. Estatutos destes magistrados não avançam por pretensões salariais excessivas, acusa Teixeira da Cruz.

Ministra da Justiça. "Ninguém compreenderá que um estudante do CEJ ganhe 4.000 euros"
Em entrevista Renascença/Público, a ministra da Justiça responde pela primeira vez ao corte de relações anunciado pelas associações de juízes e magistrados do Ministério Público. Estatutos destes magistrados não avançam por pretensões salariais excessivas, acusa Paula Teixeira da Cruz.
Em entrevista à Renascença e ao "Público", a última da série "Grandes Protagonistas da Justiça", a ministra da Justiça diz não ver razões para as posições dos magistrados e dos juízes, cujas associações cortaram relações com a tutela.

Paula Teixeira da Cruz diz que só pode explicar-se pela necessidade de afirmação das novas lideranças das associações sindicais representativas do sector, que acusa de terem prometido o que não podiam.

Beneficiou no início do seu mandato de grandes expectativas de todos os operadores da Justiça. O que é que se passou para, quatro anos depois, estar em guerra ou mesmo de relações cortadas com todas as associações sindicais representativas do sector?
Quero começar por esclarecer que eu não estou de relações cortadas com ninguém.

Eles anunciaram que cortaram relações consigo.
Eu vivi quatro anos de muita tranquilidade, como é reconhecido, com todas as associações sindicais. Aproximam-se eleições e percebo que haja necessidade de agitação. Não podemos dizer que estou de relações cortadas com todos os parceiros, bem pelo contrário. Ainda na segunda-feira estive na Madeira a convite dos órgãos de gestão da comarca e agradeceram-me a reforma. Não há dia em que eu não tenha uma demonstração de solidariedade. Vamos distinguir o que são as reivindicações das associações sindicais neste último trimestre e durante quatro anos.

É só uma questão de afirmação das novas lideranças?
Há uma necessidade de afirmação, porque não são pessoas, infelizmente, com a visibilidade que tinham os anteriores líderes das associações sindicais. Por outro lado, penso que houve alguma precipitação em promessas eleitorais irrealizáveis, designadamente em sede remuneratória. Ninguém compreenderá que um estudante do Centro de Estudos Judiciários ganhe quatro mil euros à entrada, fora o resto. Ninguém compreenderá que os aumentos pedidos sejam da ordem dos 40%.

É só uma questão de dinheiro que está a impedir a aprovação do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Estatuto do Ministério Público?
Se me conseguir dizer o que lá está para além disso…

Não são só os sindicatos. O Conselho Superior do Ministério Público acusa-a de ostensiva falta de rigor técnico, de desconhecimento preocupante e de pôr em causa a independência do MP, por causa da sua proposta de estatutos.
Não se pode falar [assim] de um documento que foi uma base de trabalho técnica, no qual se tentou fazer uma coisa que, estranhamente, as magistraturas, nas suas propostas, não apresentaram e que foi a blindagem contra qualquer tentativa para diminuir a autonomia e a independência. Escrevi-a eu pela minha mão.

Os juízes e os magistrados não se aplicaram nesse trabalho técnico?
O que penso é que houve uma lógica muito sindical de reivindicação salarial.

Mas sempre disse que os magistrados tinham de ter um vencimento com dignidade.
Com dignidade é uma coisa, um vencimento que passa pela revogação do tecto salarial do primeiro-ministro e do Presidente da República é outra. Isso foi proposto e está lá.

Em que ficamos? Não vamos ter os estatutos aprovados e tinha dito que a reforma do mapa judiciário só estaria completa com os estatutos.
Nunca! Desafio-a a encontrar uma afirmação dessas. Sempre disse que havia três pilares da reforma: o mapa judiciário; o Código de Processo Civil; e o Plano de Acção para a Sociedade de Informação. Os estatutos eram um desejo meu, de deixar clarificadas uma série de questões e de impedir que qualquer tentativa que viesse diminuir a independência e a autonomia do Ministério Público tivesse algum acolhimento. E devo dizer-lhe que fui eu que tive que encontrar uma redacção que salvaguardasse isso, com base no princípio de não retrocesso social. Os trabalhos deviam ter cessado a 7 de Julho de 2014 e a 9 de Março de 2015 eu ainda estava a receber contributos, designadamente do Ministério Público, para os estatutos. Pese eu ter pedido insistentemente que se apressassem os trabalhos.

A reforma do mapa judiciário está terminada?
Está completamente terminada. Aliás, há um comunicado do Conselho Superior do Ministério Público em que é deixado claro que é possível sobreviver com os actuais estatutos e com o mapa judiciário.

Queria voltar ao momento do arranque do mapa judiciário e ao colapso do Citius. O seu comportamento surpreendeu muitas pessoas, ficou um pouco a imagem de alguém que não era capaz de assumir responsabilidades políticas e que optava por apontar o dedo a funcionários. Não devia ter assumido responsabilidade política mais cedo?
Em primeiro lugar, essa matéria estava delegada. Ponto dois, compreenderão que eu não me teria deslocado ao Instituto de Gestão Financeira [para inaugurar o Citius] sem antes o presidente me ter dito que estava tudo operacional.

Havia um relatório que alertava para problemas com o Citius, não é verdade?
Não tive nunca nenhum relatório nesse sentido. Bem ao contrário, até houve uma tentativa de antecipação. Eu nunca apontei culpas a funcionários nenhuns, como veio a ser reconhecido pela Procuradoria-Geral da República. Recebi um relatório subscrito por um senhor secretário de Estado com muita preocupação sobre o que se tinha passado e imediatamente enviei para a PGR, sem nomear ninguém. Na sequência disso foi instaurado a esses funcionários um processo que veio a ser arquivado no Ministério Público.

De quem é a culpa por o Citius ter colapsado?
O Citius não colapsou, vários órgãos de gestão das comarcas continuaram a praticar actos. Como bem disse o senhor presidente do Tribunal de Justiça, havia justiça antes do Citius e depois do Citius, e nem tudo tramita por aquela plataforma.

O que é penal não passa por ali.
Passa o processo civil, basicamente, e pode ser tramitado por outras formas, por fax, em papel. Os próprios profissionais dessa área vieram confirmá-lo. Mais. Neste momento, estão a pedir-nos para o processo penal passar a integrar o Citius. Então, se o Citius não é fiável, porque nos pedem para o crime integrar o Citius?

O arranque teve problemas. É a constatação de um facto.
Com certeza. Mas eu sempre disse que, se fosse preciso adiar alguma coisa, adiava. Está escrito.

Não há uma responsabilidade objectiva que é inerente ao exercício de um cargo público?
Diga-me uma coisa: se, de repente, nesta conversa que estamos a ter, os meios informáticos falharem, é demitida?

Não sei se sou demitida, mas pelo menos peço desculpa pelo facto.
Foi o que eu fiz. Desculpa eu pedi. Isso foi público. Embora, nenhum membro do Governo possa ter responsabilidade sobre uma plataforma. Nos EUA a plataforma do Ministério da Saúde "crashou". Ouviu alguém pedir a demissão de algum responsável político? Isso é uma matéria exclusivamente técnica. Nunca tive na minha vida nenhuma dificuldade em assumir responsabilidades, mesmo as que não eram minhas.

Mexeu em praticamente todas as leis. Foi a opção certa? Os críticos dirão que seguiu a receita habitual (há um problema, legisla-se), mas não acautelou o problema das pessoas, da cultura judicial, da falta de funcionários e das instalações degradadas.
Bem ao contrário. Estou muito orgulhosa do trabalho que foi feito. Em primeiro lugar, deixe-me dizer-lhe que tínhamos um Código [de Processo Civil] de 1939, uma organização de D. Maria II, tinha leis que impossibilitavam a recuperação das empresas e, portanto, a manutenção de postos de trabalho. Os meios alternativos de resolução de litígios estavam completamente desadequados face às práticas internacionais. Não lhe parece estranho que nós sejamos indicados hoje como referência internacional em matéria de reformas?

Como sou operadora [de Justiça] tenho algumas vantagens, pratico [a advocacia]. E portanto sei onde estão os expedientes dilatórios. É errado eliminar expedientes dilatórios? É errado eliminar o regime de prescrições? É errado eliminar situações em que toda a prova produzida caía porque um juiz falecia ou adoecia gravemente? É errado reforçar os meios contra a corrupção?

Faltam magistrados no combate à corrupção.
Faltam magistrados?!

É o Ministério Público quem o diz.
Nos somos o país da Europa com mais juízes por 100 mil habitantes, com mais tribunais por 100 mil habitantes, com mais magistrados do Ministério Público. Eu sei que há diversidade de jurisdições. Vou só dar um exemplo. Vieram estes 600 elementos reforçar os funcionários judiciais: ‘Já não são precisos 600, são 1.200’. E quando houver 1.200, vão dizer que são precisos 1.300 ou 1.400 ou 2.000. Vamos lá ver se racionalizamos. Nós temos pela primeira vez – foi assinado entre mim, o senhor presidente do Supremo Tribunal de Justiça e a senhora PGR – os objectivos para os tribunais. O que havia no nosso país é que ninguém tinha responsabilidades. Os magistrados não tinham prazos, não havia objectivos para os tribunais, não havia valores de referência processual.